"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



sábado, 3 de março de 2012

O JUIZ INVISÍVEL



* Lisandre Figueira



O Juiz Invisível

Conta-se a história de um juiz  (ou talvez de uma juíza),  que foi convidado para uma solenidade.

Em meio a tanta papelada que chega para assinar, caiu ao chão um convite, daqueles “pomposos”, com letra desenhada no envelope.

Não era muito afeito a solenidades, mas imaginou que era preciso sair um pouquinho da redoma do fórum, e se fazer presente ao evento.

Em letras miúdas, dizia no convite: “R.S.V.P”. Assim, uma semana antes - como manda a etiqueta - confirmou sua presença à solenidade.

Chegado o dia, apresentou-se ao cerimonial, identificando-se como uma “autoridade judiciária”. Porém, logo a seguir, percebeu que alguma coisa estava estranha.

O anfitrião sorridente, recebia os convidados. Até lhe cumprimentou com um breve aceno de cabeça. Consideradas as circunstâncias, tentava acreditar que haveria um momento oportuno para que pudesse se apresentar melhor, enfim... Mas, a cerimônia prosseguiu, passando-se à composição da mesa: “Gostaríamos de  saudar o Exmo. Sr. Prefeito Municipal, convidando-o para compor a mesa... Saudamos também o Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Vereadores...  E, finalmente, conclamaram as demais autoridades presentes, exceto o magistrado.  Olhou ao redor para ver se encontrava algum outro representante do Poder Judiciário, no entanto, não encontrou ninguém.

Supondo algum lapso da parte da organização do cerimonial, ficou no recinto, ouvindo ao fundo os discursos calorosos, seguidos de aplausos, ao mesmo tempo em que tentava imaginar o que teria lhe feito largar os seus milhares de processos para estar naquele local, naquela hora.

Teve tempo, ainda, de lembrar do filho. Pela manhã ante de sair, seu menino lhe pediu: “Vamos brincar, papai!”. “Ô, meu filho... Infelizmente, papai precisa trabalhar. A noite a gente se vê, está bem?”.

Quando se deu por si, ouviu o anfitrião proclamar: “... e está encerrada a solenidade. Obrigado”. (aplausos...).

Mais uma vez, os convivas saudaram-se calorosamente. Trocaram “tapinhas” nas costas das autoridades executivas e legislativas, mas nem se quer lhe viram. Quase que lhe esbarravam, completamente alheios. Absolutamente cegos a sua presença.

Consciente de sua insignificância para o dito evento, a passos lentos e firmes tomou rumo em direção à saída. Com certeza, em algum outro lugar deveriam existir pessoas que creem em sua existência e, talvez,  na relevância que um dia disseram que seu cargo tinha.

Antonie Garapon já chamou o juiz de “O Guardador da Promessa”.  Olhando para a intensa judicialização da vida social, ele ressaltou a importância do papel do juiz na sociedade.

De fato, a judicialização de todas as relações sociais é uma realidade, porém, qual é o nosso papel como magistrados, hoje?

Infelizmente, tenho visto a magistratura cansada, sobrecarregada com o volume de trabalho, com quadro de servidores reduzido, muitas vezes, em condições de segurança deficitárias.

Estaria o desânimo minando nossa motivação? Haveria o risco de, ao perdermos nossos ideais, acabarmos sendo engolidos por aquele “modo de ser” burocrata, que tudo consente, que nada questiona?  Estaríamos nos entregando placidamente  ao dogmatismo?

Sinceramente, (e perdoem-me os pessimistas), eu ainda tenho um sonho.  Tenho o sonho de ver a magistratura com novo fôlego. Sonho ver o dia em que nós, juízes, possamos ter – mais uma vez - imenso orgulho de nossa missão institucional.

Enfim, desculpem o desabafo. Estava precisando sair um pouco da invisibilidade.


* Juíza de Direito da 3ª Vara Cível de Três Corações/MG; Mestre em Direito Internacional pela UFSM


2 comentários:

  1. Caro Colega,

    Comecei a acompanhar agora o seu blog.

    Lendo este seu Post (o qual parabenizo), pensei numa possível relação com o tema de um artigo que publiquei no meu Blog (ajusticaodireitoealei.blogspot.com.br). Creio que são complementares as ideias (embora o seu seja mais pungente).

    O meu texto (Poder ou dever de desagradar ?) começa dizendo que "A recente e acalorada discussão sobre a decisão do STF acerca dos “poderes” do CNJ tinha uma questão de fundo que foi pouco debatida. Não se trata de examinar o mérito da decisão do STF, mas é interessante notar que, ao elogiar o “placar final”, a imprensa e a Sociedade tratavam o tema como se houvesse a necessidade da Corte decidir de acordo com uma suposta vontade pública e deixaram de questionar se cabe ao Judiciário e, mais especificamente, ao STF, atender o “clamor popular” ? Ele pode desagradar o público ? Suas decisões tem que ser baseadas na popularidade ou no Direito ? Há espaço para um Direito “impopular” ? A legitimidade do STF funda-se na aceitação do povo ?"

    E termina:
    "(...)
    A legitimidade não pode ser, portanto, a popularidade do Judiciário. Por mais que isso possa ser impopular."

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  2. Olá Vilian, visitei o seu blog e gostei muito, em especial do Post que comenta, no que igualmente o parabenizo.

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