"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



terça-feira, 30 de outubro de 2012

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SEUS LIMITES HUMANOS

29 outubro 2012
Constituição e Poder

Os limites humanos da dignidade da pessoa humana


Começo por uma pergunta: Existe algo em Direito que possa dizer-se absoluto? Dito de outro modo: Há algum princípio de justiça absoluta no Direito? É inteiramente humano que desejemos uma resposta positiva a essa questão, mas é absolutamente certo que não a encontraremos. Aliás, é precisamente a nossa miserável condição humana que jamais nos permitirá ir muito além dos nossos próprios e incontornáveis limites de Justiça e de Direito.

No discurso final de seu excepcional filme, “O Grande Ditador”, Charles Chaplin lembrava os homens de uma prosaica verdade: “Não sois máquina. Homens é que sois.” Quando nos pomos a insistir em princípios de justiça absoluta, talvez fosse o caso de acrescentar: “Não sois Deus. Homens é o que sois.” Tudo o que é humano pagará sempre o preço dessa limitação original.

Nada obstante, ultimamente corre entre estudiosos do Direito a perspectiva de um sonho impossível: o de ter alcançado, no princípio da dignidade da pessoa humana, a quadratura do círculo, o ponto arquimediano do conhecimento e da prática do Direito, pois nesse princípio, afirma-se, cessaria toda necessidade de maior fundamentação. Um princípio que, bastante em si mesmo, prescindiria de qualquer justificativa e não admitiria qualquer limitação.

Ao falar de dignidade da pessoa humana, estaríamos diante de um princípio para aquém e além do qual o Estado e a sociedade não poderiam ir. Nele se originariam todas as premissas de fundamentação jurídica e toda a razão de ser do Direito. Não é a toa que muitos afirmam que, ao contrário de todos os princípios e direitos fundamentais, que se prestam a restrições, a dignidade da pessoa humana seria princípio absoluto, livre de qualquer relativização, tangenciamento ou limitação.

Infelizmente, temo que também aqui a verdade seja algo um pouco mais complexa.

É fato que as constituições democráticas, nascidas no curso do século passado, sobretudo após a apavorante experiência do Nazi-facismo, que concebeu a terrível possibilidade normativa de seres humanos sem dignidade de existência humana, têm corretamente consagrado a dignidade humana como valor supremo e intangível. A questão aqui é saber se essa supremacia e intangibilidade é de caráter ahistórico, absoluto e metafísico, como pretendem alguns, ou de caráter jurídico e histórico, como defendem outros.

A dignidade da pessoa humana há muito é um elemento essencial daquilo que se costuma designar como “pensamento dos direitos humanos e dos direitos fundamentais”[1]. Também no Brasil, podemos afirmar o que dizem os professores Canotilho e Vital Moreira sobre a Constituição portuguesa, pois, também aqui temos que interpretar o princípio da dignidade da pessoa humana como pressuposto ou precondição do texto constitucional: (1) primeiro está a pessoa humana e depois a organização política (2)a pessoa é sujeito e não objeto, é fim e não meio de relações jurídico-sociais[2].

Seja em sua dimensão objetiva, seja como dimensão subjetiva, o princípio da dignidade da pessoa humana significa — como ideia básica — a proteção do valor pessoal intríseco de todos os seres humanos. No Direito Constitucional, visando precisar o seu conteúdo, buscou-se na conhecida fórmula kantiana, hoje repetida por quase todos os intérpretes, a ideia de que a dignidade da pessoa humana consistiria na afirmação do ser humano como fim em si mesmo, tornando proibida a sua degradação em simples objeto ou meio de concretização de qualquer outro fim.

Contudo, salta aos olhos o caráter indeterminado de uma formulação assim tão excessivamente abrangente. Precisamente por viver em sociedade, o ser humano está permanentemente sendo meio legítimo de realização dos desígnios de outras pessoas, ao mesmo tempo em que se vale das ações e das qualidades de outros seres humanos para a realização de seus próprios objetivos. Por exemplo, a sociedade não enxerga mal algum, pelo contrário, que alguém se valha dos serviços de um médico, de uma empregrada doméstica, de um polícial ou de um juiz para a realização de seus mais elevados ou mais simples desejos e necessidades. Nesses exemplos todos, não se pode negar, esses profissionais acabam sendo, pelo menos em alguma medida, meio de realização de pretensões (legítimas) e de finalidades de outras pessoas.

Se os exemplos dados não parecem transformar nenhum daqueles profissionais em meros objetos de realização de interesses alheios, não se pode, contudo, esquecer que a sociedade pode ir ao ponto de exigir, por exemplo, de um policial, ou de um bombeiro, que sacrifique a sua própria vida como meio de proteção da vida, dos bens e dos interesses de outras pessoas. Nessas condições, a vida desses profissionais é inteiramente transformada em meio de defesa de outros interesses. Haveria, então, que se precisar de forma mais convincente quando é que a utilização instrumental do ser humano poderia progredir para uma inaceitável degradação do outro ser humano em simples objeto ou meio de realização do interesse de outros seres humanos. Mas também aqui, infelizmente, os esforços hermenêuticos não parecem conduzir a resultados livres de qualquer questionamento.

Com efeito, são inúmeras as situações em que a conversão do ser humano em simples objeto do interesse de outros seres humanos não parece autorizar uma interpretação livre de qualquer discordância entre os diversos sistemas jurídicos. Fiquemos em dois casos emblemáticos: (1) a legalização da prostituição em muitos países considerados desenvolvidos e (2) a possibilidade de abate e sacrifício das vidas de passageiros e tripulação de uma aeronave sequestrada por terroristas como meio de salvaguardar a população de uma cidade intensamente povoada.

Há quase 10 anos, o celebrado jornalista Gilberto Dimenstein informava, em sua coluna, que uma série de países ricos vinha progressivamente legalizando a prostituição. Países como Nova Zelândia, Holanda e Alemanha haviam convertido, em alguma forma de legislação, a prostituição em atividade legal, com direito a pagamento de remuneração e a obrigação de recolher tributos (cito): “Quebrando tabus! Países do Primeiro Mundo estão agora adotando leis que tratam a prostituição como se fosse qualquer outro negócio. Neste mês, o governo da Bélgica apresentou um projeto de lei para legalizar os bordéis, medida que a Nova Zelândia adotou no mês passado. Há três anos, os holandeses legalizaram os bordéis, e as prostitutas passaram a ter os direitos de qualquer trabalhador: carteira assinada, plano de saúde e aposentadoria. Em contrapartida, vão descontar para a previdência e pagar imposto de renda, como todo mundo. A Alemanha adotou legislação semelhante no ano passado. Apesar de levantar discussões com a igreja e as partes mais conservadoras da sociedade, do ponto de vista pragmático, quem defende a legalização argumenta que a mais antiga das profissões é impossível de ser eliminada, e torná-la legal é uma forma de controlar doenças, combater o crime, a prostituição de menores e criar mais uma fonte de impostos. No entanto, tanto na Holanda como na Alemanha e na Nova Zelândia foram estabelecidas restrições. A idade mínima para a prostituição é 18 anos e, no caso holandês e no neozelandês, os prostíbulos precisam de licenças especiais. Em alguns países, a situação é mais confusa. A prostituição é legal em certas cidades do estado de Nevada, nos Estados Unidos, e em algumas regiões da Austrália, incluindo a maior cidade, Sydney”[3].

Para muitos países, contudo, a prostituição é uma das mais inaceitáveis e degradantes formas de violação da dignidade humana. Consistiria em pura e simples exploração sexual conjugada com desabrida ganância por lucro. Nela, o ser humano, sobretudo a mulher, é convertido em simples produto de consumo e luxúria de outros seres humanos. A mulher é tratada como “bem”, pois a prostituição seria um negócio tendo a mulher como mercadoria e os homens como compradores. Obviamente, não se pode falar de dignidade humana quando alguém é convertido em mercadoria. O comprador pode, em tais circunstâncias, usar o outro ser humano, dirigindo e controlando a sua autodeterminação, ou trocando-o por uma centena de outros seres humanos, convertidos também em simples mercadorias. A ideia de autodeterminação por parte de quem se prostitui não alivia o problema, uma vez que a dignidade da pessoa humana, como afirma a interpretação predominante, não estaria à disposição de quem quer que seja, e muito menos por parte de quem é transformado em objeto da conduta e do interesse alheio.

A questão é tão controvertida, que mesmo entre os alemães, onde já se noticia a existência de legislação tornando legítima a profissão de prostituta, existe decisão do Tribunal Constitucional considerando correta a negativa de licença a estabelecimento que pretendia comercializar o chamado Peep Show (exibição erótica em ambiente fechado de pessoas), onde a mulher, mediante pagamento, segundo a Corte, se degradaria, precisamente, por ser tratada como mero objeto de interesse e desejo sexual daqueles que a observam.

A controvertida questão, como se sabe, não se manteve alheia aos brasileiros, pois, também em nosso Parlamento têm curso mais de um projeto de lei que elevam tanto a prostituição feminina como masculina à categoria de profissão dos “trabalhadores da sexualidade[4]". Na Câmara, por exemplo, o projeto de lei (98/03) do deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, prevê a regulamentação da profissão de prostituta. O projeto reconhece que as pessoas que prestam serviços de natureza sexual fazem jus ao pagamento por tais serviços, e suprime artigos do Código Penal, como o que trata de favorecimento à prostituição[5]. Aprovada a proposta, longe de violar a dignidade da mulher, a prostituição passaria, segundo seus defensores, a ser considerada direito fundamental de profissão e de trabalho. A grande questão em tudo isso é saber onde se situa a dignidade da pessoa humana: Onde se proíbe ou onde se protege a sua prática?

Vejamos agora o outro exemplo: o do abate de aviões tripulados sequestrados por terroristas. Também aqui os países democráticos controvertem em suas respostas.

Nos Estados Unidos, todos ficamos sabendo por ocasião dos eventos do chamado 11 de Setembro, que o seu então presidente, George W. Bush, sem qualquer questionamento por parte do público e da imprensa local ou estrangeira, deu autorização às forças armadas para abaterem aviões de passageiros que, sob a ameaça de sequestro por terroristas, colocassem em risco a vida dos habitantes das cidades norte-americanas. Mais do que isso, ele teria delegado a dois generais a ordem para autorizar o abate de aviões civis comerciais considerados perigosos para a população: “Se houver tempo, podemos seguir a hierarquia até ao presidente, mas, se não houver, a decisão pode ser tomada a nível regional. (...) Se for um caso de vida ou morte, em que um ataque está a segundos de acontecer, a ordem poderá ser dada" pelos dois generais, acrescentou o coronel Michael Perini, chefe dos Assuntos Públicos do NORAD (organismo que une os EUA e Canadá no esforço de tornarem o espaço aéreo de ambos os países seguro)[6].

Já na Alemanha, o Tribunal Constitucional vedou o poder das forças armadas alemãs (Bundeswehr), de disparar contra aviões, quando esse poder fosse usado contra um avião sequestrado, já que essa faculdade estatal violaria a dignidade da pessoa humana, pelo que declarou inconstitucional o parágrafo 14 da Lei de Segurança da Aviação, que permite que as forças armadas, sob certas condições, atirem contra aviões sequestrados por terroristas.

A decisão do tribunal baseou-se expressamente na compreensão de que "a proteção da dignidade humana é de caráter estrito e não está permeável a uma restrição” («Der Schutz der Menschenwürde ist strikt und einer Einschränkung nicht zugänglich»). Em síntese, o tribunal decidiu que “a autorização às forças armadas, nos termos do parágrafo 14.3 da Lei de Segurança da Aviação, para abater aeronaves pelo uso direto da força, que se destina a ser usada contra a vida humana, é incompatível com o direito à vida do artigo 2.2, 1, da Lei Fundamental, em conjunto com a garantia da dignidade humana, nos termos do artigo 1.1, da Lei Fundamental, na medida em que ela afeta as pessoas a bordo da aeronave que não são participantes do crime”[7]. Nessas condições, segundo o tribunal, pessoas inocentes seriam transformadas em objeto e meio de defesa de outras pessoas.

O problema também não está distante de nossa realidade, já que o artigo 303, parágrafo 2°, do Código Brasileiro de Aeronáutica, tem suscitado acerbas críticas ao permitir, em condições muito similares àquelas verificadas no caso alemão, o abate de aeronaves classificadas como hostis à segurança da população (cito): “Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do presidente da República ou autoridade por ele delegada.”

Como facilmente se conclui do tratamento absolutamente contraditório que as diversas experiências constitucionais têm oferecido a problemas existenciais da condição humana, a afirmação do caráter absoluto do princípio da dignidade humana não logrou oferecer solução uniforme a problemas capitais de nossa convivência social. Isso decorre do dado simples de que o ser humano não é um ser isolado no mundo ou na natureza sobre o qual se possam lançar certezas absolutas de valor, que desconsiderem a sua imanente implicação social e histórica. Aliás, se o ser humano tivesse permanecido isolado na natureza não passaria de uma fera como outro animal qualquer e, apenas nessa condição, é que sobre ele poderíamos fazer incidir as certezas absolutas das leis da natureza (mundo do ser), e não a relatividade das normas jurídicas (mundo do dever ser).

A condição de humanidade em termos jurídicos decorre, em essencial medida, da vida em sociedade, mais especificamente, da teia de comunicações que os seres humanos, nas suas relações sociais, mantêm ou podem manter com outros seres humanos. Assim, não faz qualquer sentido buscar compreender a dignidade da pessoa humana numa imagem de ser humano como ser isolado de tudo o mais, com base numa filosofia metafísico-ontológica (absoluta) que tem a pretensão de interpretar o homem despido de sua socialidade, como coisa-bastante-em-si.

Em provocante artigo, Ulfried Neumann aponta para terríveis inconvenientes que a dignidade da pessoa humana, levada ao absoluto, acaba contraditoriamente impondo aos seres humanos (“A dignidade humana como fardo humano — ou como utilizar um direito contra o respectivo titular”[8]). Ali, o autor, convicentemente, nos revela como a utilização sem limites (inflação) e a ontologização metafísica (absolutização) do argumento da dignidade humana acabam por subtrair o caráter jurídico-normativo desse princípio (vendando em absoluto, por exemplo, a possibilidade em alguns países de pesquisas científicas de caráter biológico e genético que poderiam pôr fim a diversas formas de sofrimento humano). Com efeito, não há nada no Direito que não se submeta a restrições e limites. Na verdade, limite e direito são conceitos que se vinculam não apenas de forma antinômica, mas também essencialmente: são contrários impossíveis de serem sequer pensados de forma absoluta ou isolada.

Segundo U. Neumann, “a alternativa a um modelo ontológico é uma concepção na qual a dignidade humana não seja compreendida substantivamente, mas de modo relacional; na qual a dignidade não resida (apenas) na pessoa, mas (também) na interação entre pessoas[9]”. E, concluindo, é ainda de Chaplin, no mesmo excepcional discurso final de “O Grande Ditador”, que se pode retirar a mesma lição: “O reino de Deus está dentro do homem não de um só homem ou grupo de homens, mas de todos os homens.”

[1] Michael Sachs. Verfassungsrecht II – Grundrechte. Berlin, Heidelberg, N. York: 2003, p. 165.
[2] J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 1º a 107º).   Coimbra Editora, 2007, p. 198.
[7] BVerfG 1 BvR 357/05, de 15 de fevereiro de 2006.
[8] Ulfried Neumann, “A dignidade humana como fardo humano – ou como utilizar um direito contra o respectivo titular”, in Ingo Wolfgang Sarlet (org.). Dimensões da Dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 225 e seguintes.
[9]Ingo Wolfgang Sarlet. Dimensões da Dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 239. Os acréscimos “apenas” e “também”, entre parêntesis são nossos.


Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.


Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2012

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

JOAQUIM BARBOSA, O JUIZ QUE DIZ O FATO


O juiz que diz o fato




Eu poderia muito bem revisar o meu voto, reformar, para que o Ministério Público aprenda a fazer a denúncia de maneira mais explícita”, disse Barbosa.
Excerto retirado do UOL Notícias: ”Após absolvições, Barbosa diz que Ministério Público tem que “aprender” a fazer denúncia“.


Joaquim Barbosa não é juiz. Escancarou hoje sua parcialidade. Não cumpriu seu papel. Seduziu-se pelo aplauso. Vendeu-se pelo glamour da acusação.

Depois de desrespeitosamente atritar com inúmeros membros do Supremo – Eros Grau, Gilmar Mendes, Ayres Brito, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – Barbosa ofendeu o Procurador-Geral da República Roberto Gurgel, afirmando ser necessário ensinar-lhe a denunciar.

Não é apenas grosseria. É ofensa. Tivesse o procurador-geral a baixa autoestima de Joaquim Barbosa, ter-lhe-ia imediatamente retorquido e perseguido juridicamente a proteção de sua honra.

Mas o Procurador-Geral sabe que a ofensa é o de menos. Juridicamente, Barbosa de forma infeliz deu mais um poderoso argumento para as defesas dos réus, comprometendo todo o julgamento. Ao manifestar-se da forma como tem-se manifestado, Barbosa defenestra a imparcialidade, requisito de todo o julgador. Ao buscar trazer à acusação elementos de condenação oferecendo-lhe remendo, não é julgador, mas acusador.

Barbosa votou pela condenação dos publicitários, posteriormente CONFESSANDO E RECONHECENDO que a acusação deixou de narrar elemento essencial do tipo penal da lavagem de dinheiro – o crime antecedente. Descumpriu a lei. Deveria ter reconhecido a insuficiência da acusação e votado pela inescapável absolvição. Já não pode negar: largou a toga e vestiu o manto acusador.

Narra mihi factum, dabo tibi jus. Este princípio reserva ao juiz conhecer e cuidar e dizer o direito, segundo os fatos a ele apresentados pelas partes. A pretensão pseudo-professoral de Barbosa é indevida invasão à função exclusiva do Procurador-Geral de dar-lhe os fatos nos quais basear seu julgamento.

Mais que julgador, Barbosa é relator do processo. Não pode defender versões de fatos como tem defendido. Brigas na corte (porque debates não são) sempre começam por sua intolerância. O relator não admite ser contrariado. Não admite que haja ponto de vista: fato é o que ele narra. Quem discorda não conhece “os fatos”.

A função primordial do juiz de “dizer o direito”, ou juris dictio, não vale para Barbosa. Barbosa, que simples juiz não é, tomou-se da prerrogativa de dizer “o fato”. É, portanto, parte.

Daí, qualquer divergência do revisor – cuja função, frise-se, é revisar e divergir – Barbosa toma como ofensa; toma como negação do que do relatório consta; toma, como gosta de dizer, como negação “dos fatos”. Essa baixa autoestima do ministro é estendida a qualquer divergência que lhe confrontem os demais julgadores. Agora, sua insegurança pessoal faz vítima o Ministério Público.

Toda essa balbúrdia há muito não era vista no tribunal. Há quase um ano Barbosa se ausenta das sessões no STF por “condições médicas”. Agora, seduzido pela fama, convenientemente retorna ao plenário “para por mensaleiros corruptos na cadeia”. Pouca diferença tem do operário convenientemente aposentado por invalidez pela falta do dedo mindinho, mas plenamente apto a fazer política sindical e governar um país. Pouca diferença há: usam das funções do Estado segundo a conveniência de seus interesses pessoais.

Mais de uma vez teve a atenção chamada pelo presidente do Tribunal. Não por seus posicionamentos, mas pela completa desproporção e descabimento de suas reações aos votos de seus colegas. A razão de ser de um órgão colegiado é alcançar decisões judiciais mais justas através da pluralidade de opiniões. Barbosa parece não compreender isto. Interrompe, força, tumultua. Quase ditatorialmente, busca impor à corte seus posicionamentos. Manipula a opinião pública sugerindo a suspeição de colegas. Navega habilmente no senso comum. Com o silogismo facilmente digerido pela população de que ‘mensaleiro é corrupto, corrupto tem que ir pra cadeia, logo mensaleiro tem de ir pra cadeia’,

 

Barbosa ganha adeptos através da condenação generalizada de todo e qualquer dos envolvidos. Pouco se preocupa em distinguir se realmente todos os 38 denunciados são ou não são realmente ‘mensaleiros’ e em qual medida. Seu silogismo maniqueísta serve-lhe para ganhar o aplauso do leigo: Barbosa virou hit de internet, assim como a Luiza que está no Canadá ou Nissim Ourfali e seu Bar Mitzva.

O mundo é cinza. Nada é só preto ou só branco. Ao que odeia mensalão e toda a forma de corrupção, reserve olhar crítico para também perceber os destemperos do meio do caminho. Não se deixe cegar pela busca sem critérios por uma justiça discutível. Lewandowski não votou diferentemente dos demais. Absolve uns poucos, condena uns muitos. Barbosa é a carta fora do baralho: condena a todos indistintamente, numa análise distanciada da lei. Isso não é justiça. É retrocesso.


Fonte: http://andreazevedo.co/o-juiz-que-diz-o-fato/



NOTA DO EDITOR: Concordamos em gênero, número e grau com o autor, diante de uma postura também antiética e de juiz inquisitor do relator que não se coaduna com um Estado Democrático de Direito e com o seu princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Vemos nessa ação ortodoxa, uma manifestação clara da corrente punitivista que se expressa por meio do nefasto movimento do direito penal máximo que vai de encontro à indicação pela criminologia crítica do direito penal mínimo como o melhor caminho a ser perseguido para o resgate do sistema penal e sua missão.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

DES. JOSÉ GUIDO DE ANDRADE, UMA SINGELA HOMENAGEM PÓSTUMA


Em 04/10/2004, o Poder Judiciário de Minas Gerais, porque não dizer, o Poder Judiciário Nacional, perdeu, o desembargador aposentado, José Guido de Andrade.

Nascido em Andrelândia, em 18/10/1932, o Des. José Guido formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, em 1956.

Por meio de uma carreira jurídica recheada de realizações, foi Promotor de Justiça Adjunto na Comarca de Ipanema/MG e Comarca de Ibiraci/MG.

Ingressou na magistratura em 1961, tendo iniciado a judicatura na Comarca de Resende Costa/MG. Em 1964 foi para São Gotardo/MG e em seguida, em 1965 para Carandaí/MG.

Foi também Juiz da Comarca de Juiz de Fora em 1967 e diretor da Associação dos Magistrados Mineiros da Zona da Mata (2ª Seccional da Amagis).

Prestou relevantes serviços à Justiça Eleitoral, como juiz eleitoral da 142ª Zona Eleitoral de Juiz de Fora em 1976, Juiz Eleitoral da 26ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte em 1981 e Diretor do Foro Eleitoral de Belo Horizonte em 1982.
Assumiu em 1979 a função de juiz da Comarca de Belo Horizonte e, em 1984, foi promovido a juiz do Tribunal de Alçada.

Em 23/04/1988, foi promovido ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em 23/04/1988.

Foi vice-corregedor geral de justiça em 1995 e presidente da Amagis.

Foi eleito corregedor-geral de justiça em 1997 e em 2001 foi eleito 1º vice-presidente do TJMG.

Na área acadêmica, foi Professor de História e Geografia no Colégio São Boaventura, em Andrelândia/MG; Professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da UFJF e Professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior, também em Juiz de Fora.

Foi em 1991 integrante da Comissão Especial, designada pelo Ministro da Justiça, que apresentou sugestões às alterações do Processo Criminal (Código de Processo Penal).
O reconhecimento pelos serviços prestados ao Poder Judiciário Brasileiro se fez de várias formas, tendo recebido diversas condecorações como o Título de Comendador da Ordem dos Bandeirantes, em 1978; o Diploma de Benemérito da Polícia Militar - 2º Batalhão da Polícia Militar - Juiz de Fora; a Medalha Santos Dumont, em 1990 e a Medalha de Honra da Inconfidência, em 1992, dentre outras.

Por fim, com o intuito de prestar tão grande homenagem, em 2007 a AMAGIS instituiu a "Comenda Desembargador Guido de Andrade", com o objetivo de homenagear personalidades e instituições públicas e privadas, que prestaram relevantes serviços à Associação e ao fortalecimento da magistratura e do Judiciário.

Este blog, passados oito anos de sua morte, não poderia deixar de prestar esta singela homenagem a um homem que impressionava os que com ele lidava. Este editor teve a honra de o conhecer e trabalhar na mesma Câmara do TJMG quando Assessor Judiciário do seu grande amigo Desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, assim como quando Magistrado, em 2001, teve a deferência de receber um telefonema seu às 22h30m de uma sexta-feira, em minha residência, à época ocupando a Presidência interinamente do TJMG, para me dizer que poderia arrumar as malas com a família porque no dia seguinte publicaria a minha designação como substituto para uma comarca em fronteira com a Bahia que havia solicitado. Este ato, demonstra a sua grandeza como Magistrado e ser humano, livre de vaidades e com um pensamento focado para a valorização da Magistratura.

Fica aqui consignada a nossa singela homenagem a esse grande e saudoso Magistrado.

sábado, 13 de outubro de 2012

INDICAÇÃO DE MINISTRO DO STF COM PROPÓSITO ESPECÍFICO É NOTICIADO

Chiadeira de José Genoino mostra que indicação de Dias Toffoli ao Supremo teve propósito específico



Marionete de luxo – Para o PT, golpe é quando alguém discorda dos objetivos espúrios do partido, não importando se o discordante tem ou não razão. De tal modo, a condenação de petistas envolvidos no maior escândalo de corrupção da história nacional, o Mensalão do PT, é golpe, arquitetado pelas elites, setores da imprensa e pelo Judiciário, segundo os “barbudinhos”.

Pois bem, proferidas as sentenças que condenaram por corrupção ativa três ex-dirigentes petistas – José Dirceu de Oliveira e Silva, Delúbio Soares de Castro e José Genoino Neto –, o PT se organizou com celeridade para afinar um discurso rasteiro e dramático, em que Dirceu e Genoino são apresentados como vítimas, não sem antes serem apresentados à sociedade como injustiçados.

A desfaçatez que marca essa ópera bufa agora encenada pelo PT é tamanha, que nem mesmo as decisões judiciais estão sendo respeitadas. Para piorar a situação, o inconformado José Genoino confirmou o que todos já sabiam. Que o ministro José Antônio Dias Toffoli foi indicado ao Supremo Tribunal Federal para cumprir uma missão partidária. A de salvar a pele dos mensaleiros.

Após ser condenado, Genoino teria feito comentários “impublicáveis” a respeito do voto de Dias Toffoli, revelou o advogado do petista, o criminalista Luiz Fernando Pacheco. Em outras palavras, para a cúpula do PT o ministro Toffoli deveria atuar o tempo todo como pau mandado.

Quando o ucho.info, ainda em 2003, alertava para o perigo de o PT colocar em marcha um projeto de poder totalitarista, por meio de um golpe lento e silencioso, muitos foram os que nos dedicaram críticas de todos os matizes, mas, quase uma década depois, o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do STF, referendou o nosso trabalho ao proferir seu voto no julgamento da Ação Penal 470.

“O objetivo não era corromper sob a inspiração patrimonialista. Um projeto de poder foi feito, não um projeto de governo, que é exposto em praça pública, mas um projeto de poder que vai além de um quadriênio quadruplicado. É um projeto que também é golpe no conteúdo da democracia, o republicanismo, que postula a renovação dos quadros de dirigentes e equiparação das armas com que se disputa a preferência dos votos”, disse Ayres Britto.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

MINISTRO LEWANDOWSKI E O GUARDA DA ESQUINA

Notícias

10 outubro 2012
AP 470

“O problema é o guarda da esquina”, diz Lewandowski


Em 13 de dezembro de 1968, quando o governo Costa e Silva impunha ao país o Ato Institucional 5, o vice-presidente, Pedro Aleixo, foi o único a discordar dos termos da regra do regime de exceção. “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”, disse Aleixo.

A frase foi relembrada nesta quarta-feira (10/10) pelo ministro Ricardo Lewandowski, durante a conclusão do capítulo da Ação Penal 470, o processo do mensalão, que trata de corrupção ativa. Com os votos do decano Celso de Mello e do presidente do tribunal, Ayres Britto, os ministros do Supremo condenaram José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, por oito votos a dois, por corrupção ativa.

Os ministros decidiram que Dirceu não só tinha conhecimento da compra de apoio político no Congresso Nacional pelo PT como liderou o esquema denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Nesta terça-feira (9/10), já havia sido formada maioria para condenar os réus do chamado núcleo central da denúncia: além de Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoíno e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares.

Ricardo Lewandowski lembrou Pedro Aleixo em aparte ao voto do ministro Celso de Mello, quando o decano discorria sobre o alcance da teoria do domínio do fato e defendia que ela se encaixa perfeitamente no caso de José Dirceu. “O que me preocupa é como os 14 mil juízes vão aplicar essa teoria se o Supremo Tribunal Federal não fixar balizas claras sobre a aplicação da teoria do domínio do fato”, afirmou Lewandowski.

A intervenção do revisor foi feita depois de o decano afirmar que não fazia sentido “dizer que a teoria do domínio do fato só pode ser aplicada em situações de anormalidade institucional”. Celso de Mello citou diversas decisões judiciais em que a Justiça já admite a aplicação da teoria quando fica claro que o réu é autor intelectual do crime, ainda que não haja provas materiais de seus atos. Segundo explicou Lewandowski, o que ele defendeu é que a teoria se aplica “em situações excepcionais”, e não apenas em casos de “anormalidade institucional”.

Ao analisar o mérito das acusações, o decano afirmou que o papel de Dirceu no esquema ficou claro a partir de depoimentos e índicos de provas que convergem nos autos, que não se repelem. “Nem se diga que José Dirceu e José Genoíno se limitaram a manter atividades políticas. O dialogo institucional não autoriza práticas criminosas”, afirmou Celso de Mello.

O ministro voltou a defender que o Supremo não está mudando a jurisprudência e condenando qualquer um dos réus sem provas: “As acusações penais não se presumem provadas. Não se registra qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou meras conjecturas, reconhecer a culpa do réu. De qualquer réu”.

Celso de Mello também disse que é “inadmissível” a afirmação de que o processo buscou condenar atividades políticas. Busca condenar pessoas apenas porque exerceram cargos no poder ou em partidos, disse o decano. De acordo com o ministro, os acusados fizeram um “jogo político motivado por práticas criminosas perpetradas à sombra do poder”. E concluiu: “Isso não pode ser tolerado ou admitido”.

O presidente Ayres Britto falou sobre a diferença de uma relação interpartidária hígida e uma desvirtuada: “O que era triangular, tornou-se tentacular”. Também disse que o Supremo não adota o Direito Penal do Inimigo na Ação Penal 470. “Nem Direito Penal do Inimigo, nem Direito Penal do compadrio. Mantivemos a distância nesse julgamento, fizemos uma análise percuciente”.

Além de Dirceu, os ministros condenaram José Genoíno, por nove votos a um, e Delúbio Soares, por unanimidade. Também foram condenados por corrupção ativa, pelos dez ministros, Os dois pela acusação de corrupção ativa, junto com os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios das empresas SMP&B e DNA Propaganda, e Simone Vasconcelos, funcionária dos publicitários. Os quatro condenados por unanimidade. Rogério Tolentino, advogado de Valério, foi condenado por oito votos a dois.

Os ministros ainda decidiram absolver Geiza Dias, ex-funcionária de Marcos Valério. Apenas o ministro Marco Aurélio votou pela condenação neste caso, por considerar que ela efetivamente participou do esquema como pessoa de confiança de Valério, que instruía as agências bancárias para fazer os pagamentos aos deputados e políticos. O ex-ministro dos Transportes do governo Lula, Anderson Adauto, foi absolvido por unanimidade, por falta de provas de que tenha participado, efetivamente, do mensalão.


Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2012


NOTA DO EDITOR: O Sr. Ministro Lewandowski não pode esquecer, com o devido respeito, que o STF é o guardião da Constituição, mas não do Direito Penal e do livre convencimento fundamentado de cada um dos supostos 14 mil juízes. Sustentar que a teoria do domínio final ou funcional do fato só pode ser aplicada em situações excepcionais, é deixar ao perigoso arbítrio do julgador essa discricionariedade que facilmente pode se converter em arbitrariedade. Ela deve sim ser aplicada, sempre que o caso concreto autorizar, a todos que tenham contribuído de forma fundamental para o êxito da empreitada criminosa, não restando dúvidas que todo e qualquer mentor intelectual de um crime tem o domínio final do fato e a ele deve-se estender a responsabilidade penal, sob pena da mesma só recair sobre os peões.

Este editor parabeniza o decano e Ministro Celso de Mello por sua lúcida manifestação jurídica, o que ao longo do tempo tem sido uma marca registrada de sua atuação perante o STF, sempre com decisões didáticas, muito bem fundamentadas e recheadas de bom senso.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

SAÚDE DO MAGISTRADO

Saúde do magistrado

*Antonio Pessoa Cardoso

quarta-feira, 3/10/2012


A demanda social é muito grande e o jurisdicionado tem o direito de reclamar a efetiva entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável. Essa afirmativa constitucional, entretanto, exige e o Estado não fornece os "meios" indispensáveis à concretização do direito.

O trabalho dos juízes não comportava gerenciamento dos processos judiciais, ocorrido somente depois da criação do CNJ. A partir daí, buscou-se solução para o impasse, agilidade nos julgamentos e falta de ferramentas para desenvolvimento do trabalho; o CNJ implementou metas de produtividade a serem cumpridas pelos magistrados, buscando acelerar a efetiva entrega do direito às partes; acontece que, na fixação dessas metas, o órgão de controle nacional não observa as diferenças regionais em termos de estrutura funcional das Varas e Comarcas, tratando uniforme e igualmente os desiguais; o fundamento maior das metas situa-se nos números, sem outra qualquer consideração. Sabe-se que a realidade do Paraná, de São Paulo ou do Rio de Janeiro não é a mesma que a Bahia, Pernambuco e estados do nordeste. A celeridade processual tornou-se mais importante do que a qualidade processual e isso causa angústia aos juízes preocupados com o cumprimento de metas e pautas, com o preenchimento de planilhas, com o atendimento cortês às partes e aos advogados.

A credibilidade do juiz passa hoje pelos números frios, pela avaliação e pela quantificação dos processos julgados. Nada mais importa.

O acesso dos magistrados ao 2º grau aferido somente por critérios objetivos de produtividade, sem se voltar para a qualidade, juntamente com a grita do jurisdicionado por presteza no julgamento, provoca empenho sobre-humano ao ponto de causar danos à saúde.
A magistratura deve cuidar da saúde dos prestadores de serviço na área judiciária, arrefecendo a ditadura dos números, exigidas como elemento único e garantidor das promoções por merecimento, considerando, principalmente, o arrojo das metas impossíveis de serem alcançadas em Varas ou Comarcas que não dispõem de servidores, nem de estrutura mínima para o trabalho.

A pressão quantitativa é medida pelo número de licenças médicas e pelo acometimento de doenças cardiológicas, psicossomáticas e psicológicas de que são vítimas os magistrados que não têm merecido a segurança que necessita no ambiente de trabalho, a saúde a que faz jus, uma política remuneratória, garantidora de efetiva recomposição das perdas inflacionárias e adequada cobertura previdenciária.

Na verdade, a justiça estadual não tem dado atenção à saúde de seus membros, mesmo trabalhando com alta carga de pressão mental e funcional, porque obrigados a prolatar diariamente decisões que transformam a vida dos jurisdicionados, retirando-lhe o patrimônio ou a liberdade, dando ou negando o direito reclamado. Com frequência, condenam para cumprir sua missão de julgar, mas sofrem com essa difícil tarefa. Daí advém o esgotamento emocional e físico.

Entregam-se ao trabalho na ilusória possibilidade de atender ao jurisdicionado, que reclama presteza nas decisões judiciais. A ausência de juízes e servidores em número fixado pela própria lei agiganta ainda mais o sofrimento do julgador, porque se sente impotente e frustrado sem poder cumprir a missão de distribuir a justiça em tempo razoável. Além disso, enfrenta a enorme disparidade na relação juiz/habitante, pois enquanto a média tem sido de um juiz para cinco mil habitantes, a vizinha Argentina conta com um juiz para dez mil e o Brasil chega a um juiz para quarenta mil jurisdicionados, ficando na média de vinte e cinco. A falta de juízes não se deve somente à ausência de recursos; os tribunais se encarregam de recrutar cada vez mais juízes para assessores, sem se preocupar com o preenchimento das vagas, deixando assim claros significativos na primeira instância.

E o pior é que o magistrado que trabalha além do horário não percebe horas extras; sintomático, é o fato de o juiz ser convocado para assumir a função de diretor do fórum, o desembargador ser chamado para presidir uma das Câmaras, aumentando, portanto sua carga de trabalho, mas sem nada perceber em termos de horas adicionais ou horas extras, como as leis asseguram a qualquer trabalhador.

As deficiências na alimentação, juntamente com as condições precárias do trabalho, a falta de disciplina nos horários, provoca o estresse, a insônia, a depressão, a ansiedade e a angústia, sintomas mais comuns na classe de magistrados, pois sofre enorme pressão das partes, dos advogados, da imprensa e da sociedade.

Diferentemente do que ocorre, por exemplo, com os jogadores de futebol, que recebem tratamento firme e vigilante para terem boa saúde, os magistrados não dispõem de atendimento médico, psicológico e falta-lhe até tempo para cuidar da saúde.

O bem estar mental, a integridade psíquica e o pleno desenvolvimento intelectual e emocional constituem direito fundamental de todo cidadão, conforme prevê a Constituição federal.

Os magistrados são acometidos de doenças psíquicas, de depressão no percentual de 41,5%, de insônia, 53,8%, números da Anamatra, sofrendo ainda de hipertensão, de dores lombares, de vistas cansadas.

O problema é tão grave que já se registra casos de juízes que cometem o suicídio. Em novembro/2009, o juiz João Francisco Domingues da Silva, da comarca de Medicilândia, Amazonas, Pará, suicidou-se no fórum, depois de ter atendido a um advogado e uma promotora e realizado uma audiência; em agosto/2011, a juíza do trabalho, Lúcia Teixeira da Costa, em Recife/Pe., atirou-se do 11º andar do prédio onde funciona a Justiça Trabalhista e em abril/2012, o desembargador Adilson de Andrade, do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi encontrado morto, em sua casa, com dois tiros no abdômen.

As doenças mais comuns na classe têm íntima relação com o ambiente do trabalho e são causadoras de afastamentos temporários e permanentes, prejudicando a prestação dos bons serviços judiciários.

A carga de trabalho aceitável para o juiz é o julgamento de 1.000 processos por ano; pesquisa da AMB constatou que 85% dos juízes brasileiros julgam mais que isso. Levantamento estatístico do CNJ anota que o número médio de processos que aguardam julgamento no Judiciário brasileiro é de 5.277 por cada juiz, no primeiro grau, e 8.660 por cada desembargador, na segunda instância. Esses números certificam o intenso trabalho desenvolvido pelos magistrados de primeira instância, pois são os maiores responsáveis pela formação do processo, cabendo ao segundo grau apenas rever e corrigir, se for o caso, o trabalho desenvolvido nas Comarcas e Varas.

Pesquisa feita pela Ajufergs anotou que o processo eletrônico trouxe maiores problemas para a saúde dos juízes e mal estar no ambiente de trabalho, anotando o percentual de 78,89% dos magistrados ouvidos, dos quais mais de 73% identificaram problemas com a visão. Mais de 95% dos juízes informaram que o futuro de sua saúde tende a piorar com o processo eletrônico e nenhum se sentiu orientado para prevenir eventuais problemas de saúde decorrentes do processo eletrônico. A pesquisa mostrou ainda que 98,90% dos magistrados federais entendem que devem ser consultados sobre informática no Judiciário.
Do processo físico para o processo eletrônico houve substanciais mudanças no trabalho do magistrado.

Assim, é indispensável que se comece a preocupar com a nova situação criada com o advento da tecnologia, evitando que tais avanços contribuam para piorar ainda mais a saúde do magistrado.

Apesar de algumas vantagens obtidas pelos magistrados, nota-se descaso com o tempo de trabalho, com expressa violação ao disposto no inc. XIII, art. 7º e § 3º, art. 39 da Constituição que estipulam a duração do trabalho em oito horas diárias também para os servidores públicos.

Necessário descobrir quais os problemas de saúde que mais aflige os magistrados, fundamentalmente em razão da implantação do processo eletrônico, a exemplo das lesões de repetição e problemas na visão.

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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior


REVISOR NA AP 470 ABSOLVE GENOÍNO E DISPARA CRÍTICAS

Notícias

3 outubro 2012
AP 470

Relator critica Ministério Público e absolve Genoíno


O ministro Ricardo Lewandowski, revisor da Ação Penal 470, o processo do mensalão, votou, nesta quarta-feira (3/10), pela absolvição de José Genoíno, ex-presidente do PT, pela acusação de corrupção ativa. O revisor também não poupou críticas ao Ministério Público, dizendo que a denúncia em relação a Genoíno e diversos outros réus foi paupérrima em muitos pontos e generalizou as condutas para tentar comprovar fatos que não foram provados.

Em seu voto, o ministro tratou mais das acusações contra José Genoíno. E bateu forte na denúncia do Ministério Público: “Sempre com o devido respeito ao valoroso trabalho do parquet”. Segundo Lewandowski, a denúncia foi vaga, genérica, omissa e não conseguiu individualizar a conduta imputada a Genoíno. “Não se pode condenar alguém pelo simples fato de ele ocupar um cargo”.

Segundo a denúncia, José Genoíno participou do esquema de compra de apoio político no Congresso Nacional por conta de dois avais que deu a empréstimos feitos pelo PT juntos aos bancos Rural e BMG. E por ter participado de reuniões com integrantes do Partido Progressista (PP). “Não há nada ilegal em uma reunião entre o presidente de um partido e membros de outro partido. Não podemos criminalizar a política. Se uma reunião entre partidos for ilegal, podemos fechar país”, afirmou Lewandowski.

Nesse ponto, o ministro voltou a criticar o Ministério Público. Segundo ele, a denúncia diz apenas que houve a reunião em que Genoíno tratou da compra de apoio parlamentar: “Onde está o quando, onde, porque, quanto? Em nenhum momento o Ministério Público apontou para quem Genoíno teria oferecido propina. Assim fica fácil para o Ministério Público”. De acordo com Lewandowski, o MP “não conseguiu, nem de longe, apontar de modo concreto” as condutas imputadas a José Genoíno.

Sobre os avais dados pelo ex-presidente do PT aos empréstimos, o revisor lembrou o depoimento de Genoíno, que afirmou que dar o aval era sua “obrigação estatutária”. O ministro também distribuiu aos colegas uma pasta com dois documentos. Um deles mostra que o PT quitou a dívida junto ao Banco Rural.

O relator, Joaquim Barbosa, pediu a palavra para observar que a dívida foi quitada sete anos depois, e só após o processo estar em pleno curso. Barbosa disse que a "tradição" do Banco Rural, de dar empréstimos fraudulentos, faz com que ele não leve “nada desse banco a sério”. Diferentemente do que aconteceu nas outras sessões, Lewandowski não deixou a discussão se estender e retomou o voto depois de dizer que o fato é que o empréstimo foi quitado.

O outro documento distribuído pelo revisor aos colegas mostra que o empréstimo tomado pelo PT no BMG é alvo de uma ação judicial em outra instância. Ou seja, não pode ser levado em consideração neste caso. “O que não está nos autos, não está no mundo”, afirmou o ministro.

O revisor ainda observou que, até onde se saiba, o ex-deputado José Genoíno “sempre foi um deputado ideológico, não fisiológico”. A conclusão de Lewandowski foi a de que “à luz das provas dos autos, a acusação revelou-se frágil e especulativa. Paupérrima”.

A parte mais esperada de seu voto, em relação à acusação contra o ex-ministro-chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, ficou para esta quinta-feira (4/10). Mas, nesta quarta, Lewandowski já votou pela absolvição do advogado Rogério Tolentino, da funcionária da SMP&B Geiza Dias, e do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto.

O revisor votou pela condenação dos publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach, da funcionária da SMP&B Simone Vasconcelos e do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Os dez réus que têm a conduta analisada neste capítulo da denúncia são acusados de corrupção ativa. Mais cedo, o relator, Joaquim Barbosa, condenou oito dos dez réus, inclusive José Dirceu.

Ricardo Lewandowski não se estendeu sobre as condutas do chamado núcleo publicitário, que já foram bastante debatidas nos dois meses de julgamento. Em relação a Delúbio Soares, o revisor afirmou que ele foi um “personagem onipresente” no esquema de pagamento a parlamentares do Congresso Nacional.

“Embora a denúncia seja um pouco dúbia, ao longo da instrução criminal ficou comprovado que Delúbio Soares agia com plena desenvoltura junto com Marcos Valério. Foram os dois grandes articuladores desse esquema criminoso de repasse de verbas para parlamentares e políticos”, afirmou.


Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.


FONTE: Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2012