"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

MODO DE ELEIÇÃO PRA TRIBUNAIS ESTÁ SUPERADO

Foto: Desembargador Herbert Carneiro - Presidente da AMAGIS

No momento em que cresce, em todo o país, a tese das eleições diretas para escolha da direção dos tribunais, com ampliação da elegibilidade a todos os desembargadores e inclusão do voto dos juízes, surgem críticas ao novo modelo e propostas de restrições. Em primeiro lugar, já está madura a convicção de que o atual modelo se esgotou, exatamente por ser restritivo e por ignorar outros critérios mais fundamentais à gestão do que tão somente a antiguidade.
Apesar de ser tradição nos tribunais, esse critério deve ser superado, principalmente pelas distorções sofridas. Isso não é salutar para a carreira, para o Poder e, muito menos, à sociedade. Em São Paulo, esse avanço foi aprovado e mantido, liminarmente, pelo Supremo Tribunal Federal, com a possibilidade de votação e eleição para a chefia do Poder de todos os desembargadores que integram o Pleno.
Sem desprezar a experiência, tão importante quanto ela são a eficiência, o conhecimento e o estudo que o desembargador faz para melhorar e se preparar para lidar com a administração pública. Na democratização que vislumbramos, é muito importante a possibilidade de todos poderem se candidatar e essas mesmas autoridades poderem escolher o melhor, pautado na competência com efeitos para o funcionamento célere da Justiça. Os tribunais, via de regra, carecem de um debate aprofundado sobre o planejamento estratégico, gestão qualificada e bons resultados para a administração.
Como todo o país, os Tribunais de Justiça passam por enormes transformações ditadas pelos novos tempos, em termos de administração pública, que requerem e cobram mais transparência, mais eficiência e mais conhecimento com relação à própria gestão, além de interlocução e comunicação permanentes com a sociedade, que não pode ter dúvidas sobre o que necessariamente deve ser feito.
Embora atrasada e seguidamente adiada, a democratização do Judiciário é um caminho sem volta, a exemplo da criação das diversas comissões que tratam dos mais variados assuntos (organização judiciária, regimento, administração, orçamento etc) no âmbito dos tribunais. É, no mínimo, prudente e recomendável que o eventual candidato a presidente tenha tido a experiência haurida na atuação nessas comissões. Outra experiência de fundamental importância é a participação no Órgão Especial, onde são tratados e decididos os grandes desafios administrativos e judiciários do Tribunal.
Será de grande valia também o conhecimento mais aprofundado em gestão, por meio de entidades e instituições especializadas como a Fundação Getúlio Vargas e a Fundação João Pinheiro, onde o magistrado terá oportunidade de assimilar técnicas de administração e de gestão pública. Coroando esse conjunto de qualidades, a capacidade e a disposição de relacionamento político junto aos outros Poderes e diversas instituições do Estado e em Brasília. E ainda, ter aptidão política e determinação para o trânsito no STF, CNJ e no Congresso Nacional.
São situações que, a nosso modesto juízo, darão ao candidato, sintonizado com os novos tempos, as credenciais de estar preparado para ser presidente e representar avanço concreto ao aprimoramento do Judiciário mineiro.
Tão importante quanto isso é o projeto de gestão, enquanto resultado de intensa interlocução com as comarcas mais longínquas e conhecimento da realidade de cada região. O coração que pulsa no Judiciário é a primeira instância, por isso, é fundamental conhecer as dificuldades enfrentadas pelos juízes e, mais ainda, ter disposição e diálogo para debater com eles os problemas e soluções para melhorar as condições de trabalho e de segurança e, consequentemente, da prestação jurisdicional. Só através da escolha de projetos de gestão é que o Poder Judiciário investirá no adequado aparelhamento das varas, juízos e juizados.
Na consolidação da bandeira histórica da democratização e aperfeiçoamento do Judiciário, destacamos a histórica presença e a manifestação da magistratura mineira na eleição do juiz gaúcho João Ricardo dos Santos Costa para dirigir os destinos da magistratura nacional na maior Associação de magistrados das Américas. Além do aperfeiçoamento do Judiciário, somaremos forças para o resgate da dignidade e valorização do magistrado.

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 17 de dezembro de 2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

MINISTRO FUX MANDA TRF-1 EMPOSSAR JUIZ NÃO NOMEADO PELA PRESIDENTE DILMA


O Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem até a meia-noite desta terça-feira (5/10) para empossar o juiz federal Cândido Moraes Pinto Filho no cargo de desembargador pelo critério da antiguidade. A ordem é do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, que concedeu liminar em favor do juiz, “independentemente de sua nomeação por ato da excelentíssima senhora presidente da República”. É que a presidente Dilma Rousseff não nomeou o juiz para o cargo por considerar que ele já havia passado da idade para ocupá-lo.

Cândido Moraes Pinto chegou à entrância final da carreira de juiz federal da Bahia recentemente. Tem 67 anos. O TRF-1, ao definir a lista tríplice de candidatos que enviaria para a presidente Dilma, não o escolheu. Entendeu que o artigo 107 da Constituição, ao falar que os TRFs são compostos por no mínimo sete membros que tenham entre 30 e 65 anos de idade, excluía, por definição, o candidato.

Insatisfeito, Cândido foi ao Conselho Nacional de Justiça. Alegou que tal artigo só se refere ao quinto constitucional, já que a intenção é impedir que advogados sejam nomeados a desembargador e fiquem menos de cinco anos na carreira — considerando a aposentadoria compulsória do serviço público aos 70 anos. De acordo com o artigo 94 da Constituição Federal, um quinto das vagas em tribunais devem ser divididos entre advogados e membros do Ministério Público.
O conselheiro do CNJ Jorge Hélio concordou com o juiz Cândido. Proferiu liminar determinando ao TRF que liste Cândido Moraes Pinto Filho na lista tríplice dos que podem ser promovidos a desembargador federal pelo critério de antiguidade. O TRF-1 chegou a reclamar, mas, como o nome já constava da lista, que já havia sido enviada à presidente, o Pedido de Providências foi trancado sem resolução de mérito.

A presidente Dilma, de posse da lista, não nomeou o juiz federal a desembargador do TRF-1. Por ter 67 anos, estaria excluído dos aptos a integrarem o TRF-1, conforme se interpretou do artigo 107 da Constituição Federal. Por isso é que Cândido Moraes Pinto Filho foi ao Supremo impetrar um Mandado de Segurança: como era o mais antigo juiz federal na lista de promovíveis, deveria ser automaticamente promovido a desembargador pelo critério da antiguidade.

O ministro Fux (foto) concordou com ele. Na decisão liminar, escreveu que “uma leitura superficial do texto constitucional revelaria uma opção expressa pelo limite etário universal de 65 anos”. Mas, para ele, “o deslinde da questão se revela mais complexo”, pois não se deve ler o dispositivo de maneira literal. Afirma que a intenção do constituinte foi impor o limite de idade para o ingresso “no cargo isolado de juiz de tribunal”, mas não para os juízes de carreira.


“A meu sentir, a regra visa impedir que alguém que nunca exerceu cargo efetivo no serviço público venha a ingressar no cargo de juiz de tribunal e se aposente com menos de cinco anos de exercício e, portanto, de contribuição”, anotou Fux. Explicou que o artigo 40 da Constituição, ao falar na aposentadoria dos servidores públicos, estabelece o limite mínimo de dez anos de exercício de cargo público para receber a aposentadoria. 

Já o artigo 93 da Constituição, diz Fux, garante aos juízes de carreira a promoção “de entrância para entrância”. Mas nenhuma regra, continua, estabelece limite máximo para o ingresso na carreira. O ministro cita precedentes do STF que autorizaram maiores de 65 anos a compor listas tríplices para promoção a desembargador. 

Diante disso, determinou ao presidente do TRF-1 “que emposse o impetrante [Cândido Moraes Pinto Filho] no cargo de juiz no referido tribunal, independentemente de sua nomeação por ato da excelentíssima senhora presidente da República, no prazo de cinco dias”. E que sejam oficiados a própria presidente e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Pedro Canário é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 5 de novembro de 2013

NOTA DO EDITOR:
 Tudo é uma questão de interpretação. Todos podem interpretar os dispositivos legais, mas só - nas palavras de Eros Grau ("Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios) - o interprete autêntico (Juiz de Direito) pode transformá-lo em norma a ser aplicada ao caso concreto. 

No caso, o interprete autêntico da Constituição Federal são os Ministros do Supremo Tribunal Federal, como se pode observar na dinâmica empregada pelo Ministro Luiz Fux para a aplicação da norma no caso concreto.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

CRITÉRIO OBJETIVO
CNJ trabalha contra a independência da magistratura





Há alguns meses tive a oportunidade propor no texto “Dever constitucional obriga juiz a fundamentar decisões” uma heterodoxa leitura da norma do artigo 131 do Código de Processo Civil como um fator de constrição do discricionarismo judicial. Dizia que julgar livremente de acordo com as provas constantes dos autos significa estar o juiz impedido de julgar com base em elementos de prova não presentes nos autos (o que é bem óbvio) e, mais do que isso, interditar a possibilidade de que o resultado de um julgamento seja determinado por influências e pressões externas. Nada que não esteja nos autos e que possa ser objeto de ciência e de crítica pelos interessados na decisão judicial pode ser levado em conta no ato de decidir.


A simpatia pessoal do julgador pelos desabrigados, por exemplo, não poderia ser fator determinante para o julgamento de improcedência de uma demanda de reintegração de posse. Semelhantemente, o fato de o julgador possuir terras não deve influir decisivamente no julgamento de uma demanda de usucapião.


Tudo isso porque, num Estado de viés democrático, não existe justiça sem possibilidade de participação e sem chances de influir no resultado das decisões estatais, daí o relevantíssimo papel reservado aos profissionais da advocacia. Dizia, naquela ocasião, que as decisões judiciais, num Estado democrático, não valem como decorrência exclusiva do princípio da autoridade, mas por serem resultado do contraditório e do embate de pretensões contrapostas defendidas com fervor por causídicos independentes.


E embora naquele texto estivesse mais cioso de ressaltar a importância da advocacia, que não seria uma “mera instituição contadora de fatos para um futuro e mágico enquadramento jurídico a ser feito pela autoridade judicial”, deixando transparecer um tom de uma pesada crítica contra certos procedimentos autoritários judiciais, a magistratura, como classe e poder estatal, não foi efetivamente meu alvo. Afinal, só há advogados porque há juízes e vice-versa. Como bem lembra Calamandrei, o destino dessas duas classes de profissionais está tão intimamente ligado que não é exagero dizer que a desgraça de uma delas significa, na mesma proporção, o ocaso da outra. Apontar, portanto, os perigos que rondam a magistratura, é, a um só tempo, salvaguardar a própria magistratura e igualmente a advocacia.


Com esse espírito, advogando concomitantemente em causa própria e prol da magistratura, volto minhas atenções à Resolução 106, de 6 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que ao dispor “sobre critérios objetivos para aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2o grau”, introduz desavisadamente na dinâmica do processo fatores externos, em detrimento do contraditório que legitima as decisões judiciais.


Referida Resolução prevê em seu artigo 4o que, na avaliação do merecimento dos postulantes à promoção, os membros votantes do Tribunal deverão declarar os fundamentos de sua convicção, apreciando os seguintes critérios: 1) desempenho (aspecto qualitativo da prestação jurisdicional); 2) produtividade (aspecto quantitativo da prestação jurisdicional); 3) presteza no exercício das funções; 4) aperfeiçoamento técnico; 5) adequação da conduta ao Código de Ética da Magistratura Nacional (2008).


Na ânsia de tornar objetiva a avaliação da qualidade das decisões, propõe-se no artigo 5o da norma do CNJ que seja levado em conta o respeito às súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais superiores, paralelamente a outros critérios supostamente “objetivos” como a redação, a clareza, a objetividade, e a pertinência de doutrina e jurisprudência, quando citadas. E o respeito às leis? E o respeito à Constituição? E o respeito às provas e as circunstâncias constantes dos autos? Para o CNJ, nada disso importa. Pelo jeito, basta respeitar as súmulas, vinculantes ou não, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores.


Com efeito, por inúmeras razões, a proposta do CNJ é de uma despropósito sem fim. A par de ser praticamente inviável medir-se objetivamente critérios como “objetividade”, “clareza” e “redação”, os membros votantes simplesmente não podem, numa sessão administrativa, exercer qualquer tipo de crítica, elogiosa ou não, sobre a adequação do ato judicial às súmulas do STF ou dos Tribunais superiores. Isso porque o votante possivelmente será um dos desembargadores que apreciará numa sessão jurisdicional a apelação contra a sentença, momento em que precisa ter absoluta isenção para apreciar livremente o recurso interposto.


O magistrado que pretende ser promovido, no mundo ideal do CNJ, é aquele que se mostra propenso a reproduzir mecânica e acriticamente a jurisprudência do STF e dos tribunais superiores. A uniformização dos pronunciamentos judiciais deixou de ser um objetivo mais ou menos secundário dentro da função de fazer justiça, ou um mero reflexo da influência que exerce a excelência de decisões paradigmáticas, assim reconhecidas pela comunidade jurídica, para ser praticamente um fim em si mesmo, e incentivado por normas que trazem sanções premiais como a possibilidade de promoção por merecimento mais expedita.


Para deixar claro esse desiderato, em nome do “princípio da responsabilidade institucional” (???) propõe o CNJ textualmente que o magistrado abdique de seu próprio entendimento, como um fator de disciplina judiciária se quiser ser promovido por merecimento. Verbis: “a disciplina judiciaria do magistrado, aplicando a jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com registro de eventual ressalva de entendimento, constitui elemento a ser valorizado para efeito de merecimento, nos termos do princípio da responsabilidade institucional, insculpido no Código Ibero-Americano de Ética Judicial (2006)” (cf. parágrafo único do artigo 10).


Com toda essa promessa de valorização na promoção, não espanta a prática de tantos magistrados ressalvarem seu próprio entendimento em suas sentenças. É até possível imaginar que alguns mais marotos, mesmo concordando integralmente com a “jurisprudência sumulada”, afetarão um certo descontentamento ou rebeldia dizendo “ressalvo meu ponto de vista para me curvar à Súmula X” só para ser valorizado na sonhada promoção por merecimento.


Além de sugerir que o magistrado não se atenha aos autos, violando o artigo 131 do CPC, julgando com a mira voltada na sua própria promoção, para o total desespero da advocacia, a Resolução 106, de 2010, parece ter derrogado o Código de Ética da Magistratura, aprovado pelo próprio CNJ em 2008, ao menos no que tange ao disposto no artigo 5o: “Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos”. Afinal, o que seria a norma do parágrafo único do artigo 10 senão uma influência externa e estranha à conformação da convicção do julgador?


Porém, caso se entenda como ainda vigente o artigo 5o do Código de Ética acima mencionado, bem assim a previsão de seu artigo 6o, segundo a qual “é dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência”, espera-se que a magistratura, para o bem dos causídicos de todo o país, levante-se contra quaisquer dispositivos regulamentares que, assim como o artigo 5o e o parágrafo único do artigo 10 da Resolução-CNJ 106/2010, representem o mais módico incentivo a que não exerçam seu próprio entendimento sobre os argumentos deduzidos pelas partes, sobre as provas colhidas em contraditório, sobre as leis, e sobre a Constituição.



*Pablo Bezerra Luciano é presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Banco Central do Brasil.


FONTE: Revista Consultor Jurídico, 16 de outubro de 2013

domingo, 6 de outubro de 2013

25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL



PARABÉNS CONSTITUIÇÃO FEDERAL !!! 

Hoje (05/10/2013) a Constituição da República do Brasil de 1988 faz exatamente 25 anos de existência. Com todas as emendas e retalhos, grande maioria indesejável, dentre outras, como a Emenda 45/2004 que introduziu o § 3º ao art. 5º, é fato que vai se sustentando a, então, denominada Constituição Cidadã, afinal, os princípios da dignidade da pessoa humana e cidadania são um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, em que pese a falta de respeito constante com relação ao primeiro e, no que diz respeito ao segundo, de consciência do povo de que cidadania é "um direito a ter direitos" (nas palavras de Hannah Arendt), coisa de um governo iluminado por uma política neoliberal hegemônica que não tem natural interesse numa campanha nacional sobre o que realmente venha a ser "ter cidadania"(abala os interesses econômicos privados), embora o povo tenha sacudido as ruas recentemente como um sinal de alerta, de um basta para os bons entendedores.

Apesar disso tudo e de muito mais, no nosso ponto de vista, inegável que estamos numa condição melhor do que antes da Constituição Cidadã, sendo compreensível a lenta absorção da mudança de regime e garantias depois de tantos anos de opressão, mas isso não pode ser obstáculo para que o Estado, no mínimo, se abstenha de um atuar que venha a macular os direitos de primeira dimensão (vida, liberdade etc), ou deixe de prestar os de segunda dimensão (direitos sociais à saúde, educação etc), sob pena termos apenas uma roupagem democrática, afinal, numa visão neoconstitucionalista, para aqueles que a adotam, não há que se falar em normas constitucionais pragmáticas.

Lado outro, Lenio Streck_Oficial recentemente muito bem disse no CONJUR com palavras próprias, que há que se notar estar presente a industria do pan-principiologismo, como se princípio fosse a solução de tudo, quando na verdade é apenas uma norma-principiológica e não norma-regra, aquela a razão de existir desta.

Essa febre do pan-principiologismo está tomando um vulto perigoso e crescente, como se os princípios sejam a solução para tudo e não para quando regra não haja para o caso concreto. Eros Grau, positivista convicto, em sua obra "Por que tenho medo dos Juízes" se preocupa com o "pan-principiologismo" (expressão de Lenio Streck) dos juízes que substituem as normas pelos princípios, até porque hoje em dia é princípio para tudo, até para a verdade que é tudo que não seja mentira, como se efetivamente isso fosse um princípio, só não sei dê que, coisa que sinceramente desconheço assim como o tal do "homem médio" do direito penal que gostaria de um dia o conhecer.

Enfim, penso, há de se fazer uma releitura da razão de existência e validade do nosso Estado Democrático de Direito que em função dos seus princípios fundamentais tem como missão servir ao povo que detém o poder, e não ao contrário, assim como os operadores do direito sobre princípios e regras para que a, assim chamada por Lenio Streck, indústria do pan-principiologismo não cresça de forma assimétrica com relação as regras, direitos e garantias fundamentais essenciais.

Apenas uma reflexão de momento festivo !

domingo, 29 de setembro de 2013

COMUNICADO !

Boa noite a todos,

Pedimos desculpas aos nossos leitores a ausência de postagens nos últimos meses, mas tal fato se deu em decorrência de problemas de acesso ao blog que neste momento foi solucionado junto ao google, razão pela qual pretendemos retornar às atividades normais a que se destina o presente blog.

Esperamos contar com a compreensão de todos !

O administrador

segunda-feira, 3 de junho de 2013

SINAL AMARELO PARA A MAGISTRATURA ARGENTINA




A independência da magistratura argentina corre risco




*Vladimir Passos de Freitas




Na Argentina o controle do Poder Judiciário é exercido pelo Conselho da Magistratura, órgão previsto no artigo 114 da Constituição. Ele compõe-se de 13 membros, sendo três juízes federais, seis legisladores indicados pelo Congresso, dois advogados, um representante do Poder Executivo e um professor universitário. Seus ojetivos são a seleção dos juízes e a administração do Poder Judiciário.


Nas atividades de administração do CM está incluído o poder disciplinar, dispondo o inciso 5 do artigo 114 da Carta Magna caber ao CM “Decidir a abertura do procedimento de remoción de magistrados, se for o caso ordenar a suspensão, e formular a acusação correspondente”. A chamada “remoción” não é a nossa remoção de um local para outro, mas sim a remoção da magistratura, em outras palavras, a demissão.


Mas impõe-se aqui uma observação. A previsão da Constituição dirige-se aos juízes da Nação e não aos das Províncias, ou seja, aos estaduais. Portanto, o Conselho argentino, ao contrário do nosso Conselho Nacional de Justiça, nada dispõe sobre juízes estaduais. Esta medida é encontrada em cada Constituição Estadual. Assim é em respeito ao pacto federativo.


O dispositivo constitucional é complementado pela Lei 24.937, alterada pela Lei 24.939 e regulamentada pelo Decreto 818, de 1999, e resoluções do próprio Conselho. Para que se tenha uma noção da forma de agir do Conselho, sugere-se consulta a um caso concreto de arquivamento de acusação formulada contra um juiz do “Juzgado Nacional en lo Criminal y Correccional Federal Nº 11”, da cidade de Córdoba, que foi arquivada (clique aqui para ler).


Como se vê da composição do CM argentino, a participação de representantes do Poder Legislativo em grande maioria dá ao órgão um caráter político muito maior que o do nosso Conselho nacional de Justiça, que entre os seus 15 membros tem apenas dois indicados pelo Congresso, um pelo Senado e outro pela Câmara dos Deputados.


Ocorre que o Congresso da Argentina aprovou, no dia 8 de maio passado, a Lei 26.855, que introduz várias modificações na Lei 24.937. A principal delas está na nova redação dada ao artigo 2º, ao elevar o número de 13 Conselheiros para 19, mantendo em apenas três o número de representantes do Poder Judiciário da Nação. Todavia, até aí nada de mais grave. Pode argumentar-se com excesso de serviço ou algo relacionado com a forma de composição. O problema real está na forma de provimento dos cargos.


Na nova redação dada à Lei, os juízes, advogados e professores (estes, de um assaram a seis) serão eleitos pelo povo através de sufrágio universal, na mesma eleição em que se eleja o presidente da República (artigo 3º). E os candidatos deverão estar filiados a Partidos Políticos de âmbito nacional que tenham candidatos à chefia do Poder Executivo, sujeitando-se às normas do Código Eleitoral.


A inusitada forma de composição transforma em pura política partidária uma função que pode decidir o destino dos juízes federais da Argentina. Não tenho conhecimento de precedente em nenhum dos Conselhos da Magistratura, sejam os europeus ou os da América Latina. Os novos membros, filiados a este ou aquele Partido Político, com certeza não terão independência para julgar magistrados que decidam desta ou daquela forma. Principalmente se for contra os interesses do Poder Executivo.


Por sua vez os magistrados, com o receio de uma vingança política, com a mesma certeza do parágrafo anterior, não terão liberdade para decidir conforme as leis e suas consciências. Qualquer liminar que possa afetar paixões do momento, entre as quais o conflito entre a presidência da República Argentina e o jornal Clarin é o exemplo mais conhecido, porá em risco a necessária e desejada imparcialidade do juiz.


A modificação da Lei que regula o Conselho da Magistratura da Argentina sofreu outras alterações. Mas esta é, de todas, a que merece referência. Juízes e política não se misturam, são atividades que perseguem fins absolutamente diversos. Obrigar os Conselheiros (inclusive magistrados) a posicionar-se politicamente, inclusive inscrevendo-se em um Partido, é tirar-lhes a necessária isenção e até mesmo o respeito, porque serão vistos como pessoas a serviço de interesses dos que se encontram no exercício do Poder.


A Lei 26.855, contudo, já sofreu mais de 100 ações judiciais perante o Poder Judiciário. Não há, ainda, definição de espécie alguma. Na quinta-feira, duas juízas despacharam mas, evitando o mérito, negaram a liminar com base em aspectos processuais. Na sexta-feira, contudo, dois juízes federais concederam a liminar para sustar os efeitos da nova lei.


O caso certamente irá terminar na Suprema Corte da Nação, que pode, se reconhecer “gravidade institucional”, conhecer do pedido “per saltum”, ou seja, através de recurso direto contra decisão de primeira instância sem ter que passar pelo Tribunal de Apelações. A Corte Argentina, sob a presidência segura do Ministro Ricardo Lorenzetti, vem se firmando como um órgão eficiente e respeitado, mudando a má imagem que teve em passado recente. É de se crer que decidirá com a independência e imparcialidade que se espera de um órgão máximo do Poder Judiciário.


A preocupação com a surpreendente inovação legal não é um problema argentino, mas sim de todos os países sul-americanos, pois, sabidamente, o que se passa em um muitas vezes se reflete em outro. Se algo semelhante fosse criado no Brasil teríamos Conselheiros da esquerda, da direita, dos ruralistas, do sistema financeiro e, possivelmente, alguns financiados pelo crime organizado. 


Por isso tudo, o que se tem a fazer é esperar que esses ventos do sul do continente não tragam para o Planalto Central idéias de iniciativas semelhantes, as quais configurariam, sem dúvida, um retrocesso jamais visto ou imaginado no Poder Judiciário do Brasil. E se um dia eles aqui chegarem, ainda que abrandados pelo estilo brasileiro, que sejam combatidos rápida e eficazmente por todos os que acreditam e lutam por um sistema judicial livre e soberano. 


*Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.


FONTE: Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2013

terça-feira, 28 de maio de 2013

CRUZADA COGNITIVISTA: EM DEFESA DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ




Hoje em dia a maioria das abordagens do papel do juiz é cética a respeito de sua imparcialidade. Os argumentos para tal ceticismo se desenvolvem em duas linhas: a) a primeira é aceitar que seja possível ser imparcial, mas negar que os juízes de fato o sejam; b) a segunda é negar que seja possível ser imparcial e aceitar que os juízes de fato não o são. Nessa postagem tento refutar a linha de argumento b), que nega até mesmo a possibilidade de ser imparcial. Começo definindo imparcialidade de maneira tal que seja ao mesmo tempo normativamente aceitável e empiricamente alcançável. Em seguida, examino os argumentos que geralmente se usam para mostrar que é impossível ser imparcial. Tento provar que tais argumentos só fazem sentido usados contra uma versão desnecessariamente exigente de imparcialidade e que, confrontados com a versão mais modesta que ofereço, tais argumentos se mostram claramente insustentáveis. Espero assim contribuir para a restauração de padrões cognitivistas mínimos na concepção do papel do juiz e da decisão judicial.




1. Imparcialidade tem dois sentidos diferentes e complementares: um negativo, outro positivo. O sentido negativo é o de não comprometimento prévio com nenhuma das partes em litígio. O sentido positivo é o de capacidade de aplicação daquilo que é fixado pela lei para tomar uma decisão independentemente de quem seja favorecido ou prejudicado por essa decisão. Vista assim, a imparcialidade é tanto uma manifestação quanto um parâmetro da racionalidade prática. Pois bem, há uma maneira razoável e outra irrazoável de conceber essas duas exigências. A maneira irrazoável de conceber o não comprometimento prévio com nenhuma das partes é supor que seja preciso que nenhum dos elementos (gênero, etnia, origem, religião, classe, profissão, aparência, comportamento etc.) que compõem a identidade e a situação dessas partes tenha qualquer influência no julgamento do juiz a respeito de qual delas tem razão. A maneira razoável de conceber essa mesma exigência é admitir que tais influências existem e são até certo ponto inevitáveis, mas supor que seja preciso apenas que nenhuma possível influência daqueles elementos seja sozinha tão decisiva que afaste a correta aplicação da lei. De modo semelhante, a maneira irrazoável de conceber a capacidade de aplicar corretamente a lei independentemente de quem seja assim favorecido ou prejudicado é supor que há uma, e apenas uma, interpretação correta da exigência da lei, de modo que qualquer divergência interpretativa em relação a esse padrão único caia sob a pecha de desvio da imparcialidade do juízo. A maneira razoável de conceber essa exigência é admitir que há várias interpretações possíveis da lei e que, num espaço pluralista, é esperável que as pessoas divirjam sobre qual interpretação é a melhor, sem que tal divergência precise ser atribuída à má fé ou à parcialidade. Dessa forma, em vez de conceber a imparcialidade como a capacidade de não ser afetado por nenhuma influência estranha à lei e de aplicá-la segundo a sua única interpretação correta, uma concepção desnecessariamente exigente e, assim, irrealizável, é possível concebê-la, em termos mais modestos e realizáveis, como a capacidade de sobrepor-se às possíveis influências estranhas e de decidir a partir de uma das interpretações possíveis da lei. 

2. Enquanto parâmetro, a imparcialidade não pode ser negada, pois quem nega a existência de um parâmetro de imparcialidade tem que mostrar que todas as decisões são parciais; contudo, como decisões parciais são aquelas que se desviam de um parâmetro de imparcialidade, é preciso que tal parâmetro exista para que, em comparação com ele, se possa dizer que as decisões foram parciais. Da mesma forma, o crítico que acusa as decisões de terem sido parciais e está, portanto, usando o parâmetro da imparcialidade, está com isso provando que é possível ser imparcial, pois, se ele mesmo, o crítico, não fosse imparcial, seria impossível para ele identificar os pontos em que as decisões se afastaram da imparcialidade. Só é possível para o crítico identificar a decisão parcial de um caso usando algum parâmetro do que seria para aquele mesmo caso uma decisão imparcial, de modo que o crítico, ao criticar a parcialidade da decisão, não apenas assume a existência de um parâmetro de imparcialidade, como prova, com sua própria crítica, que é possível julgar segundo aquele parâmetro. Vou tentar mostrar isso com dois exemplos:

a) Um crítico defende que é impossível ser imparcial e aduz como prova um caso em que, embora havendo na lei de certo lugar o reconhecimento do direito de greve, os juízes daquele lugar, comprometidos com as ideias e os interesses patronais, costumam aplicar a lei de forma distorcida e exageradamente severa para com os trabalhadores, procurando nas manifestações grevistas qualquer pequeno detalhe com base em que as possam declarar ilegais. Ora, o que fica claro nesse exemplo é que, para o crítico, os juízes do lugar em questão não estão aplicando corretamente a lei, pois, para esse crítico, as manifestações grevistas que esses juízes têm repetidamente declarado ilegais seriam, segundo a interpretação correta da lei, na verdade legais. Ora, isso quer dizer que é possível, sim, formar um juízo sobre o que seria a aplicação correta da lei (considerar as greves legais) e verificar, em comparação com esse juízo, que as aplicações que vêm ocorrendo (considerar as greves ilegais) não estão corretas. A própria crítica que o crítico formula prova que é possível decidir com imparcialidade, mesmo que, para aquela questão, o crítico constate que não seja isso (a decisão correta e imparcial) que até o momento tenha acontecido com mais frequência.




b) Um crítico sustenta que é impossível ser imparcial e aduz como prova a constatação, mediante pesquisa empírica, de que a maioria dos juízes brancos considera inconstitucional o sistema de cotas raciais para universidades públicas, enquanto a maioria dos juízes negros considera tal sistema perfeitamente constitucional. Segue-se daí, segundo o crítico, que a raça influencia a interpretação que se faz da constituição e que, portanto, não há imparcialidade na formação desse juízo. Tal conclusão, contudo, se baseia na hipótese de que haja uma única interpretação correta da constituição, a qual ou autorizaria ou proibiria o referido sistema de cotas, e à tal interpretação correta se deveria chegar sem que houvesse qualquer influência da raça na formação do juízo. Essas são ideias equivocadas. Em vez disso, dever-se-ia apenas admitir, em primeiro lugar, que as cláusulas da constituição podem ser interpretadas seja de modo a autorizar seja de modo a proibir o sistema de cotas e que a decisão que cada juiz toma em favor de uma ou de outra dessas interpretações possíveis não precisa não ser influenciada pela raça, mas apenas ser racionalmente aceitável para qualquer um independentemente da raça. Se um juiz negro defende a constitucionalidade do sistema de cotas com argumentos tais que mesmo uma pessoa branca que rejeitasse essa posição seria capaz de aceitar como pelo menos razoáveis, então ele tem uma interpretação aceitável da constituição e está sendo imparcial. Da mesma forma, se um juiz branco defende a inconstitucionalidade do sistema de cotas com argumentos tais que mesmo uma pessoa negra que rejeitasse essa posição também seria capaz de aceitar como pelo menos razoáveis, então ele também tem uma interpretação aceitável da constituição e também está sendo imparcial. Apenas se a raça fizesse com que juízes brancos ou negros acolhessem uma interpretação inaceitável da constituição é que se poderia dizer que a influência da raça está de fato comprometendo a imparcialidade da decisão.




3. A crítica cética à imparcialidade geralmente se apoia numa concepção genética da validade dos argumentos (um argumento é válido ou inválido conforme a fonte de onde ele proveio) e numa concepção metafísica de verdade (existe uma verdade única para além de toda opinião, à qual só não chegamos devido a nossos interesses, erros e preconceitos). Nenhuma das duas concepções é sustentável. O que decide sobre a validade de um argumento não é a sua origem, mas sim a sua aceitabilidade racional para sujeitos os mais diversos. Isso quer dizer que haver influência de um elemento estranho à lei (como classe social e raça, nos exemplos dados acima) não é suficiente para descartar um posicionamento jurídico: É preciso mostrar que ele não se sustenta com argumentos tais que sejam convincentes independentemente da classe social e da raça do sujeito que os examina. Além disso, a lei se presta a diferentes interpretações e, por isso, são possíveis divergências racionais, quer dizer, divergências que não têm necessariamente causa no interesse, no erro ou no preconceito, mas que surgem espontaneamente das diversas possibilidades que o texto legal deixa para a razão. Quem considera que qualquer pessoa que divirja da sua interpretação da lei não está sendo racional não está pronto para conviver num espaço democrático e pluralista de divergência e está, na prática, dizendo que só quem concorda com a interpetação dele é que é verdadeiramente imparcial. E isso é, com relação à própria opinião, o sinal mais patente de falta de imparcialidade.



sábado, 13 de abril de 2013

JOAQUIM BARBOSA: SALVADOR DA PÁTRIA OU COLECIONADOR DE LAMBANÇAS ?


Joaquim Barbosa: salvador da pátria ou colecionador de lambanças?

Fonte: Luiz Flávio Gomes (Facebook - Grupo Juízes - Participação Exclusiva)

Do pó viemos e ao pó retornaremos. A finitude é da essência humana. Não existe exceção. A mídia conservadora e a televisão, com amplo apoio popular, transformaram Joaquim Barbosa no “herói nacional”, no salvador da pátria, que lavou a alma do brasileiro condenando gente da Casa Grande, gente que não tem nada a ver com a senzala. Ele mesmo, no entanto, diz coisa bem diferente: considera-se um anti-herói (declarou isso para a Folha de S. Paulo).

Herói ou anti-herói? A população está cada vez mais dividida (sobretudo a que manifesta nas redes sociais). Para a presidência da República Joaquim Barbosa tem 9% dos votos, diz o Datafolha. Unanimidade, sobretudo nas personalidades públicas, nunca haverá! Por quê?

Porque “em todas as coisas existe um misto de atração-repulsa, amor-ódio, generosidade e egoísmo. Basta olhar um pouco mais de perto para constatar que os sentimentos mais elevados são permeados de seu contrário (...) na origem do processo de hominização existe uma contradição fundamental entre o comportamento do primata frugívoro, omnívoro, de um lado, e, do outro, o carniceiro terrestre (...) o apolíneo é antagônico ao dionisíaco (...) em cada coisa, em cada situação, existe seu contrário (...) até Deus, na tradição ocidental, tem seu contrário: Satã (...) Eros é o arquétipo da imperfeição, do equilíbrio conflituoso, de uma sede de alteridade que persegue tudo e todos” (Mafessoli: 2004, p. 63).

Em grande parte somos os responsáveis pela construção da nossa história de vida, que necessariamente tem que estar pautada pela ética (entendida como a arte de viver bem humanamente, como diz Savater). Joaquim Barbosa continua apoiado por muita gente, que anda irada (com razão) contra os desmandos no nosso país, com as falcatruas, com as malandragens feitas com o dinheiro ou os gastos públicos, com a discriminação dos pobres e miseráveis, com a impunidade dos ricos (sic) (a impunidade, na verdade, é geral, porque é irmã gêmea da seletividade).

De qualquer modo, dentro do Poder Judiciário brasileiro talvez nunca tenha havido um juiz populista tão habilidoso em explorar a comoção nacional contra as injustiças, o sentimento de impotência da população diante da impunidade, sua ira, sua irresignação. Mas todo mundo tem seu lado anti-herói: tratamento descortês com os próprios colegas do STF, ataques pessoais graves contra eles, xingamentos gratuitos contra jornalistas, acusações genéricas contra os juízes e advogados, ofensas depreciativas aos juízes (que seriam tendenciosos em favor da impunidade) etc.

Seguindo o mesmo caminho conflitivo e populista do ex-senador Demóstenes, Joaquim Barbosa está ficando cada vez mais isolado, mais esquecido institucionalmente. Aprovaram uma Emenda Constitucional no Congresso, criando mais Tribunais no país, sem que ele tivesse sido sequer comunicado do dia da votação (tanto que ele reclamou que tudo foi feito na “surdina”, que agiram “sorrateiramente”). Num estado institucional normal, jamais o Congresso deixaria de avisar e protagonizar o presidente do Poder Judiciário.

Qual é o problema? Quem exerce o poder no isolamento (sobretudo dentro do seu próprio Tribunal), tem sempre um final muito triste. Joaquim Barbosa não está ouvindo os conselhos de Maquiavel. Adula o povo, com seus sedativos populistas, mas ao mesmo tempo faz lambanças com seu desequilíbrio emocional, denotando falta de sensatez, de prudência e de razoabilidade. Joaquim Barbosa não está percebendo que na hora do ”impeachment” (tal como o do Demóstenes) o povo (que o apoia incondicionalmente) não vota. E mesmo que votasse, sua aprovação é minoritária (9%).

O brasileiro (diz Sérgio Buarque de Holanda) tem mesmo disposição para cumprir ordens e adora alguns tiranos ou tiranetes, mas é preciso saber mandar, com muita liderança e habilidade. Contra o autoritarismo terceiro-mundista, herdeiro dos absolutismos do tipo Luís XIV, até mesmo o mais humilde dos miseráveis da senzala sabe reagir. A cobrança virá, começando, claro, por todos os que foram ofendidos grosseira e injustamente por ele, que prontamente contarão com o apoio dos insatisfeitos da Casa Grande (banqueiros, políticos, donos da mídia etc.). O processo de fritura da criatura já começou! Isso é muito ruim para o já esgarçado funcionamento das instituições. Estamos cada vez mais distantes de fazer do Brasil uma grande nação. Que pena!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

MAGISTRADOS DIVERGEM SOBRE A UTILIDADE DA INTERNET NA HORA DE DECIDIR


Juízes divergem sobre uso de internet para decidir


Os brasileiros passam, em média, 27 horas conectados à internet por semana, segundo o estudo Futuro Digital do Brasil em Foco 2013, da consultoria comScore. A influência da tecnologia na tomada de decisões de executivos de grandes empresas é discutida globalmente em eventos como o Wisdom 2.0, que reuniu, este ano, 1,7 mil pessoas em São Francisco (EUA). No Judiciário não é diferente. A presença dos buscadores virtuais, como o Google, no trabalho dos juízes tem sido motivo para intensas discussões no meio.

O processo civil moderno tem admitido uma atuação cada vez mais ativa do juiz na apuração dos fatos. “É o que a doutrina chama de busca da verdade real, justificada pelo caráter público do processo”, explica o ministro Gilmar Mendes (foto), do Supremo Tribunal Federal. Segundo a doutrina, o juiz não deve ficar inerte diante das provas produzidas pelas partes caso elas não sejam esclarecedoras o bastante. No Brasil, o próprio Código de Processo Civil traz, em seu artigo 130, uma abertura para a atuação menos passiva dos juízes. O artigo diz que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”, para melhor formação da convicção.

Com base nesse dispositivo, diz o ministro, muitos juízes buscam, por conta própria, informações adicionais para melhorar a instrução do processo. "Talvez não se possa dizer aqui que se trata propriamente de uma investigação ‘fora dos autos’, desde que as fontes pesquisadas sejam citadas e se dê às partes a oportunidade de se manifestar sobre as informações trazidas aos autos”, pontua. Ou seja: a pesquisa e as provas obtidas nela, se servirem para o convencimento do juiz, devem ser explicitadas na sentença, como dita o artigo 131 do CPC.

Apesar de encarar com naturalidade o envolvimento dos julgadores com as novas tecnologias, disponíveis a todos, Gilmar Mendes faz ressalvas sobre o uso das ferramentas em casos criminais. “No processo penal, contudo, essa liberdade de pesquisa há de ser vista com cautela.”

Seu colega de corte, ministro Marco Aurélio (foto), encara com desconfiança ainda maior o fato de juízes buscarem na internet informações sobre casos que estejam julgando. Marco Aurélio diz que “o Judiciário atua mediante provocação das partes do processo e o que não está neste não existe, para efeito de formação de convencimento, no mundo jurídico”.
Marco Aurélio explica que a “espinha dorsal” do devido processo legal é o contraditório e o juiz deve atuar “sem o abandono da equidistância, consideradas as partes e os ônus processuais destas, ou seja, meio sem o qual não é dado obter certo resultado”.

O também ministro do Supremo, Ricardo Lewandowski (foto), afirma que apenas o que está integrado aos autos pode ser usado para fundamentar a decisão de um julgamento, mas diz pensar que “para formar convicção pessoal íntima” é válido que um juiz faça suas próprias pesquisas.

Carlos Henrique Abrão, juiz convocado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, afirma que é impossível fazer com que os julgadores deixem de lado a tecnologia que têm à sua disposição para julgar um caso. “Está todo mundo na era digital e isso agiliza o trabalho”, pontua. Ele explica que isso acontece também porque muitos advogados “não fazem o dever de casa”, ou seja, deixam lacunas nas petições. “Se eu mando um advogado aditar uma petição inicial, ele demora mais de um mês para incluir uma informação. Eu, porém, em 15 minutos, consigo fazer uma busca e pronto, está suprida a lacuna e o processo pode andar!”

Como exemplo de suas pesquisas, Abrão cita uma questão banal que chega diariamente aos tribunais: acidentes de trânsito. “Quando a parte alega que a batida de carro se deu em um cruzamento muito perigoso, ou por causa de um buraco na rua e as fotos juntadas não me dão essa dimensão, eu vou no Google e procuro fotos melhores do lugar, para ver se é mesmo perigoso ou se tem mesmo um buraco no chão.”

Seu colega de tribunal, desembargador Roberto Nussinkis Mac Cracken, também se diz favorável ao uso das novas tecnologias. Para ele, é mais um elemento, embora não o único, para que o magistrado possa proferir o julgamento. Ele explica que segue o princípio da verdade real, pelo qual não se pode afastar o “mundo dos autos”, da verdade fora do processo. “Eu, dentro de certos limites, tenho certeza que, com a verdade real, minha probabilidade de atingir a justiça é maior, pois o processo não é um disco voador, ele está integrado ao mundo”, sentencia.

A opinião de Mac Cracken e Abrão não é compartilhada pelo juiz e professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Guilherme de Souza Nucci. Para ele, se um juiz vai ao local, ou pesquisa sobre ele, acaba usando sua experiência como testemunha e, sendo testemunha, ele não pode julgar um caso. "Juiz não é para isso, não tem que investigar, não tem que se virar, nem nada disso. Ele tem que ler o que está lá [nos autos] e acabou. O máximo que pode fazer é requisitar uma investigação", diz Nucci. 

Fabiana Siviero, diretora jurídica da empresa criadora da maior ferramenta de buscas da internet, o Google, faz ressalvas às pesquisas feitas por juízes. “Se a matéria é técnica, o juiz não pode substituir a perícia pelo Google. Mas não se pode negar que hoje o senso comum está ampliado e todo mundo tem acesso à informação”. O juiz, diz ela, também é consumidor e também é cidadão. Portanto, não é possível impedir seu acesso a informações.

O ex-governador de São Paulo e advogado Cláudio Lembo (foto) diz achar normal o uso das ferramentas de busca. “É uma ferramenta nova que todos temos no mundo contemporâneo e juiz não está fora da realidade. Ele pode entrar na internet e captar elementos”, diz. O criminalista Alberto Zacharias Toron também não vê problemas na proatividade do juiz em tempos de internet: “O juiz tem uma iniciativa probatória mínima, mas tem. Ele pode fazer suas buscas”.

Questão nova
Ainda não há decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o uso das ferramentas de busca para fundamentar decisões em processos. O ministro Marco Aurélio lembra, porém, que a corte só decidirá sobre o caso quando provocada.

O julgamento do Supremo que mais se aproxima da questão foi o da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.517, em que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) questionou a Lei 9.034, que, em seu artigo 3º, diz que "ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de Justiça". 

Segundo a Adepol, o juiz estaria usurpando a função da Polícia Judiciária ao fazer a diligência pessoalmente. O Supremo julgou a lei constitucional, ficando vencido o voto do ministro Sepúlveda Pertence, segundo o qual o dispositivo estabelece o "juiz investigador", o que seria uma abertura para um "juízo inquisitorial".

O criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes explica a decisão, afirmando que o juiz não é impassível, "porque precisa proteger a regularidade do processo e resguardar os direitos e garantias fundamentais do indiciado ou acusado. Não pode, entretanto, transformar-se em investigador ou partícipe das investigações. Se o fizer, fica impedido para a ação penal."


Marcos de Vasconcellos é editor da revista Consultor Jurídico.


FONTE: Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2013

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

JUÍZES DEVEM TER FÉRIAS DE 60 DIAS ?

*Nelson Calandra

TENDÊNCIAS/DEBATES

Juízes devem ter férias de 60 dias?
sim

Judiciário: muito além dos factoides

A emenda constitucional 45 de 2005, na chamada reforma do Judiciário, extinguiu as férias coletivas em primeiro e segundo grau, mantendo dois períodos de férias coletivas nos tribunais superiores.

Na reforma, ficou declarado algo que já existia há muitas décadas no nosso Judiciário: que o seu funcionamento é essencial e ininterrupto.

O Brasil, que é muito maior que Brasília, sempre conviveu com a magistratura de segunda a domingo, especialmente em locais distantes onde um só juiz atende áreas imensas.

Atualmente, nas comarcas maiores, há regime de plantão, porém a enorme falta de magistrados faz com que não haja compensação. Hoje, vivemos aquilo que o ministro Ayres Britto nominou de desprofissionalização do Judiciário -cada mais cargos vagos não são preenchidos.

A supressão da aposentadoria integral, com a obrigação de pagar, o magistrado, contribuição previdenciária sobre a totalidade do seu salário para receber ao final benefício limitado ao teto previdenciário, é algo que soa kafkaniano.

Suprimidas as férias coletivas no primeiro e segundo grau, fala-se agora em redução de um período de férias, como panaceia para resolver o problema da lentidão processual. Seria reduzir a atividade da magistratura para o mesmo patamar de outras categorias, que desfrutam de horas extras, jornada de trabalho limitada e descanso semanal remunerado.

A política brasileira sempre procura localizar um factoide para desviar aquilo que deveria ser o foco. Não verificamos nenhuma proposta que traga para o Judiciário recursos financeiros suficientes para repor o atraso de várias décadas, motivada por um sistema burocrático, sem compromisso com a modernidade.

É engano pensar que a supressão de um período de férias que a lei complementar 35 concedeu em 1979 irá melhorar a Justiça brasileira. Quem acompanha as sessões do STF, com julgamentos criminais intrincados, com sessões nas turmas e no plenário seguidas por sessões no Tribunal Superior Eleitoral que adentram a madrugada, não pode em sã consciência propor supressão de férias.

Há menos que a intenção seja de ceifar a vida e saúde dos magistrados. Aquilo que a população vê na TV Justiça se repete em cada Estado. Muitos colegas presidem sessões no tribunal do júri que atravessam dias e noites. No fim de semana seguinte, respondem como plantonistas.

Será que a supressão de um período de férias é a resposta que o povo quer dar a uma magistratura que trabalhando diuturnamente e solucionou mais de 20 milhões de casos nos vários ramos do Judiciário, segundo o relatório de 2012 do CNJ "Justiça em Números"?
Vamos colocar luz sobre os factoides que aqueles que não atravessaram quase quatro décadas de trabalho na magistratura, como nós, são incapazes de ver. É preciso investir no Judiciário, reequipar instalações físicas. Não é possível que pessoas sejam assassinadas em plena audiência, como ocorreu recentemente em São José dos Campos (SP), por falta de estrutura e segurança.

Não é possível que magistrados sofram atentados à bomba, como em Rio Claro (SP). Não podemos admitir que uma juíza, depois de um expediente que acabou às 23h, seja assassinada com 21 tiros na frente de sua família, como Patrícia Acioli.

A magistratura tem escrito com sangue, suor e lágrimas a história de um país que quer poder Judiciário independente e democrático.

Suprimir direitos, manietar a magistratura e o Ministério Público, tentar sufocar o movimento associativo, que atravessou períodos ditatoriais, que teve entre seus expoentes vários ministros do STF que entraram e saíram de cabeça erguida e nunca concordando com a violação de direitos fundamentais, como Vitor Nunes Leal, Edgar Moura Bitencourt, Evandro Lins e Silva e tantos outros heróis, jamais será a solução adequada.

Que nosso debate receba as luzes da opinião pública e que estes tristes factoides se refugiem à sombra da mentira e do preconceito.