"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



terça-feira, 25 de dezembro de 2012

TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Colunas

24 dezembro 2012
Estante Legal

Pequenos grandes passos do Tribunal Penal Internacional


Dois julgamentos em 10 anos não é uma marca espetacular, mas 2012 termina melhor do que começou para um tribunal apoiado por 120 países, o Brasil inclusive, mas que ainda que enfrenta grandes desafios e opositores poderosos, como mostra a pesquisadora Elizabeth Goraieb, em Tribunal Penal Internacional, recém chegado às livrarias. O livro foi lançado no início do mês, duas semanas antes de o TPI ter concluído o seu segundo julgamento, em pouco mais de uma década de existência.

Se em março deste ano, a Corte condenou a 14 anos de prisão o congolês Thomas Lubanga, agora, em dezembro, absolveu, por insuficiência de provas, o também congolês Ngudjolo Chui. Ambos foram acusados por crimes de guerra, praticados entre 2002 e 2003, em conflitos étnicos que deixaram centenas de mortos. A absolvição de um líder lendu (Ngudjolo), após a condenação de um líder hema (Lubanga), ambos envolvidos nos mesmos conflitos levados ao TPI, causou preocupação entre observadores internacionais, diante da possibilidade de exacerbar, ainda mais, a tensão entre as duas etnias no nordeste da República Democrática do Congo.

O livro, evidentemente, foi escrito antes e não cuida de um caso específico. Professora titular de Direito Internacional, na Universidade Cândido Mendes e no Curso de Relações Internacionais do IBMEC, Elizabeth Goraieb, analisa e contextualiza não só o caminho percorrido até agora pelo Tribunal Penal Internacional, como também o que ainda falta ser feito para o estabelecimento de uma Justiça penal internacional independente, com autoridade e competência para punir criminosos internacionais e colocar um fim a um longo período de impunidade. Não é tarefa fácil.

A pesquisadora lembra no livro que a história da humanidade "caminha entre luzes e sombras, avanços e retrocessos" e considera a criação do Tribunal Penal Internacional um tributo a "milhões de vítimas de atrocidades que violam a dignidade e os direitos fundamentais da humanidade". A Corte, segundo ela, preenche uma lacuna no Direito Internacional, garantindo, na falta das jurisdições nacionais, punições para criminosos, que ficariam impunes não fosse o Tribunal Internacional.

Na sua trajetória, ela parte de uma abordagem histórica da constituição do tribunal penal, desde Nuremberg, constituído logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, para julgar os crimes cometidos pelos nazistas. Assim como outros estudiosos do tema, a autora lamenta o fato de grandes potências mundiais ainda se encontrarem fora da relação de países que reconhecem o papel do Tribunal como corte permanente para processar e julgar indivíduos — e não estados — que cometeram crimes graves contra o Direito Internacional, como genocídio, crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão.

Todos os países da União Europeia participam como estados-membros do Tribunal, mas a lista de não-membros peca pela ausência de grandes potências, como os Estados Unidos, a China e a Rússia. Também não reconhecem o TPI países como Índia, Paquistão, Irã, Israel, Sudão e Coreia do Norte, entre outros. A Rússia e outros 38 países chegaram a assinar o estatuto de criação do tribunal, em 1998, mas não ratificaram a decisão. Washington e Pequim, por outro lado, encabeçam a lista de quase meia centena de nações que sempre se opuseram à criação de uma corte penal mundial para julgar crimes cometidos dentro territórios soberanos.

Desde que foi criado, 17 casos em sete países foram e estão sendo investigados pelo Tribunal — República Democrática do Congo, Sudão, Uganda, Quênia, República Centro-Africana, Costa do Marfim e Líbia, o único na relação que não ratificou a criação do Tribunal (as denúncias foram encaminhadas ao TPI pela ONU). No site oficial do TPI é possível constatar que também estão sendo realizados "exames preliminares" de crimes ocorridos no Afeganistão, na Geórgia, em Guiné, Colômbia, Honduras, Coreia do Norte e na Nigéria.

A existência de uma corte permanente para processar e julgar indivíduos que cometeram crimes graves contra o Direito Internacional, supre uma lacuna no Direito Internacional, "garantindo, na falta das jurisdições nacionais, que os criminosos não ficarão impunes", ressalta Elizabeth Goraieb. Responsável pelo prefácio, o também professor de Direito Internacional Privado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Jacob Dolinger, classifica o livro da colega como uma "inestimável contribuição para o estudo do Tribunal Penal Internacional e para o Direito Internacional Penal".

Serviço:
Titulo: Tribunal Penal Internacional
Autor: Elizabeth Goraieb
Editora: Letras Jurídicas
Edição: 1ª edição — 2012
Número de Páginas: 577
Preço: R$ 142,00

Robson Pereira é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de dezembro de 2012

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

STF CASSA MANDATOS DE PARLAMENTARES NO MENSALÃO

Mensalão: STF decide cassar mandato de condenados e abre crise com a Câmara

Perdem os mandatos João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry; decisão deve ter efeito prático no ano que vem, mas Câmara já avisou que não cumprirá determinação

Wilson Lima - iG Brasília |



O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta segunda-feira a cassação dos mandatos dos deputados federais Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT), condenados à prisão no julgamento do mensalão . A medida abre uma crise institucional entre o STF e a Câmara Federal já que a Casa alega que a prerrogativa de cassação de mandato não é da Justiça, e sim do Poder Legislativo. Após a decisão, o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, declarou o fim do julgamento após mais de quatro meses .




A liderança da Câmara já avisou que pretende não cumprir a decisão do STF, mas o ministro Celso de Mello alertou na sessão de hoje que, se essa medida for adotada, os responsáveis estão passíveis de crimes de ato de improbidade administrativa ou prevaricação, passíveis de prisão e até suspensão de direitos políticos. A fala do ministro soou como um recado a Marco Maia, presidente da Câmara, segundo quem a prerrogativa de cassar mandatos é exclusividade do Poder Legislativo.


Agência Brasil


Celso de Mello desempata a questão e STF determina a cassação automática do mandato de três deputados.

A decisão do Supremo, no entanto, somente terá efeito prático no segundo semestre do ano que vem, no mínimo. Isso porque, apesar de ter determinado a cassação de mandato destes deputados federais, os efeitos somente valerão após esgotadas todas as possibilidades de recursos (trânsito em julgado da sentença). No caso da cassação de mandato, existe a possibilidade de pelo menos dois recursos: embargos de declaração e embargos infringentes. Ministros ouvidos pelo iG afirmam que qualquer execução de sentença do julgamento do mensalão somente deve ocorrer entre o segundo semestre de 2013 e início de 2014.


O primeiro visa discutir alguns detalhes que possam eventualmente ser considerados “obscuros” pelos advogados. O segundo visa discutir o mérito de uma condenação, quando a votação contrária ao réu teve votação apertada, como neste caso específico. E esses recursos somente podem ser impetrados a partir da publicação do acórdão. A tendência é que o Supremo publique esse documento somente em fevereiro ou março de 2013.

Votaram a favor da cassação do mandato o presidente do STF e relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Celso de Mello. Este último somente se pronunciou sobre o tema nesta segunda-feira, apesar de ter seu voto pronto há aproximadamente duas semanas. Votaram contra a cassação de mandato, os ministros Rosa Webber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e o revisor Ricardo Lewandowski.

A discussão toda esteve relacionada à interpretação do artigo 55 da Constituição, que trata de cassação de mandato. Segundo o inciso VI, desse artigo, o parlamentar é passível de cassação de mandato em caso de condenação criminal transitada em julgado. Mas, nesse caso específico, os ministros entenderam que cabe a aplicação do parágrafo 3º do artigo 55. Ou seja, em caso de condenação criminal, o ato da Câmara é meramente declaratório.


Os ministros que votaram a favor da cassação de mandato entenderam que também se aplica o artigos 15 e 37 da Constituição, que tratam da suspensão dos direitos políticos. Segundo estes ministros, haveria uma incoerência formal deputados serem condenados à suspensão de direitos políticos por terem sido condenados em crimes como corrupção passiva e lavagem de dinheiro e ainda assim manter o seu mandato parlamentar.

O ministro Celso de Mello, por exemplo, chegou a defender em 1995 que essa prerrogativa fosse da Câmara, mas admitiu na sessão desta segunda-feira que o caso julgado nos anos 1990 não se aplicava o artigo 55 da Constituição, pois se tratava de “situações em que não se registrava a privação da liberdade”. Para Celso de Mello, a cassação pelo Supremo somente pode ser aplicada com apoio do artigo 92 do Código Penal. De acordo com a lei penal, no inciso I, é efeito condenatório a crime com pena superior a quatro anos “a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo”.

“A perda do mandato estabelecida em decisão judicial fundamentada resultará na suspensão dos direitos políticos causada diretamente pela condenação criminal do congressista transitada em julgado, cabendo à Casa Legislativa meramente declarar esse fato da perda de mandato, com base no artigo 55 da Constituição Federal”, afirmou o ministro Celso de Mello. Os ministros que votaram contra a cassação de mandato entenderam que esse é um ato político e que deveria ter o aval da Câmara.

Desde a semana passada, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), afirma que não pretende cumprir a decisão do Supremo , pois ele acredita que essa prerrogativa é da casa. “A lei é clara: cassação de mandados de parlamentar só pelo Congresso Nacional. É a Câmara ou Senado quem decide. Os constituintes originários colocaram lá esse artigo para garantir a imunidade parlamentar e dar ao Legislativo a prerrogativa de cassar. Se a decisão do Supremo for pela cassação o tema será colocado em exame na Mesa. Mas a Câmara não vai cumprir e recorrerá ao próprio STF”, disse Maia ao iG .

Outros parlamentares endossaram as declarações do presidente da Câmara e até o presidente do PT, Rui Falcão, também se manifestou contrário à decisão do Supremo de cassar automaticamente o mandato de parlamentares durante o encontro da cúpula do partido. “Essa é uma decisão da Câmara”.

Esse tipo de declaração mereceu críticas do próprio Celso de Mello na sessão desta segunda-feira. Mello classificou como irresponsáveis e disse que o espírito de corporativismo e solidariedade da casa não pode justificar atos inaceitáveis, sendo passível que o presidente da Câmara responda por ato de improbidade administrativa ou crime de prevaricação por eventual descumprimento de decisão judicial.

“Inadmissível o comportamento de quem demonstrando não possuir o necessário senso de institucionalidade proclama que não cumprirá uma decisão transitada em julgado emanada do órgão judiciário”, disse o ministro. “Às partes interessadas, ninguém ignora, sempre poderão valer-se dos meios processuais destinados a provocar o reexame da matéria”, complementou. “Não se pode minimizar a função do STF em matéria constitucional, trata-se de decisões aqueu concretizam o próprio texto da constituição.”, disse em seguida.

Outros congressistas também declararam que não devem cumprir a decisão do Supremo. Mas na prática, essa problemática relacionada ao cumprimento ou não de uma decisão do Supremo caberá ao novo presidente da casa, provavelmente o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). O novo presidente toma posse no dia 2 de fevereiro de 2013.

Os deputados federais João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry (PP-MT) tiveram penas que variam de 7 a 9 anos. Cunha foi condenado a 9 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro; Costa Neto (PR-SP), a 7 anos e 10 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e Pedro Henry (PP-MT), a 7 anos e 2 meses.

domingo, 9 de dezembro de 2012

SENTENÇA NÃO DÁ EM ÁRVORE

Sentença não dá em árvore- JOSÉ LUCIO MUNHOZ*

O GLOBO - 09/12


São 100 mil sentenças publicadas no Brasil a cada dia útil e 22 milhões novas a cada ano. É inconcebível que alguns ainda façam ironias sobre a quantidade de trabalho dos juízes



A cada ano os juízes brasileiros proferem 22 milhões de novas sentenças, solucionando litígios, aplicando o direito, resolvendo processos, salvando vidas. Tal marca é impressionante, pois significa que a cada dia útil são publicadas no Brasil 100.000 sentenças. No chamado horário comercial são 12.500 (doze mil e quinhentos) julgamentos por hora, 208 (duzentos oito) por minuto, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça.

Atrás dos 22 milhões de sentenças proferidas a cada ano, portanto, outros milhões de atividades são praticadas pelos magistrados.

A produtividade do juiz brasileiro é muito grande, e não por acaso milhares de presos são encaminhados ao sistema prisional a cada ano (obviamente por conta das decisões judiciais!). Justamente pela atuação extraordinária da magistratura brasileira ingressam nos cofres públicos dos Estados e da União quase 22 bilhões arrecadados anualmente pelos tribunais (dados de 2011), dentre tributos, custas, emolumentos; quase R$ 10 bilhões são pagos anualmente aos trabalhadores pela Justiça do Trabalho, R$ 700 mil são destinados aos aposentados e pensionistas pela Justiça Federal, bilhões de reais são repassados por ano às pessoas em razão das sentenças condenatórias ou decorrentes da conciliação na Justiça Estadual.

Além disso, guarda de menores e adoções são decididas, ações declaratórias (sem valor monetário) são julgadas e as eleições são magnificamente conduzidas (as melhores e mais céleres do planeta!).

Desnecessário referir, portanto, a importância da atuação do Judiciário para a sociedade brasileira. Ocorre, todavia, que na outra ponta da linha temos profissionais sobrecarregados de atribuições e responsabilidades, com 26 milhões de novos processos aguardando por eles a cada ano (muitos deles em razão das tantas falhas estruturais do próprio Estado), tendo de cuidar, enfim, dos tantos interesses da cidadania em todo o país.

Diante disso, é inconcebível que alguns ainda façam ironias sobre a quantidade de trabalho dos juízes, insinuando que pouco trabalham ou que só o fazem em certos dias da semana.

Como se vê, sentença não dá em árvore, muito menos na base de 22 milhões por ano! A mídia, de modo geral, enaltece a liberdade de suas próprias atividades, mas em muitos casos se esquece de sua obrigação de dar voz ou demonstrar o "outro lado da moeda” pois só com isso se pode garantir uma real e verdadeira formação crítica da opinião pública.

Lembramos que a imprensa, para ser livre e independente, também se socorre dos princípios que o Judiciário tanto defende. A crítica construtiva sobre as instituições deve ser feita também de colaborações e reconhecimento. Esperamos, um dia, que o princípio do contraditório

— valor tão caro aos juízes para a formação de sua opinião sobre os casos sob sua condução — venha a ser devidamente observado pelos meios de comunicação e, com isso, se possam afastar os preconceitos, injustiças e as distorcidas visões sobre a atuação dos juízes brasileiros.
 
* Conselheiro do CNJ
 
Fonte: http://avaranda.blogspot.com.br/2012/12/sentenca-nao-da-em-arvore-jose-lucio.html?spref=fb