"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



terça-feira, 25 de dezembro de 2012

TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Colunas

24 dezembro 2012
Estante Legal

Pequenos grandes passos do Tribunal Penal Internacional


Dois julgamentos em 10 anos não é uma marca espetacular, mas 2012 termina melhor do que começou para um tribunal apoiado por 120 países, o Brasil inclusive, mas que ainda que enfrenta grandes desafios e opositores poderosos, como mostra a pesquisadora Elizabeth Goraieb, em Tribunal Penal Internacional, recém chegado às livrarias. O livro foi lançado no início do mês, duas semanas antes de o TPI ter concluído o seu segundo julgamento, em pouco mais de uma década de existência.

Se em março deste ano, a Corte condenou a 14 anos de prisão o congolês Thomas Lubanga, agora, em dezembro, absolveu, por insuficiência de provas, o também congolês Ngudjolo Chui. Ambos foram acusados por crimes de guerra, praticados entre 2002 e 2003, em conflitos étnicos que deixaram centenas de mortos. A absolvição de um líder lendu (Ngudjolo), após a condenação de um líder hema (Lubanga), ambos envolvidos nos mesmos conflitos levados ao TPI, causou preocupação entre observadores internacionais, diante da possibilidade de exacerbar, ainda mais, a tensão entre as duas etnias no nordeste da República Democrática do Congo.

O livro, evidentemente, foi escrito antes e não cuida de um caso específico. Professora titular de Direito Internacional, na Universidade Cândido Mendes e no Curso de Relações Internacionais do IBMEC, Elizabeth Goraieb, analisa e contextualiza não só o caminho percorrido até agora pelo Tribunal Penal Internacional, como também o que ainda falta ser feito para o estabelecimento de uma Justiça penal internacional independente, com autoridade e competência para punir criminosos internacionais e colocar um fim a um longo período de impunidade. Não é tarefa fácil.

A pesquisadora lembra no livro que a história da humanidade "caminha entre luzes e sombras, avanços e retrocessos" e considera a criação do Tribunal Penal Internacional um tributo a "milhões de vítimas de atrocidades que violam a dignidade e os direitos fundamentais da humanidade". A Corte, segundo ela, preenche uma lacuna no Direito Internacional, garantindo, na falta das jurisdições nacionais, punições para criminosos, que ficariam impunes não fosse o Tribunal Internacional.

Na sua trajetória, ela parte de uma abordagem histórica da constituição do tribunal penal, desde Nuremberg, constituído logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, para julgar os crimes cometidos pelos nazistas. Assim como outros estudiosos do tema, a autora lamenta o fato de grandes potências mundiais ainda se encontrarem fora da relação de países que reconhecem o papel do Tribunal como corte permanente para processar e julgar indivíduos — e não estados — que cometeram crimes graves contra o Direito Internacional, como genocídio, crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão.

Todos os países da União Europeia participam como estados-membros do Tribunal, mas a lista de não-membros peca pela ausência de grandes potências, como os Estados Unidos, a China e a Rússia. Também não reconhecem o TPI países como Índia, Paquistão, Irã, Israel, Sudão e Coreia do Norte, entre outros. A Rússia e outros 38 países chegaram a assinar o estatuto de criação do tribunal, em 1998, mas não ratificaram a decisão. Washington e Pequim, por outro lado, encabeçam a lista de quase meia centena de nações que sempre se opuseram à criação de uma corte penal mundial para julgar crimes cometidos dentro territórios soberanos.

Desde que foi criado, 17 casos em sete países foram e estão sendo investigados pelo Tribunal — República Democrática do Congo, Sudão, Uganda, Quênia, República Centro-Africana, Costa do Marfim e Líbia, o único na relação que não ratificou a criação do Tribunal (as denúncias foram encaminhadas ao TPI pela ONU). No site oficial do TPI é possível constatar que também estão sendo realizados "exames preliminares" de crimes ocorridos no Afeganistão, na Geórgia, em Guiné, Colômbia, Honduras, Coreia do Norte e na Nigéria.

A existência de uma corte permanente para processar e julgar indivíduos que cometeram crimes graves contra o Direito Internacional, supre uma lacuna no Direito Internacional, "garantindo, na falta das jurisdições nacionais, que os criminosos não ficarão impunes", ressalta Elizabeth Goraieb. Responsável pelo prefácio, o também professor de Direito Internacional Privado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Jacob Dolinger, classifica o livro da colega como uma "inestimável contribuição para o estudo do Tribunal Penal Internacional e para o Direito Internacional Penal".

Serviço:
Titulo: Tribunal Penal Internacional
Autor: Elizabeth Goraieb
Editora: Letras Jurídicas
Edição: 1ª edição — 2012
Número de Páginas: 577
Preço: R$ 142,00

Robson Pereira é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de dezembro de 2012

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

STF CASSA MANDATOS DE PARLAMENTARES NO MENSALÃO

Mensalão: STF decide cassar mandato de condenados e abre crise com a Câmara

Perdem os mandatos João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry; decisão deve ter efeito prático no ano que vem, mas Câmara já avisou que não cumprirá determinação

Wilson Lima - iG Brasília |



O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta segunda-feira a cassação dos mandatos dos deputados federais Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT), condenados à prisão no julgamento do mensalão . A medida abre uma crise institucional entre o STF e a Câmara Federal já que a Casa alega que a prerrogativa de cassação de mandato não é da Justiça, e sim do Poder Legislativo. Após a decisão, o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, declarou o fim do julgamento após mais de quatro meses .




A liderança da Câmara já avisou que pretende não cumprir a decisão do STF, mas o ministro Celso de Mello alertou na sessão de hoje que, se essa medida for adotada, os responsáveis estão passíveis de crimes de ato de improbidade administrativa ou prevaricação, passíveis de prisão e até suspensão de direitos políticos. A fala do ministro soou como um recado a Marco Maia, presidente da Câmara, segundo quem a prerrogativa de cassar mandatos é exclusividade do Poder Legislativo.


Agência Brasil


Celso de Mello desempata a questão e STF determina a cassação automática do mandato de três deputados.

A decisão do Supremo, no entanto, somente terá efeito prático no segundo semestre do ano que vem, no mínimo. Isso porque, apesar de ter determinado a cassação de mandato destes deputados federais, os efeitos somente valerão após esgotadas todas as possibilidades de recursos (trânsito em julgado da sentença). No caso da cassação de mandato, existe a possibilidade de pelo menos dois recursos: embargos de declaração e embargos infringentes. Ministros ouvidos pelo iG afirmam que qualquer execução de sentença do julgamento do mensalão somente deve ocorrer entre o segundo semestre de 2013 e início de 2014.


O primeiro visa discutir alguns detalhes que possam eventualmente ser considerados “obscuros” pelos advogados. O segundo visa discutir o mérito de uma condenação, quando a votação contrária ao réu teve votação apertada, como neste caso específico. E esses recursos somente podem ser impetrados a partir da publicação do acórdão. A tendência é que o Supremo publique esse documento somente em fevereiro ou março de 2013.

Votaram a favor da cassação do mandato o presidente do STF e relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Celso de Mello. Este último somente se pronunciou sobre o tema nesta segunda-feira, apesar de ter seu voto pronto há aproximadamente duas semanas. Votaram contra a cassação de mandato, os ministros Rosa Webber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e o revisor Ricardo Lewandowski.

A discussão toda esteve relacionada à interpretação do artigo 55 da Constituição, que trata de cassação de mandato. Segundo o inciso VI, desse artigo, o parlamentar é passível de cassação de mandato em caso de condenação criminal transitada em julgado. Mas, nesse caso específico, os ministros entenderam que cabe a aplicação do parágrafo 3º do artigo 55. Ou seja, em caso de condenação criminal, o ato da Câmara é meramente declaratório.


Os ministros que votaram a favor da cassação de mandato entenderam que também se aplica o artigos 15 e 37 da Constituição, que tratam da suspensão dos direitos políticos. Segundo estes ministros, haveria uma incoerência formal deputados serem condenados à suspensão de direitos políticos por terem sido condenados em crimes como corrupção passiva e lavagem de dinheiro e ainda assim manter o seu mandato parlamentar.

O ministro Celso de Mello, por exemplo, chegou a defender em 1995 que essa prerrogativa fosse da Câmara, mas admitiu na sessão desta segunda-feira que o caso julgado nos anos 1990 não se aplicava o artigo 55 da Constituição, pois se tratava de “situações em que não se registrava a privação da liberdade”. Para Celso de Mello, a cassação pelo Supremo somente pode ser aplicada com apoio do artigo 92 do Código Penal. De acordo com a lei penal, no inciso I, é efeito condenatório a crime com pena superior a quatro anos “a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo”.

“A perda do mandato estabelecida em decisão judicial fundamentada resultará na suspensão dos direitos políticos causada diretamente pela condenação criminal do congressista transitada em julgado, cabendo à Casa Legislativa meramente declarar esse fato da perda de mandato, com base no artigo 55 da Constituição Federal”, afirmou o ministro Celso de Mello. Os ministros que votaram contra a cassação de mandato entenderam que esse é um ato político e que deveria ter o aval da Câmara.

Desde a semana passada, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), afirma que não pretende cumprir a decisão do Supremo , pois ele acredita que essa prerrogativa é da casa. “A lei é clara: cassação de mandados de parlamentar só pelo Congresso Nacional. É a Câmara ou Senado quem decide. Os constituintes originários colocaram lá esse artigo para garantir a imunidade parlamentar e dar ao Legislativo a prerrogativa de cassar. Se a decisão do Supremo for pela cassação o tema será colocado em exame na Mesa. Mas a Câmara não vai cumprir e recorrerá ao próprio STF”, disse Maia ao iG .

Outros parlamentares endossaram as declarações do presidente da Câmara e até o presidente do PT, Rui Falcão, também se manifestou contrário à decisão do Supremo de cassar automaticamente o mandato de parlamentares durante o encontro da cúpula do partido. “Essa é uma decisão da Câmara”.

Esse tipo de declaração mereceu críticas do próprio Celso de Mello na sessão desta segunda-feira. Mello classificou como irresponsáveis e disse que o espírito de corporativismo e solidariedade da casa não pode justificar atos inaceitáveis, sendo passível que o presidente da Câmara responda por ato de improbidade administrativa ou crime de prevaricação por eventual descumprimento de decisão judicial.

“Inadmissível o comportamento de quem demonstrando não possuir o necessário senso de institucionalidade proclama que não cumprirá uma decisão transitada em julgado emanada do órgão judiciário”, disse o ministro. “Às partes interessadas, ninguém ignora, sempre poderão valer-se dos meios processuais destinados a provocar o reexame da matéria”, complementou. “Não se pode minimizar a função do STF em matéria constitucional, trata-se de decisões aqueu concretizam o próprio texto da constituição.”, disse em seguida.

Outros congressistas também declararam que não devem cumprir a decisão do Supremo. Mas na prática, essa problemática relacionada ao cumprimento ou não de uma decisão do Supremo caberá ao novo presidente da casa, provavelmente o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). O novo presidente toma posse no dia 2 de fevereiro de 2013.

Os deputados federais João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry (PP-MT) tiveram penas que variam de 7 a 9 anos. Cunha foi condenado a 9 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro; Costa Neto (PR-SP), a 7 anos e 10 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e Pedro Henry (PP-MT), a 7 anos e 2 meses.

domingo, 9 de dezembro de 2012

SENTENÇA NÃO DÁ EM ÁRVORE

Sentença não dá em árvore- JOSÉ LUCIO MUNHOZ*

O GLOBO - 09/12


São 100 mil sentenças publicadas no Brasil a cada dia útil e 22 milhões novas a cada ano. É inconcebível que alguns ainda façam ironias sobre a quantidade de trabalho dos juízes



A cada ano os juízes brasileiros proferem 22 milhões de novas sentenças, solucionando litígios, aplicando o direito, resolvendo processos, salvando vidas. Tal marca é impressionante, pois significa que a cada dia útil são publicadas no Brasil 100.000 sentenças. No chamado horário comercial são 12.500 (doze mil e quinhentos) julgamentos por hora, 208 (duzentos oito) por minuto, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça.

Atrás dos 22 milhões de sentenças proferidas a cada ano, portanto, outros milhões de atividades são praticadas pelos magistrados.

A produtividade do juiz brasileiro é muito grande, e não por acaso milhares de presos são encaminhados ao sistema prisional a cada ano (obviamente por conta das decisões judiciais!). Justamente pela atuação extraordinária da magistratura brasileira ingressam nos cofres públicos dos Estados e da União quase 22 bilhões arrecadados anualmente pelos tribunais (dados de 2011), dentre tributos, custas, emolumentos; quase R$ 10 bilhões são pagos anualmente aos trabalhadores pela Justiça do Trabalho, R$ 700 mil são destinados aos aposentados e pensionistas pela Justiça Federal, bilhões de reais são repassados por ano às pessoas em razão das sentenças condenatórias ou decorrentes da conciliação na Justiça Estadual.

Além disso, guarda de menores e adoções são decididas, ações declaratórias (sem valor monetário) são julgadas e as eleições são magnificamente conduzidas (as melhores e mais céleres do planeta!).

Desnecessário referir, portanto, a importância da atuação do Judiciário para a sociedade brasileira. Ocorre, todavia, que na outra ponta da linha temos profissionais sobrecarregados de atribuições e responsabilidades, com 26 milhões de novos processos aguardando por eles a cada ano (muitos deles em razão das tantas falhas estruturais do próprio Estado), tendo de cuidar, enfim, dos tantos interesses da cidadania em todo o país.

Diante disso, é inconcebível que alguns ainda façam ironias sobre a quantidade de trabalho dos juízes, insinuando que pouco trabalham ou que só o fazem em certos dias da semana.

Como se vê, sentença não dá em árvore, muito menos na base de 22 milhões por ano! A mídia, de modo geral, enaltece a liberdade de suas próprias atividades, mas em muitos casos se esquece de sua obrigação de dar voz ou demonstrar o "outro lado da moeda” pois só com isso se pode garantir uma real e verdadeira formação crítica da opinião pública.

Lembramos que a imprensa, para ser livre e independente, também se socorre dos princípios que o Judiciário tanto defende. A crítica construtiva sobre as instituições deve ser feita também de colaborações e reconhecimento. Esperamos, um dia, que o princípio do contraditório

— valor tão caro aos juízes para a formação de sua opinião sobre os casos sob sua condução — venha a ser devidamente observado pelos meios de comunicação e, com isso, se possam afastar os preconceitos, injustiças e as distorcidas visões sobre a atuação dos juízes brasileiros.
 
* Conselheiro do CNJ
 
Fonte: http://avaranda.blogspot.com.br/2012/12/sentenca-nao-da-em-arvore-jose-lucio.html?spref=fb

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ORIENTAÇÃO X PUNIÇÃO NA VISÃO DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO TJSP

Orientação x punição

"A sociedade pede juízes obreiros e não gênios"


Menos punição e mais orientação. Essa é a meta do corregedor-geral da Justiça de São Paulo, José Renato Nalini. Para ele, a atuação da corregedoria deve prevenir os episódios que justificariam uma pena. “O corregedor deveria ser aquele que fiscaliza a disciplina, o comportamento e a conduta funcional e privada de cada juiz. Em algumas situações, infelizmente, não é possível deixar de acionar os instrumentos punitivos, mas, em muitos casos, podemos evitá-los. Principalmente quando é levado em conta que o exercício da magistratura é angustiante. Se o juiz é sensível ele vai absorvendo um pouco do drama, da tragédia, da tristeza de cada processo”, afirma Nalini.


No cargo de corregedor para o biênio 2012/2013, Nalini tem mantido contato e oferecido apoio aos julgadores de forma direta, enquanto avalia mensalmente a produtividade de cada um. “Temos juízes muito rápidos, que têm facilidade em decidir, são concisos e objetivos. Mas há juízes que continuam a produzir sentenças com sofisticação e erudição. Como corregedor, eu tenho insistido pelo princípio da eficiência colocado na Constituição Federal. Precisamos ser eficientes assim como os demais poderes. No momento, aparentemente a sociedade está pedindo obreiro e não gênio.”


A magistratura de São Paulo, segundo o corregedor, sempre foi conservadora. “Os juízes não eram estimulados a serem criativos. Eu vim com o seguinte discurso: ouse, crie.” Criatividade essa que pode ser usada para lidar com a “jurisprudência a la carte” oferecida aos julgadores que lidam com os possíveis entendimentos tirados das leis. “A discricionariedade não é uma prerrogativa do magistrado, é de toda a pessoa capaz de interpretar um texto normativo.” defende o corregedor. 


Na opinião de Nalini, nem tudo deve ser levado para o magistrado. O corregedor defende fórmulas extra-judiciais para solucionar conflitos“Eticamente a solução negociada é muito superior à decisão judicial porque o sujeito exerce a sua autonomia, ele não é objeto.” Além disso, a democracia participativa acenada pela Constituição Federal de 1988 exige o exercício da cidadania. “As pessoas devem participar e parar com a visão paternalista que exige tudo do governo.”


Mudança comportamental que, ainda, não está no campo de visão do corregedor. “Não vejo perspectiva nenhuma. Na verdade temos um discurso muito localizado — cada qual defendendo o seu próprio quintal."


Acessível aos juízes e defensor do exercício da cidadania, o corregedor interrompeu a entrevista, algumas vezes, para atender desembargadores, assessores e cidadãos que, brevemente, passaram pelo gabinete para cumprimentar Nalini pelos feitos diários. 


José Renato Nalini nasceu em Jundiaí, interior de São Paulo, em 1945. É bacharel em Direito pela PUC-Campinas, mestre e doutor em Direito Constitucional pela USP. Ingressou no Tribunal de Alçada Criminal em 1993 e no Tribunal de Justiça em 2004.  Ocupou a presidência do extinto Tribunal de Alçada Criminal e antes de ingressar na magistratura foi membro do Ministério Público.


Leia a entrevista do corregedor à ConJur 


ConJur — Qual sua opinião a respeito dos concursos públicos para ingresso na magistratura?Renato Nalini — Desde a década de 1980, eu sou um pouco rebelde em relação à fórmula que encontramos de fazer concurso. Ela prioriza a memorização, exigimos que o candidato decore um número imenso de leis, doutrinas, jurisprudências e descuidamos da formação humanística. Então os concursos vêm se repetindo com certa homogeneidade. 


ConJur — A formulação do concurso não é bem feita?Renato Nalini  Não é isso. Tanto que, em relação às minhas dúvidas, meus colegas me perguntam: “Como é que você não acredita em um concurso que te selecionou”?  Eu acredito no concurso, mas nós podemos melhorá-lo. Nós podemos fazer com que ele responda aos novos desafios da Justiça que precisa de um sujeito que decida, alguém que dê uma resposta, que julgue conflitos de massa, numemundo em que tudo se multiplicou, as lides proliferaram, todas as questões chegam ao Judiciário. 


ConJur — Precisamos de outro tipo de magistrado?Renato Nalini  Sim. E também outro tipo de promotor, de defensor, de procurador. Vale para todas as carreiras jurídicas. O Conselho Nacional de Justiça editou a resolução 75/2009 e, pela primeira vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo resolveu obedecer a resolução. Por isso eu aceitei presidir o 183º Concurso Para Ingresso na Magistratura, pois seria o primeiro de acordo com a nova orientação do CNJ. 


ConJur — Como deve ser feito o preparo do novo magistrado? Renato Nalini — Na França, no Japão, e em Portugal, por exemplo, há a permanência no centro de estudos do Judiciário. No Brasil, chamaríamos de escola onde o sujeito frequentaria as aulas durante dois anos, pelo menos. Na França são vinte e oito meses. Seria uma preparação como o Instituto Itamaraty faz com os diplomatas, e como a formação de seminário que ainda existe na Igreja Católica. Nós já tivemos essa ideia de escola no estado de São Paulo. Nesse período, eu era juiz auxiliar da presidência, e o presidente era o desembargador Aniceto Lopes Aliende. Ele ficou convencido de que essa escola seria o melhor, mas houve muita crítica, pouca crença no sistema. A própria comissão do concurso não participou do preparo e depois foi bastante rigorosa em relação aos alunos que saíram da escola — quase como uma tentativa de mostrar que não teria adiantado nada a permanência deles lá.


ConJur — O aspecto humano é mais importante do que a teoria? Renato Nalini — O que menos interessa para o juiz é ele ter habilidade de memorização. Ele precisa ser alguém que tenha curiosidade e vontade de procurar sobre os temas em questão. O conhecimento está disponível.  Não é necessário questionar o candidato para ver se memorizou um artigo, o que significa isso? Decorar um texto. O que preciso saber é: o que ele fará quando desafiado diante de questões concretas? Ele terá equilíbrio, sensibilidade, e consciência? É fácil decidir, eu posso decidir o que eu quiser, escrevo e assino. Mas e depois, o que vai acontecer com a minha decisão? O que ela vai significar para o destinatário? O que ela vai significar para a comunidade? Então eu tenho que ter noção das consequências das minhas decisões, eu tenho que me compenetrar do que é o papel do juiz. Esse questionamento fica totalmente esquecido.


ConJur — O senhor é a favor das fórmulas extra-judiciais de soluções de conflitos?Renato Nalini — De todas elas. E gostaríamos de criar outras. No caso da conciliação, a pessoa exerce sua autonomia no sentido de obter uma solução. Na negociação não há o jogo de “ganha-ganha”, os dois lados devem ceder um pouco.  Eticamente a solução negociada é muito superior à solução da decisão judicial porque o sujeito exerce a sua autonomia, ele não é objeto do processo. Agora, o sujeito como parte de um processo, além da dor e prejuízo, ele tem de contar a história a um profissional de capacidade postulatória que a reduz a uma peça escrita que nem sempre é inteligível. O sujeito é deixado de lado e perde o controle da sua própria história.  O segundo aspecto é em relação ao exercício da cidadania. O constituinte em 1988 acenou com uma democracia participativa. As pessoas devem participar e parar com a visão paternalista que, singelamente de uma forma reducionista, fala: “O governo não faz, o governo não me dá casa..”, quem é o governo? O governo é um servo da população.  Se o sujeito precisa de um advogado para entrar em juízo, ele (sujeito) declina de participar e nunca será um cidadão.  Se a pessoa não assumir as rédeas da nação nós seremos sempre um povo tutelado. 


ConJur — O senhor acredita que essa mudança comportamental pode acontecer em breve?Renato Nalini — Eu não vejo perspectiva nenhuma.  Na verdade temos um discurso muito localizado — cada qual defendendo o seu próprio quintal.


ConJur — Hoje a gente tem um sistema recursal caótico. Esse sistema deve ser alterado?Renato Nalini — Poderia, pelo menos, ser simplificado com a valorização da primeira instância para que a Justiça caminhe no mesmo passo da sociedade. A primeira instância é aquela que tem contato direto com a realidade e com os fatos.  Os principais interessados vão ter contato com o juiz que vai olhar no olho de cada um. À medida que vai subindo para as outras instâncias há uma perda do contato com o fato e começa a discutir teses. Se a gente continuar nessa linha, nós vamos fazer o Brasil virar um grande tribunal, um juiz em cada esquina e será que é essa a resposta, será que essa é a solução, é só de Justiça que o povo precisa?


ConJur — A solução seria mudar...Renato Nalini — Mudar o sistema. Teria que reservar a Justiça para coisas realmente sérias e criar na população uma cultura de diálogo. Os advogados precisariam ter outra formação, não a formação adversarial, mas um advogado para aconselhar o cliente antes dele fazer bobagem — antes de fazer contrato, casar, separar, antes de adotar, antes de entrar no emprego, sair do emprego. É necessário um profissional do aconselhamento, da orientação, da prevenção.


ConJur — Como o senhor avalia os prazos de decisão na primeira e segunda instância atualmente? Segundo o IDJus, o Índice de Desempenho da Justiça criado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, o Rio Grande do Sul é o mais eficiente, São Paulo é o décimo primeiro.Renato Nalini — Hoje há metas para as decisões. Se, por um motivo justificado, o juiz não conseguir cumprir essas metas, nós temos auxílio-sentença formado por juízes que se dispõem a ajudar os outros. Em alguns casos, somos obrigados a abrir procedimento administrativo disciplinar por falta de produtividade. Essa produtividade, porém, é relativa: temos juízes muito rápidos, que têm facilidade em decidir, são concisos e objetivos. Mas há juízes que continuam a produzir sentenças com sofisticação e erudição. Esses acham que a decisão tem de ser muito ponderada.  Como corregedor, eu tenho insistido que o princípio da eficiência colocado na Constituição Federal contemplou exatamente o Poder Judiciário e nós precisamos ser eficientes assim como os demais poderes.  Se a demanda é massiva, é necessário um produtor massivo de soluções. Deixe que os eventuais aperfeiçoamentos venham nas instâncias subsequentes. O Brasil fez um modelo de quatro instâncias, alguém lá para frente vai consertar se tiver erro. O juiz deve dar a solução, fundamentada, mas não precisa pensar que ela é a última palavra. Vamos ser um pouco mais humildes, menos perfeccionistas, mais obreiros... No momento, aparentemente a sociedade está pedindo obreiro, e não gênio.


ConJur — O senhor disse que os juízes acabam tendo muita pressão.  Como o senhor vê o papel da imprensa no Judiciário?Renato Nalini — A mídia estimula. Na “sociedade do espetáculo” a versão é mais importante do que o fato, então é evidente que há uma influência, mas isso não é o fator primordial para gerar reflexos automáticos no funcionamento do Judiciário. A mídia tem que noticiar, mas eu não diria que haja uma vinculação automática entre o que a imprensa noticia e a postura judicial.


ConJur — No caso do julgamento do mensalão, o senhor acredita que  teve influência?Renato Nalini — Teve influência na divulgação. Foi até benéfico levar temas que são reservados aos técnicos para a população. Não acredito que qualquer dos juízes tenha mudado a opinião por causa de pressão, mesmo porque há pressão dos dois lados.


Conjur — O STF tem usurpado a função do legislador?
Renato Nalini — Não, porque o Poder Judiciário não invade a área do parlamento. Ele está suprindo vácuos que o produtor de direito novo não proveu. Nada impede que o parlamento legisle de forma diferente depois, e o Judiciário, como fiel servo da lei, vai se curvar à lei.


ConJur — Sobre a decisão recente do Tribunal de Justiça de criar um Gabinete de Crise, para enfrentar o surto de violência que ocorre em São Paulo, alguns juízes dizem que se trata de um tribunal de exceção...
Renato Nalini — Não. Ele não terá função jurisdicional. A criação do gabinete de crise foi uma resposta à comunidade para dizer que a Justiça está também empenhada em analisar esse fenômeno e colaborar dentro das suas atribuições para que a busca, a apreciação das condutas dos eventuais responsáveis seja feita com a celeridade possível. É um acompanhamento para verificar, no limite das nossas atribuições, o que a Justiça pode fazer para dar uma resposta que a comunidade está esperando. Ela quer pacificação, ela quer andar à noite em segurança. Então não há nada de tribunal de exceção, não é juiz sem rosto, não é nada disso.


ConJur — Qual é o papel da corregedoria, no Brasil?Renato Nalini — A corregedoria existe desde que existe Judiciário. O corregedor na verdade é aquele que corrige, aquele que fiscaliza a disciplina, o comportamento, a conduta funcional e privada de juízes, funcionários, os delegados dos serviços extrajudiciais, dos presídios. Nós estamos mudando um pouco o foco. A corregedoria passa a ser um órgão mais de orientação, de aconselhamento, de apoio. Ela vai atuar preventivamente evitando que aconteçam episódios que justificariam uma punição. A corregedoria, por deter o acervo de tudo que acontece e de tudo que já aconteceu, tem um histórico bastante alentado de tudo aquilo que possa ocorrer na Justiça. Então ela tem também condições de desenhar alguns cenários do futuro, de tentar criar mecanismos de tornar a Justiça mais eficiente, mais acreditada, mais prestigiada. 


Conjur — O senhor está satisfeito com o trabalho que está sendo feito?Renato Nalini — Estou bem satisfeito com aquilo que eu tenho conseguido fazer. Principalmente revendo normas de serviços que são orientações. É quase que um catecismo para os funcionários, para os juízes e para os delegados de serviços extrajudiciais, que normalmente levam mais a sério as normas de serviço do que a legislação. A norma é diretamente voltada para a atuação deles. Eu estou fazendo uma atualização das normas, abrindo muitas vias para tornar a Justiça mais ágil. Estamos trabalhando bastante para tornar a Justiça mais eficiente e cumprir o mandamento da eficiência.


ConJur — Quando o senhor assumiu o cargo de corregedor, afirmou que a Corregedoria deveria ser um órgão de orientação e não punição. Houve essa mudança? Renato Nalini — Sim. Eu sou muito acessível. Todos os juízes têm muita facilidade de conversar comigo, trazer as suas reivindicações e propostas. Em algumas situações, infelizmente, não é possível deixar de acionar os instrumentos punitivos, mas, em muitos casos, podemos evita-los. Principalmente quando é levado em conta que o exercício da magistratura é angustiante. Se o juiz é sensível, ele vai absorvendo um pouco do drama, da tragédia, da tristeza de cada processo. A magistratura é um terreno minado, pleno de armadilhas. Os juízes são questionados e fiscalizados pelas partes que têm todo o direito em querer pressa. O corregedor não pode esquecer isso e tratar o juiz como um subordinado.


Conjur — Como é o seu relacionamento com os juízes?Renato Nalini — A magistratura de São Paulo sempre foi muito conservadora. Então os juízes não eram muito estimulados a serem criativos. Eu vim com esse discurso: ouse, crie. Em relação à prevenção, antes que o problema aconteça, a correição pode ser feita pela internet. Os juízes são obrigados a fazer planilhas e, todo mês, mandar o relatório das atividades. Uma vai par ao CNJ e outra para a corregedoria.  Eu estou tentando deixar como uma coisa só. Pelos relatórios, eu acompanho o que está havendo e faço um ranking dos piores resultados  e telefono para os juízes para perguntar se ele está com algum problema e se eu posso ajudá-lo. Eu também ligo para aqueles que estão indo bem para parabenizá-los — como uma forma de estímulo. 


ConJur — O magistrado tem discricionariedade? Renato Nalini — Claro! E não é uma prerrogativa do magistrado, é de toda pessoa capaz de interpretar um texto normativo. Os romanos falavam que aquilo que está claro não precisa ser interpretado. Só que hoje não é assim. Toda lei precisa de interpretação. Os textos da Constituição de 1988 foram redigidos de uma forma que permite várias leituras. São tantas palavras na lei, que depende da formação do juiz escolher entre as vários possibilidades trazidas no texto legal. Por essa razão há jurisprudência a la carte.


ConJur — O que o senhor pensa sobre a tecnologia no Judiciário?Renato Nalini — É irreversível, tem que realmente melhorar. Na corregedoria do Rio Grande do Sul, há uma meta: petição 10, sentença 10. A petição inicial e a sentença não podem ultrapassar dez laudas.  Porque com o “copia e cola” é possível copiar trechos imensos que geram petições com 38, 40 laudas, aí o juiz também fica na obrigação de fazer uma decisão correspondente. Hoje nós só temos 26 unidades digitais no estado de São Paulo. Nós estamos tentando implementar para ver se até o final do ano que vem 40% do Judiciário de São Paulo já esteja informatizado.


ConJur — O CNJ deve substituir as corregedorias dos tribunais?Renato Nalini — Não. O CNJ é um órgão do Poder Judiciário abaixo, somente, do Supremo Tribunal Federal. Ele era requisitado como um órgão de planejamento. O Brasil é muito grande, na verdade são muitos “Brasis”: 27 unidades da Federação, 6 mil municípios e a Justiça sempre se ressentiu da inexistência de um órgão de planejamento. É muito saudável que haja o CNJ tentando fazer uma disciplina de homogeneização daquilo que deve ser homogeneizado. 


ConJur — Como é a relação do Conselho Nacional de Justiça com a corregedoria? Renato Nalini — Maravilhosa. A corregedoria do CNJ tem sido de uma elegância em relação às corregedorias locais que eu posso testemunhar, cada vez que chega uma denúncia, tanto a ministra Eliana como o ministro Falcão, mandam o expediente para cá para que nós apuremos.


Lívia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2012

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

EXECUTIVO ARROCHA JUÍZES

13/11/2012 - 03h30

Tendências/Debates: Insensível, Executivo arrocha juízes

NELSON MISSIAS DE MORAIS


Nestes dois primeiros anos do atual governo, foram apresentadas justificativas de natureza econômica irreal ou inexistente para ignorar a autonomia administrativa e financeira do Judiciário na construção da proposta orçamentária da União.

Numa posição antirrepublicana de descumprir a Constituição, o Executivo Federal excluiu, pelo segundo ano consecutivo, a proposta orçamentária elaborada pelo Judiciário, pertinente à Revisão Geral Anual dos Subsídios dos Ministros da Suprema Corte, do Orçamento da União.

A decisão unilateral nem sequer foi discutida com o presidente do Supremo Tribunal Federal, que é o chefe do Judiciário. Pelo princípio republicano não se deve dispensar os cuidados à união indissolúvel dos três entes federativos e a independência entre os poderes, que se fincam em cânones constitucionais intangíveis.

De acordo com o respeitado constitucionalista Celso Bastos, as funções estabelecidas ao Legislativo, Executivo e Judiciário são "os moldes jurídicos dentro dos quais deverão ser cumpridas as finalidades estatais". São funções relativamente fixas, harmônicas e independentes, que funcionam como contenção de um poder sobre o outro, para se evitar o arbítrio. Resumindo, o Orçamento da União é dos três Poderes e não só do Executivo.

Em 2011, após reação em tom de grave advertência do então presidente do STF, Cezar Peluso, o governo recuou e encaminhou aditivo ao Projeto de Lei Orçamentária de 2012, por meio da mensagem 355. Como era previsto, ou por conivência, o Congresso a tratou como emenda, em vez de parte integrante do projeto original.

Não deu outra: a "emenda" foi rejeitada, sob o argumento de que criava despesas sem identificar fonte de recursos. O Judiciário foi duplamente avariado pelo Executivo, sem qualquer esboço de reação do Legislativo.

O desrespeito a direitos consagrados na Constituição, como o da irredutibilidade dos vencimentos dos magistrados, configura um lamentável quadro de insensibilidade do Poder Executivo com o Judiciário.

Há sete anos, os mais de 17 mil magistrados estão sem a recomposição monetária real de seus subsídios, ante inflação de quase 30%, que de controlada só tem a intenção.

Não se defende ou se reclama reajuste dos subsídios dos membros do Judiciário. Ao contrário, o que se busca é só a reposição inflacionária. Isso é um direito constitucional, e não deve ser tratado como favor.

Paradoxalmente, o Executivo concede, quase que anualmente, reajuste a outras categorias do funcionalismo, como o que acabou de ser autorizado, de 15% a 30%, em média. Nenhuma outra categoria tem há sete anos vencimentos congelados.

A recomposição inflacionária dos subsídios dos magistrados, que é obrigatória, deveria ser feita pelo próprio Poder Judiciário. Além de contrabalançar os efeitos da inflação, essa é a forma de compensar as limitações impostas à classe de obter rendimentos externos. Como consequência, o Judiciário tem sofrido com a evasão de juízes, que estão deixando a magistratura em busca de melhor remuneração.

Neste ano, o descaso se repete e, até agora, somente a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) se manifestaram junto ao STF, com um mandado de segurança coletivo, para suspender a votação do Orçamento da União até que nele seja incluída a proposta orçamentária do Judiciário, com as respectivas fontes de recursos. É imprescindível resgatar e garantir a estabilidade das instituições que se finca no respeito entre os poderes.


*NELSON MISSIAS DE MORAIS, 51, é secretário-geral da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.



domingo, 11 de novembro de 2012

LUIZ FUX MANDA INCLUIR AUMENTO DO JUDICIÁRIO

País

Fux manda incluir aumento do Judiciário na Proposta Orçamentária de 2013

Documento previa aumento de 7,12% para o Judiciário da União

Débora Zampier
 
 
Brasília - O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o Congresso Nacional inclua a proposta oficial do Poder Judiciário no Projeto de Lei Orçamentária para 2013. O documento previa aumento de 7,12% para o Judiciário da União, que teria impacto direto de R$ 285 milhões anuais.
 
A questão foi judicializada no início de setembro pelas três maiores entidades de classe de juízes do país. Elas contestaram o fato de o Executivo ter retirado o orçamento original elaborado pelo STF da proposta apresentada ao Congresso Nacional em agosto. Segundo as entidades, a interferência é uma afronta à autonomia entre os Poderes.

A Advocacia-Geral da União (AGU) saiu em defesa do Executivo argumentando que a proposta orçamentária do STF foi mantida, ainda que anexa ao documento principal. Segundo a AGU, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, justificou a necessidade de adequação devido ao complexo cenário econômico atual e a necessidade de manter a economia brasileira funcionando bem.

Os argumentos não convenceram o ministro Luiz Fux, que determinou a apreciação do orçamento do Judiciário tal como apresentado pelo STF. A decisão liminar deve ser cumprida enquanto o processo não foi apreciado definitivamente pelo plenário do STF.


O Ministério Público da União também acionou o STF, em setembro, para contestar os cortes do Executivo na proposta orçamentária encaminhada ao Congresso Nacional. A categoria previa reajuste de 29,53%. O processo está sob relatoria do ministro Joaquim Barbosa, mas ainda não houve decisão.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DILMA (PODER EXECUTIVO) X JOAQUIM BARBOSA (PODER JUDICIÁRIO)

Dilma pode quebrar tradição na posse de Joaquim Barbosa no STF

Dilma pode quebrar tradição na posse de Joaquim Barbosa no STF

A ausência ( quase certa) da presidente Dilma Rousseff na cerimônia de posse do ministro Joaquim Barbosa na presidência do STF, marcada para o próximo dia 22, irá quebrar uma tradição na história do Judiciário. Em todas as posses dos chefes do Poder Judiciário o presidente da República sempre está presente. Tanto isso é verdade que a própria Dilma, em abril deste ano, esteve no Supremo na posse do atual presidente, Carlos Ayres Britto.
Este ano, no entanto, Dilma não esteve presente na solenidade de abertura do ano judiciário, ao contrário do que fazia o seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. A presidente também não esteve presente nas solenidades de posse de dois ministros que foram indicados por ela para o STF, Luiz Fux e Rosa Weber. No próximo dia 29, o STF dará posse ao terceiro ministro indicado por Dilma, o catarinense Teori Zavascki. A sua presença também é incerta.
Temer
Um dia antes da posse de Joaquim Barbosa na presidência do STF, o vice-presidente da República, na condição de presidente em exercício, Michel Temer, e a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, irão participar, em Belém, no Pará, da solenidade de abertura do XXI Congresso Brasileiro de Magistrados, que terá como tema 'O Magistrado no Século XXI: Agente de Transformação Social'. Temer irá na condição de presidente da República em exercício em virtude de viagem da titular do cargo, Dilma Rousseff, para a Espanha.

NOTA DO EDITOR: A quebra do protocolo oficial é inaceitável, porque embora a posse seja um ato político, não se está diante de alguém que se vai enquanto outro fica, mas sim que ambos ficam como representantes máximos de dois dos três poderes da República Federativa do Brasil. Em assim se procedendo, vejo, com todo o respeito, muita irresponsabilidade por se deixar levar para o lado pessoal e/ou partidário o julgamento do mensalão, e avizinho um convívio que pode estremecer o fortalecimento de nosso Estado Democrático e Social de Direito. Precisamos, nesses momentos, penso, sermos mais patriotas, pensar mais no coletivo e menos no individualismo, deixando de lado qualquer rancor.
Em se concretizando o anunciado, lamentamos profundamente o fato.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

STJ PEDE SOCORRO AO CONGRESSO NACIONAL

31 outubro 2012
Encontro parlamentar

“Precisamos do socorro do Congresso Nacional”

“Precisamos do socorro do Congresso Nacional.” Com essas palavras, o ministro Felix Fischer, presidente do Superior Tribunal de Justiça, recebeu 14 parlamentares — deputados e senadores, presidentes de comissões e líderes de partidos — para um encontro na manhã desta quarta-feira (31/10).

“Viemos ouvir os anseios do STJ e contribuir para caminharmos juntos e atender ao desejo da população de ter uma Justiça rápida e eficiente”, afirmou o deputado Luiz Pitiman, presidente da Frente Parlamentar Mista de Gestão Pública.

Ao lado da vice-presidente em exercício do STJ, ministra Eliana Calmon, da ministra Nancy Andrighi e do ministro Benedito Gonçalves, Fischer demonstrou a urgência na aprovação de projetos que darão mais eficiência e agilidade aos trabalhos do Judiciário. Entre eles, está a Proposta de Emenda Constitucional 209/12, que altera o artigo 105 da Constituição Federal, relativo à competência do STJ. O texto condiciona a admissão do recurso especial à demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional envolvidas no caso. É o mesmo que a repercussão geral do Supremo Tribunal Federal.

A deputada Rose de Freitas, vice-presidente da Câmara, é autora da PEC 209, junto com Pitiman. Ela justificou a iniciativa no reconhecimento de que chegam ao STJ milhares de processos que poderiam ser resolvidos definitivamente nas instâncias ordinárias. “Queremos oferecer à Justiça a possibilidade de ter mais celeridade no julgamento dos seus processos, e quem ganha com isso é o povo”, afirmou.

Apoio

O relator da PEC 209, deputado Sandro Mabel, informou que seu relatório já está pronto. Falta apenas fazer os últimos ajustes com representantes de todos os partidos para encaminhar à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara um texto construído da forma mais consensual possível, que assegure a aprovação de sua admissibilidade.
 
O presidente da CCJ, deputado Ricardo Berzoini, participou do encontro e afirmou que apoia a proposta. “Não se trata de limitação aos recursos, mas simplesmente de estabelecer claramente um filtro para um tribunal que não é uma terceira instância da Justiça”, apontou.

Berzoini defendeu que a discussão se concentre no interesse público, tendo em vista o mandamento constitucional da razoável duração do processo, “que é fundamental para a eficácia da Justiça”. Ele informou que pretende colocar a PEC em pauta já no próximo mês.
Uma vez aprovada na CCJ, será constituída comissão especial com prazo de 40 sessões para analisá-la. É nesta fase que serão feitas as audiências públicas para subsidiar a construção do texto final. Os deputados já preveem a adoção de um prazo maior para interposição do recurso especial, o que pode atrair mais apoio à proposta.

Felix Fischer contou que os ministros do STJ já se reuniram com a cúpula da Ordem dos Advogados do Brasil para explicar a necessidade da mudança. Ele afirmou que os próprios advogados têm interesse em encerrar logo suas causas quando elas não trazem temas relevantes. O ministro lembrou que continuarão existindo a primeira e a segunda instância, a revisão criminal e a ação rescisória — suficientes para assegurar ao cidadão um julgamento justo de seus litígios.

Mais assessores
Os deputados também manifestaram apoio a outra proposta de suma importância para o STJ — o Projeto de Lei 4.230/12. O projeto cria três varas federais no estado do Amapá e aumenta de seis para oito o número de assessores de cada ministro do STJ. Essa é mais uma medida para agilizar os trabalhos nos gabinetes.

A ministra Eliana Calmon ressaltou que praticamente todas as pessoas que perdem uma causa nos tribunais estaduais e federais recorrem ao STJ. “Hoje nós temos uma grande quantidade de processos que chegam aqui sem necessidade nenhuma e que ficam causando toda essa demora em processos importantíssimos sobre os quais precisamos nos debruçar para resolver”, lamenta.

Todos os processos que chegam ao STJ passam por uma triagem para identificar quais devem ir a julgamento. “Demandas muito simples, que não têm nenhuma complexidade, na qual a decisão está de acordo com a jurisprudência, não precisam subir”, explicou Eliana Calmon. Os dois assessores a mais farão justamente esse trabalho de triagem. “Isso agiliza e é fundamental. Hoje nós recebemos 27 mil processos por mês. Isso não pode, é humanamente impossível”, protestou.

A vice-presidenta do STJ entende que a solução ideal não é aumentar a estrutura da Corte, com mais ministros, servidores e ampliação de espaço. “Isso vai custar muito mais ao povo do que cada ministro ter dois assessores a mais”, disse. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.


Revista Consultor Jurídico, 31 de outubro de 2012

terça-feira, 30 de outubro de 2012

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SEUS LIMITES HUMANOS

29 outubro 2012
Constituição e Poder

Os limites humanos da dignidade da pessoa humana


Começo por uma pergunta: Existe algo em Direito que possa dizer-se absoluto? Dito de outro modo: Há algum princípio de justiça absoluta no Direito? É inteiramente humano que desejemos uma resposta positiva a essa questão, mas é absolutamente certo que não a encontraremos. Aliás, é precisamente a nossa miserável condição humana que jamais nos permitirá ir muito além dos nossos próprios e incontornáveis limites de Justiça e de Direito.

No discurso final de seu excepcional filme, “O Grande Ditador”, Charles Chaplin lembrava os homens de uma prosaica verdade: “Não sois máquina. Homens é que sois.” Quando nos pomos a insistir em princípios de justiça absoluta, talvez fosse o caso de acrescentar: “Não sois Deus. Homens é o que sois.” Tudo o que é humano pagará sempre o preço dessa limitação original.

Nada obstante, ultimamente corre entre estudiosos do Direito a perspectiva de um sonho impossível: o de ter alcançado, no princípio da dignidade da pessoa humana, a quadratura do círculo, o ponto arquimediano do conhecimento e da prática do Direito, pois nesse princípio, afirma-se, cessaria toda necessidade de maior fundamentação. Um princípio que, bastante em si mesmo, prescindiria de qualquer justificativa e não admitiria qualquer limitação.

Ao falar de dignidade da pessoa humana, estaríamos diante de um princípio para aquém e além do qual o Estado e a sociedade não poderiam ir. Nele se originariam todas as premissas de fundamentação jurídica e toda a razão de ser do Direito. Não é a toa que muitos afirmam que, ao contrário de todos os princípios e direitos fundamentais, que se prestam a restrições, a dignidade da pessoa humana seria princípio absoluto, livre de qualquer relativização, tangenciamento ou limitação.

Infelizmente, temo que também aqui a verdade seja algo um pouco mais complexa.

É fato que as constituições democráticas, nascidas no curso do século passado, sobretudo após a apavorante experiência do Nazi-facismo, que concebeu a terrível possibilidade normativa de seres humanos sem dignidade de existência humana, têm corretamente consagrado a dignidade humana como valor supremo e intangível. A questão aqui é saber se essa supremacia e intangibilidade é de caráter ahistórico, absoluto e metafísico, como pretendem alguns, ou de caráter jurídico e histórico, como defendem outros.

A dignidade da pessoa humana há muito é um elemento essencial daquilo que se costuma designar como “pensamento dos direitos humanos e dos direitos fundamentais”[1]. Também no Brasil, podemos afirmar o que dizem os professores Canotilho e Vital Moreira sobre a Constituição portuguesa, pois, também aqui temos que interpretar o princípio da dignidade da pessoa humana como pressuposto ou precondição do texto constitucional: (1) primeiro está a pessoa humana e depois a organização política (2)a pessoa é sujeito e não objeto, é fim e não meio de relações jurídico-sociais[2].

Seja em sua dimensão objetiva, seja como dimensão subjetiva, o princípio da dignidade da pessoa humana significa — como ideia básica — a proteção do valor pessoal intríseco de todos os seres humanos. No Direito Constitucional, visando precisar o seu conteúdo, buscou-se na conhecida fórmula kantiana, hoje repetida por quase todos os intérpretes, a ideia de que a dignidade da pessoa humana consistiria na afirmação do ser humano como fim em si mesmo, tornando proibida a sua degradação em simples objeto ou meio de concretização de qualquer outro fim.

Contudo, salta aos olhos o caráter indeterminado de uma formulação assim tão excessivamente abrangente. Precisamente por viver em sociedade, o ser humano está permanentemente sendo meio legítimo de realização dos desígnios de outras pessoas, ao mesmo tempo em que se vale das ações e das qualidades de outros seres humanos para a realização de seus próprios objetivos. Por exemplo, a sociedade não enxerga mal algum, pelo contrário, que alguém se valha dos serviços de um médico, de uma empregrada doméstica, de um polícial ou de um juiz para a realização de seus mais elevados ou mais simples desejos e necessidades. Nesses exemplos todos, não se pode negar, esses profissionais acabam sendo, pelo menos em alguma medida, meio de realização de pretensões (legítimas) e de finalidades de outras pessoas.

Se os exemplos dados não parecem transformar nenhum daqueles profissionais em meros objetos de realização de interesses alheios, não se pode, contudo, esquecer que a sociedade pode ir ao ponto de exigir, por exemplo, de um policial, ou de um bombeiro, que sacrifique a sua própria vida como meio de proteção da vida, dos bens e dos interesses de outras pessoas. Nessas condições, a vida desses profissionais é inteiramente transformada em meio de defesa de outros interesses. Haveria, então, que se precisar de forma mais convincente quando é que a utilização instrumental do ser humano poderia progredir para uma inaceitável degradação do outro ser humano em simples objeto ou meio de realização do interesse de outros seres humanos. Mas também aqui, infelizmente, os esforços hermenêuticos não parecem conduzir a resultados livres de qualquer questionamento.

Com efeito, são inúmeras as situações em que a conversão do ser humano em simples objeto do interesse de outros seres humanos não parece autorizar uma interpretação livre de qualquer discordância entre os diversos sistemas jurídicos. Fiquemos em dois casos emblemáticos: (1) a legalização da prostituição em muitos países considerados desenvolvidos e (2) a possibilidade de abate e sacrifício das vidas de passageiros e tripulação de uma aeronave sequestrada por terroristas como meio de salvaguardar a população de uma cidade intensamente povoada.

Há quase 10 anos, o celebrado jornalista Gilberto Dimenstein informava, em sua coluna, que uma série de países ricos vinha progressivamente legalizando a prostituição. Países como Nova Zelândia, Holanda e Alemanha haviam convertido, em alguma forma de legislação, a prostituição em atividade legal, com direito a pagamento de remuneração e a obrigação de recolher tributos (cito): “Quebrando tabus! Países do Primeiro Mundo estão agora adotando leis que tratam a prostituição como se fosse qualquer outro negócio. Neste mês, o governo da Bélgica apresentou um projeto de lei para legalizar os bordéis, medida que a Nova Zelândia adotou no mês passado. Há três anos, os holandeses legalizaram os bordéis, e as prostitutas passaram a ter os direitos de qualquer trabalhador: carteira assinada, plano de saúde e aposentadoria. Em contrapartida, vão descontar para a previdência e pagar imposto de renda, como todo mundo. A Alemanha adotou legislação semelhante no ano passado. Apesar de levantar discussões com a igreja e as partes mais conservadoras da sociedade, do ponto de vista pragmático, quem defende a legalização argumenta que a mais antiga das profissões é impossível de ser eliminada, e torná-la legal é uma forma de controlar doenças, combater o crime, a prostituição de menores e criar mais uma fonte de impostos. No entanto, tanto na Holanda como na Alemanha e na Nova Zelândia foram estabelecidas restrições. A idade mínima para a prostituição é 18 anos e, no caso holandês e no neozelandês, os prostíbulos precisam de licenças especiais. Em alguns países, a situação é mais confusa. A prostituição é legal em certas cidades do estado de Nevada, nos Estados Unidos, e em algumas regiões da Austrália, incluindo a maior cidade, Sydney”[3].

Para muitos países, contudo, a prostituição é uma das mais inaceitáveis e degradantes formas de violação da dignidade humana. Consistiria em pura e simples exploração sexual conjugada com desabrida ganância por lucro. Nela, o ser humano, sobretudo a mulher, é convertido em simples produto de consumo e luxúria de outros seres humanos. A mulher é tratada como “bem”, pois a prostituição seria um negócio tendo a mulher como mercadoria e os homens como compradores. Obviamente, não se pode falar de dignidade humana quando alguém é convertido em mercadoria. O comprador pode, em tais circunstâncias, usar o outro ser humano, dirigindo e controlando a sua autodeterminação, ou trocando-o por uma centena de outros seres humanos, convertidos também em simples mercadorias. A ideia de autodeterminação por parte de quem se prostitui não alivia o problema, uma vez que a dignidade da pessoa humana, como afirma a interpretação predominante, não estaria à disposição de quem quer que seja, e muito menos por parte de quem é transformado em objeto da conduta e do interesse alheio.

A questão é tão controvertida, que mesmo entre os alemães, onde já se noticia a existência de legislação tornando legítima a profissão de prostituta, existe decisão do Tribunal Constitucional considerando correta a negativa de licença a estabelecimento que pretendia comercializar o chamado Peep Show (exibição erótica em ambiente fechado de pessoas), onde a mulher, mediante pagamento, segundo a Corte, se degradaria, precisamente, por ser tratada como mero objeto de interesse e desejo sexual daqueles que a observam.

A controvertida questão, como se sabe, não se manteve alheia aos brasileiros, pois, também em nosso Parlamento têm curso mais de um projeto de lei que elevam tanto a prostituição feminina como masculina à categoria de profissão dos “trabalhadores da sexualidade[4]". Na Câmara, por exemplo, o projeto de lei (98/03) do deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, prevê a regulamentação da profissão de prostituta. O projeto reconhece que as pessoas que prestam serviços de natureza sexual fazem jus ao pagamento por tais serviços, e suprime artigos do Código Penal, como o que trata de favorecimento à prostituição[5]. Aprovada a proposta, longe de violar a dignidade da mulher, a prostituição passaria, segundo seus defensores, a ser considerada direito fundamental de profissão e de trabalho. A grande questão em tudo isso é saber onde se situa a dignidade da pessoa humana: Onde se proíbe ou onde se protege a sua prática?

Vejamos agora o outro exemplo: o do abate de aviões tripulados sequestrados por terroristas. Também aqui os países democráticos controvertem em suas respostas.

Nos Estados Unidos, todos ficamos sabendo por ocasião dos eventos do chamado 11 de Setembro, que o seu então presidente, George W. Bush, sem qualquer questionamento por parte do público e da imprensa local ou estrangeira, deu autorização às forças armadas para abaterem aviões de passageiros que, sob a ameaça de sequestro por terroristas, colocassem em risco a vida dos habitantes das cidades norte-americanas. Mais do que isso, ele teria delegado a dois generais a ordem para autorizar o abate de aviões civis comerciais considerados perigosos para a população: “Se houver tempo, podemos seguir a hierarquia até ao presidente, mas, se não houver, a decisão pode ser tomada a nível regional. (...) Se for um caso de vida ou morte, em que um ataque está a segundos de acontecer, a ordem poderá ser dada" pelos dois generais, acrescentou o coronel Michael Perini, chefe dos Assuntos Públicos do NORAD (organismo que une os EUA e Canadá no esforço de tornarem o espaço aéreo de ambos os países seguro)[6].

Já na Alemanha, o Tribunal Constitucional vedou o poder das forças armadas alemãs (Bundeswehr), de disparar contra aviões, quando esse poder fosse usado contra um avião sequestrado, já que essa faculdade estatal violaria a dignidade da pessoa humana, pelo que declarou inconstitucional o parágrafo 14 da Lei de Segurança da Aviação, que permite que as forças armadas, sob certas condições, atirem contra aviões sequestrados por terroristas.

A decisão do tribunal baseou-se expressamente na compreensão de que "a proteção da dignidade humana é de caráter estrito e não está permeável a uma restrição” («Der Schutz der Menschenwürde ist strikt und einer Einschränkung nicht zugänglich»). Em síntese, o tribunal decidiu que “a autorização às forças armadas, nos termos do parágrafo 14.3 da Lei de Segurança da Aviação, para abater aeronaves pelo uso direto da força, que se destina a ser usada contra a vida humana, é incompatível com o direito à vida do artigo 2.2, 1, da Lei Fundamental, em conjunto com a garantia da dignidade humana, nos termos do artigo 1.1, da Lei Fundamental, na medida em que ela afeta as pessoas a bordo da aeronave que não são participantes do crime”[7]. Nessas condições, segundo o tribunal, pessoas inocentes seriam transformadas em objeto e meio de defesa de outras pessoas.

O problema também não está distante de nossa realidade, já que o artigo 303, parágrafo 2°, do Código Brasileiro de Aeronáutica, tem suscitado acerbas críticas ao permitir, em condições muito similares àquelas verificadas no caso alemão, o abate de aeronaves classificadas como hostis à segurança da população (cito): “Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do presidente da República ou autoridade por ele delegada.”

Como facilmente se conclui do tratamento absolutamente contraditório que as diversas experiências constitucionais têm oferecido a problemas existenciais da condição humana, a afirmação do caráter absoluto do princípio da dignidade humana não logrou oferecer solução uniforme a problemas capitais de nossa convivência social. Isso decorre do dado simples de que o ser humano não é um ser isolado no mundo ou na natureza sobre o qual se possam lançar certezas absolutas de valor, que desconsiderem a sua imanente implicação social e histórica. Aliás, se o ser humano tivesse permanecido isolado na natureza não passaria de uma fera como outro animal qualquer e, apenas nessa condição, é que sobre ele poderíamos fazer incidir as certezas absolutas das leis da natureza (mundo do ser), e não a relatividade das normas jurídicas (mundo do dever ser).

A condição de humanidade em termos jurídicos decorre, em essencial medida, da vida em sociedade, mais especificamente, da teia de comunicações que os seres humanos, nas suas relações sociais, mantêm ou podem manter com outros seres humanos. Assim, não faz qualquer sentido buscar compreender a dignidade da pessoa humana numa imagem de ser humano como ser isolado de tudo o mais, com base numa filosofia metafísico-ontológica (absoluta) que tem a pretensão de interpretar o homem despido de sua socialidade, como coisa-bastante-em-si.

Em provocante artigo, Ulfried Neumann aponta para terríveis inconvenientes que a dignidade da pessoa humana, levada ao absoluto, acaba contraditoriamente impondo aos seres humanos (“A dignidade humana como fardo humano — ou como utilizar um direito contra o respectivo titular”[8]). Ali, o autor, convicentemente, nos revela como a utilização sem limites (inflação) e a ontologização metafísica (absolutização) do argumento da dignidade humana acabam por subtrair o caráter jurídico-normativo desse princípio (vendando em absoluto, por exemplo, a possibilidade em alguns países de pesquisas científicas de caráter biológico e genético que poderiam pôr fim a diversas formas de sofrimento humano). Com efeito, não há nada no Direito que não se submeta a restrições e limites. Na verdade, limite e direito são conceitos que se vinculam não apenas de forma antinômica, mas também essencialmente: são contrários impossíveis de serem sequer pensados de forma absoluta ou isolada.

Segundo U. Neumann, “a alternativa a um modelo ontológico é uma concepção na qual a dignidade humana não seja compreendida substantivamente, mas de modo relacional; na qual a dignidade não resida (apenas) na pessoa, mas (também) na interação entre pessoas[9]”. E, concluindo, é ainda de Chaplin, no mesmo excepcional discurso final de “O Grande Ditador”, que se pode retirar a mesma lição: “O reino de Deus está dentro do homem não de um só homem ou grupo de homens, mas de todos os homens.”

[1] Michael Sachs. Verfassungsrecht II – Grundrechte. Berlin, Heidelberg, N. York: 2003, p. 165.
[2] J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 1º a 107º).   Coimbra Editora, 2007, p. 198.
[7] BVerfG 1 BvR 357/05, de 15 de fevereiro de 2006.
[8] Ulfried Neumann, “A dignidade humana como fardo humano – ou como utilizar um direito contra o respectivo titular”, in Ingo Wolfgang Sarlet (org.). Dimensões da Dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 225 e seguintes.
[9]Ingo Wolfgang Sarlet. Dimensões da Dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 239. Os acréscimos “apenas” e “também”, entre parêntesis são nossos.


Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.


Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2012