"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



quarta-feira, 30 de maio de 2012

PRESCRIÇÃO, VIOLÊNCIA SEXUAL E CRIANÇAS E ADOLESCENTES


  • Quartas com Lei e com Direito – 30.05.2012 – A prescrição, a violência sexual e as crianças e adolescentes2.

    Na semana passada, colocamos em foco a Lei 12.650/12, que modificou o termo inicial da prescrição para os crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Ao que, então, nos foi indagado – e respondido, por um amigo – acerca da conseqüência que poderia haver no caso de morte da (o) menor (art. 217-A, §4º, CP), antes, portanto, de completar dezoito anos .

  • Problema maior: morte sem relação com a violência sexual.

  • Possibilidades: a) o prazo prescricional correria da data da morte; b) correria da data em que ela, se viva, alcançaria dezoito anos, e c) correria da data do fato.
    Bem, se a ressalva legal atinente à existência de ação penal (...salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação) não oferece muitos problemas, porque se parte da pressuposição da inexistência de risco de prescrição (ação já proposta!), o restante do dispositivo, como se vê, não é fácil.

  • E o que chama a atenção para o problema é o seguinte: a idade da (o) menor é absolutamente irrelevante para fins da determinação da legitimação ativa para ação penal. O art. 225, parágrafo único, CP, esclarece que as ações penais para crimes praticados contra menor de dezoito e pessoa vulnerável será sempre pública, INCONDICIONADA. Qual seria, então, a razão de se fixar o início do prazo aos dezoito anos da vítima, se ela não deterá legitimidade para a persecução?

  • Se a ação fosse privada – como era, com as ressalvas conhecidas – estaria tudo explicado: completando dezoito anos, o tempo perdido pelo representante legal da (o) menor poderia ser recuperado pela vítima.

  • Não temos a menor pretensão de ir muito longe nesse curtíssimo espaço de amizades. O tema está a demandar grandes esforços.

  • Mas, se o objetivo da lei era ampliar o prazo da prescrição independentemente de qualquer atuação futura da vítima, porque não inseriu um parágrafo no art. 111, CP, afirmando “não correr o prazo prescricional até a vítima criança ou adolescente alcançar a maioridade, ou da data em que ela alcançaria, em caso de morte”? Poderia até fazer referência específica aos crimes sexuais.

  • Feitas tais observações, o alargamento do prazo até os dezoito anos – maioridade – deve ser entendido como o reforço de atenção à vítima, que, assim, poderia decidir, por si mesma, sobre a revelação/divulgação dos fatos, cujo conhecimento estivesse em poder de seu representante legal (se não ajuizada a ação ou a investigação).

  • No caso de morte causada pela violência sexual (art. 217, §4º, CP), o prazo se contaria desta data (do óbito) por razões óbvias: o tipo penal se consumaria com ela!

  • Mas no caso de morte que não tenha qualquer relação com a violência sexual, o prazo deveria obedecer à lógica diversa. Naturalmente, mesmo sendo pública incondicionada a ação, a criança ou adolescente teria autonomia legal para oferecer a “notitia criminis”, levando ao conhecimento das autoridades a hediondez do fato de que fora vítima, independentemente de qualquer atitude de seus representantes legais.

  • Mas, se ela vem a falecer sem exercer essa faculdade antes (dos dezoito) não nos parece que esse trágico evento se enquadre como justificativa para a ampliação do prazo prescricional, sobretudo porque ela já não poderia oferecer qualquer contribuição à punição do crime. Caso, então, de aplicação da regra geral.

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FONTE: Facebook

"QUEREM CONSTRANGER O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL"

29 maio 2012
Pressão no mensalão

“Querem constranger o Supremo”, afirma Gilmar Mendes


O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta terça-feira (29/5) que os vazamentos de informações de que ele viajou a Berlim com despesas pagas pelo empresário de jogos de azar Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, “é coisa de bandido” para constranger o STF diante da iminência do julgamento do processo do mensalão.

“Não querem me constranger, não! Querem constranger o tribunal. É preciso encerrar de uma vez por todas com isso. Não quero ter relação com bandidagem e quem está fazendo isso é bandido”, afirmou a jornalistas antes de participar da sessão de julgamentos da 2ª Turma do tribunal nesta terça.

Mendes classificou como bandidos as pessoas que, segundo ele, estão espalhando a informação. “É coisa de gangsterismo”, disse. O ministro afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu as informações e acreditou nelas. Questionado sobre se Lula estava passando a informação adiante, ele afirmou: “As notícias que me chegaram era de que sim, de que ele era a central de divulgação disso. O próprio presidente”.

O ministro do Supremo estava exaltado. “Vamos deixar claro: estamos lidando com bandidos. Bandidos que ficam plantando essas informações. Vocês se lembram do Gilmar de Melo Mendes. É o mesmo nível de informação. Estamos lidando com gangsteres”, disse.
A referência ao Gilmar de Melo Mendes diz respeito à Operação Navalha, deflagrada em maio de 2007 pela Polícia Federal e que prendeu 48 pessoas. Antes de julgar pedidos de Habeas Corpus dos presos, vazou a informação de que constava do relatório da PF que um Gilmar Mendes havia recebido mimos e brindes de investigados na operação. Cogitou-se ser o ministro do Supremo, mas era Gilmar de Melo Mendes, ex-secretário da Fazenda de Sergipe. Na época, o ministro classificou o vazamento como “canalhice” e entendeu que era uma pressão para que não concedesse os pedidos de Habeas Corpus.

Questionado sobre sua afirmação de que estão tentando coagir o Supremo, o ministro disse que “o objetivo era melar o julgamento do mensalão, dizer que o Judiciário está envolvido em uma rede de corrupção. Era isso. Tentaram fazer isso com o [Roberto] Gurgel e estão tentando fazer isso agora. Porque desde o começo eu assumi e não era para efeito de condenação. Todos vocês conhecem as minhas posições em matéria penal.  Eu tenho combatido aqui o populismo judicial e o populismo penal”.

Gilmar Mendes disse também que defende o julgamento do mensalão por acreditar que o tribunal ficará desmoralizado se não fizer. “Vão sair dois experientes juízes, que participaram do recebimento da denúncia, virão dois novos, que virão contaminados por uma onda de suspicácia. Por isso, o tribunal tem que julgar e por isso essa pressão para que o tribunal não julgue”.

O ministro não quis dizer se acredita que réus do mensalão estão envolvidos no que ele chama de tentativa de constrangimento. “Sei lá, mas alguém construiu essa lógica burra, irresponsável, imbecil”. Ele distribuiu a jornalistas documentos que mostram que as passagens da viagem a Madrid, Granada e Berlim foram emitidas pela secretaria de administração e finanças do Supremo em abril de 2011.

Mendes também divulgou cópias do extrato de seu cartão fidelidade TAM onde consta o crédito de milhagens na volta do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para Brasília. A viagem foi a convite da Universidade de Granada, para participar de um congresso acadêmico.

O ministro refutou a ideia de que viajou em jatinhos de Cachoeira ou teve qualquer despesa paga por ele. “Eu preciso que alguém pague a minha passagem? Meu livro Curso de Direito Constitucional vendeu, de 2007 até agora, 80 mil exemplares. Dava para dar algumas voltas ao mundo. Não preciso ficar me apropriando de fundo sindical e nem de dinheiro de empresa”.

De acordo com Mendes, ele viajou duas vezes a Goiânia a convite do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO). “Vamos dizer que o Demóstenes me oferecesse uma carona em um avião. Teria algo de anormal? Eu fui duas vezes a Goiânia a convite do Demóstenes. Uma vez com o [Nelson] Jobim e o [ministro Dias] Toffoli. E outra vez com Toffoli e a ministra Fátima Nancy [Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça]. Avião que ele colocou à disposição. Tenho tudo anotado. Era avião da empresa Voar. Eu não estava escondendo nada. Por conta disso, eu tinha algum envolvimento com o eventual malfeito dele? Que negócio é esse? Grupo de chantagistas, bandidos. Desrespeitosos”.

Sobre a viagem a Berlim, o ministro afirmou: “Vocês sabem que desde 1979 frequento a Alemanha a todo tempo. Tenho uma filha que mora lá. Dou aula lá. Sou professor de Granada. Todo ano vou à Europa”. De acordo com Gilmar Mendes, na viagem a Berlim, ele se encontrou com o embaixador do Brasil na Alemanha, Everton Vieira Vargas: “Quem vai a Berlim clandestinamente vai à embaixada? Coisa de moleque e de baixa inteligência. É gente que não tem nenhum neurônio. Para esclarecer tudo isso bastava um telefonema para a embaixada. Não precisava se fazer essa rede de intriga que está se fazendo”.

Em relação ao encontro com Lula, o ministro disse que não se arrepende de ter ido falar com o ex-presidente. “Não tem arrependimento. Até porque as circunstâncias eram muito específicas. Eu tinha uma relação muito específica com o presidente. Tive um excelente relacionamento com ele durante toda a Presidência. Eu sempre tive excelente relacionamento com ele, relacionamento familiar. Quando ele ficou doente e voltou de Recife, a dona Marisa [Letícia, mulher de Lula] chamou a minha mulher para ficar conversando com ela e com o Sigmaringa [Seixas, advogado amigo do ex-presidente]. Quando ele ficou doente, agora em São Paulo, falei com ele várias vezes. Cheguei a marcar visita, mas não consegui ir. Esse encontro, para mim, era a reposição de uma visita. Recentemente ainda falei com o presidente [José] Sarney: "Precisava conversar com o presidente Lula”. A coisa mais transparente. Era uma conversa de velhos conhecidos. Eu ia dar um abraço nele. Era essa a conversa".

Clique aqui para ver os documentos. 

Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

CRIMES DE PERIGO ABSTRATO SÃO OU NÃO DE MERA CONDUTA ?

29 maio 2012
Direito de Defesa

Crimes de perigo abstrato não são de mera conduta

Caricatura: Pierpaolo Bottini - Colunista [Spacca]Talvez, de todos os debates acadêmicos da atualidade, o de maior repercussão concreta seja aquele a respeito da legitimidade, natureza e limites dos crimes de perigo abstrato. Esses tipos penais são distintos dos demais porque neles o legislador deixa de indicar qualquer resultado naturalístico, descrevendo apenas o comportamento penalmente relevante. Por isso, são chamados por alguns como crimes de mera conduta.

São de perigo abstrato o tráfico de drogas, o porte de armas, a embriaguez ao volante e tantos outros tipos penais cuja redação indica apenas a conduta, sem qualquer menção ao resultado.

Há quem diga que os tipos de perigo abstrato são inconstitucionais, vez que afrontam o principio da lesividade, pelo qual todo comportamento criminoso deve ofender um bem jurídico, seja pela lesão, seja pelo perigo concreto. A mera conduta não teria relevância penal.
No entanto, não parece adequado imprimir inconstitucionalidade ao crime de perigo abstrato, vez que a própria Constituição descreve um deles — o crime de tráfico de drogas — e prevê sua equiparação a crime hediondo. Por mais que a Carta Magna não descreva claramente no que consiste o tráfico de drogas, resta claro que determina a criminalização do comércio de substâncias entorpecentes, independentemente de seu resultado concreto sobre a saúde dos eventuais usuários.

Por outro lado, ainda que os crimes de perigo abstrato sejam constitucionais, devem ser interpretados sistematicamente, levando-se em consideração a orientação teleológica do Direito Penal. Por isso, ainda que o tipo penal descreva a mera conduta, cabe ao intérprete — em especial ao juiz — a constatação de que o comportamento não é inócuo para afetar o bem juridico tutelado pela norma penal. Em outras palavras, não basta a mera ação descrita na lei, faz-se necessária a verificação da periculosidade da conduta, sua capacidade — mesmo que em abstrato — de colocar em perigo bens jurídicos.

Essa parece ser a única interpretação coerente com o texto constitucional — que admite os crimes de perigo abstrato — e com a consagração da ideia de que o Direito Penal tem como norte a exclusiva proteção de bens jurídicos. Do contrário, teremos o Direito Penal de autor, que pune comportamentos sem qualquer potencialidade de causar resultados lesivos com a justificativa única de que revelam a periculosidade do agente.

Compreender que mesmo comportamentos inócuos são penalmente relevantes — se descritos nos tipos de perigo abstrato — conflita com o próprio Código Penal, que determina a impunidade do crime impossível, condutas sem possibilidade de afetar o bem juridico, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto (Código Penal, artigo 17).

Em outras palavras, os crimes de perigo abstrato são legítimos e constitucionais, desde que o magistrado se certifique de que, no caso concreto, aquele comportamento específico tinha potencialidade para lesionar ou colocar em risco o bem jurídico protegido pela norma penal, que não era absolutamente inócuo. 

É o que sustenta parte da doutrina. Meyer aponta que a materialidade dos delitos de perigo abstrato reside na periculosidade da ação, e propõe até a substituição de sua denominação, que passariam a ser designados como tipos de periculosidade. Silva Sánchez também rechaça a caracterização dos delitos de perigo abstrato como delitos de perigo presumido.[1] Esse autor exige a verificação da periculosidade de conduta para a caracterização dos tipos em análise. Da mesma forma entendem inúmeros outros autores[2].

Na prática, essa postura se traduz em afastar a tipicidade em diversas situações, como nos casos de rádios comunitárias sem potência capaz de afetar a segurança dos transportes (bem jurídico protegido pela norma), e de porte de arma sem capacidade de funcionamento ou sem munição adequada, dentre muitos outros.

Os tribunais pátrios não adotam a posição esposada, mas em alguns julgados se nota a busca por alguma materialidade nos crimes de perigo abstrato, de algo que vá mais além da mera conduta, indicando uma possível e futura mudança de postura.

Não foi outra a interpretação do STJ que, em julgado recente, absolveu réu acusado de porte ilegal de munição, reconhecendo que o uso desse artefato, sem a arma, não tem potencialidade para violar o bem jurídico protegido pela norma, qual seja a segurança e a integridade dos demais membros da sociedade. Embora parte dos ministros tenha afastado a tipicidade por entender que o porte de munição seria crime de perigo concreto, parece acertada a posição do relator do caso, que caracterizou o crime como de perigo abstrato e ainda assim constatou a falta de materialidade por ausência de periculosidade para o bem juridico (STJ, HC 194.468, j.17/04/12).

Nesse sentido também entendeu o mesmo STJ em caso de porte de arma desmuniciada com munição próxima incompatível com aquele artefato. Nesse caso, o relator indicou expressamente que: "tratando-se de crime de porte de arma de fogo, faz-se necessária a comprovação da potencialidade do instrumento, já que o princípio da ofensividade em Direito Penal exige um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma, não bastando a simples indicação de perigo abstrato." (STJ, HC 118.773 e AgRg no REsp 998.993-RS).

Em síntese, o crime de perigo abstrato não é de mera conduta, mas exige uma materialidade, um desvalor de resultado, consubstanciada na periculosidade do comportamento — que não se confunde com a exigência de lesão nem de perigo concreto. O reconhecimento dessa materialidade é a única forma de compatibilizar a técnica legislativa de descrição de uma mera conduta típica com o princípio de exclusiva proteção aos bens jurídicos, consagrado pela dogmática penal.


[1] SILVA SÁNCHEZ, A expansão do direito penal, passim.
[2] Citados em BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princpio da precaução na sociedade de risco. São Paulo, RT, 2008: MEYER, Gefährlichkeitsdelikte, p. 355 e ss., apud MENDOZA BUERGO, Límites, p. 313, e RODRÍGUEZ MONTAÑÉS, Delitos de peligro, p. 346, TERRADILLOS BASOCO, Peligro abstracto, p. 799, JIMÉNEZ DE ASÚA - para quem os delitos de perigo abstrato se materializam cuando el delito, como tal, representa la específica puesta en peligro de bienes jurídicos, pero la penalidad es indiferente de que se demuestre en el caso concreto la especial situacion de peligro, e os delitos de desobediência devem ser afastadas do campo penal por constituírem meras transgressões regulamentárias, apud AGUIRRE OBARRIO, Segundo paseo con el peligro, p. 78 - QUINTERO OLIVARES, I reati di pericolo, p. 353.


Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2012

terça-feira, 29 de maio de 2012

NOVO CÓDIGO PENAL TEM PROPOSTA DE DISCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS

Notícias

28 maio 2012
Novo Código Penal

Proposta descriminaliza uso privado de drogas

A comissão de juristas responsável pelo anteprojeto do novo Código Penal definiu que a proposta descriminalizará o uso de drogas. Pelo texto aprovado, na manhã desta segunda-feira (28/5), caberá ao Poder Executivo regulamentar a quantidade de substância que uma pessoa poderá portar e manter sem que se considere tráfico. O anteprojeto será submetido ao trâmite legislativo regular após a conclusão dos trabalhos da comissão.

A quantidade de droga deve corresponder ao consumo médio individual de cada tipo de droga pelo período de cinco dias. A regulamentação dessa quantidade específica ficará a cargo de órgão administrativo de saúde pública, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O cultivo para consumo próprio também não será criminalizado.

A presunção de consumo para uso pessoal é relativa. Isso significa que, mesmo portando quantidade de droga menor que a regulamentar, a pessoa poderá ser condenada por tráfico caso se comprove, por outros elementos, que a substância não se destinava ao seu uso pessoal. Da mesma forma, quantidade superior poderá ser considerada como para consumo próprio, caso o acusado consiga comprovar essa destinação.

Pela proposta da comissão, continua sendo crime o uso público e ostensivo de substâncias entorpecentes, assim como nas proximidades de escolas e na presença de crianças e adolescentes.

A pena para esse crime será a mesma atualmente aplicada aos usuários de drogas: advertência sobre os riscos do consumo, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a cursos educativos.

Também continua crime a indução, instigação ou auxílio ao uso indevido de droga, com prisão de seis meses a dois anos. O compartilhamento de droga eventual e sem objetivo de lucro, com pessoa do relacionamento do agente, também é punível, com pena entre seis meses e um ano mais multa.

A comissão ainda irá deliberar sobre as causas de redução de pena para o tráfico. O restante da estrutura dos tipos penais relacionados não sofreu alteração significativa. Na mesma sessão, a comissão também tratou de bullying, stalking, “flanelinhas” e constrangimento ilegal para tratamento médico. As informações são do STJ.


Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2012

LULA X STF - PARTE II

Pressão no mensalão

Lula diz que jamais tentou interferir em julgamentos

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “jamais interferiu ou tentou interferir nas decisões do Supremo ou da Procuradoria-Geral da República em relação a ação penal do chamado mensalão, ou a qualquer outro assunto da alçada do Judiciário ou do Ministério Público, nos oito anos em que foi presidente da República”. Esse é o teor de nota divulgada nesta segunda-feira (28/5), pelo site do Instituto Lula, em que o ex-presidente rebate a reportagem da revista Veja que circulou no fim de semana. 

De acordo com a nota, o encontro entre o ministro Gilmar Mendes e Lula no escritório do ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Defesa Nelson Jobim ocorreu, mas a versão de Veja sobre o teor da conversa é inverídica. “Meu sentimento é de indignação”, disse o ex-presidente da República sobre a reportagem. O encontro aconteceu no último dia 26 de abril.
Lula também ressalta que “o procurador Antonio Fernando de Souza apresentou a denúncia do chamado Mensalão ao STF e depois disso foi reconduzido ao cargo”. O ex-presidente ainda anota que indicou oito ministros do Supremo “e nenhum deles pode registrar qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja”.

De acordo com Veja, o ministro Gilmar Mendes foi convidado para um encontro com Lula no escritório de Nelson Jobim, advogado, ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Defesa do governo petista. Lula teria dito a Mendes que é inconveniente que o mensalão seja julgado antes das eleições e afirmado que teria o controle político da CPI do Cachoeira. Ou seja, poderia proteger Gilmar Mendes.

O ministro do STF afirmou que suas ligações com o senador Demóstenes nunca passaram dos limites institucionais. Lula, então, teria perguntado sobre a viagem de Gilmar e Demóstenes a Berlim. “Vou a Berlim como você vai a São Bernardo do Campo. Minha filha mora lá. Vá fundo na CPI”. Mendes confirma o encontro com Demóstenes na Alemanha, mas garante que pagou as despesas da viagem de seu bolso.

O anfitrião do encontro entre Lula e Gilmar Mendes, Nelson Jobim, negou que o ex-presidente tenha feito pressão sobre o ministro do Supremo. Em entrevista ao jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, Jobim disse: “Não houve nenhuma conversa nesse sentido. Eu estava junto, foi no meu escritório, e não houve nenhum diálogo nesse sentido. Foi uma conversa institucional. Lula queria me visitar porque eu havia saído do governo e ele queria conversar comigo. Ele também tem muita consideração com o Gilmar, pelo desempenho dele no Supremo. Foi uma conversa institucional, não teve nada nesses termos que a Veja está se referindo”.

Leia a nota divulgada no site do Instituto Lula:

Sobre a reportagem da revista Veja publicada nesse final de semana, que apresenta uma versão atribuída ao ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre um encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 26 de abril, no escritório e na presença do ex-ministro Nelson Jobim, informamos o seguinte:

1. No dia 26 de abril, o ex-presidente Lula visitou o ex-ministro Nelson Jobim em seu escritório, onde também se encontrava o ministro Gilmar Mendes. A reunião existiu, mas a versão da Veja sobre o teor da conversa é inverídica. “Meu sentimento é de indignação”, disse o ex-presidente, sobre a reportagem.

2. Luiz Inácio Lula da Silva jamais interferiu ou tentou interferir nas decisões do Supremo ou da Procuradoria Geral da República em relação a ação penal do chamado Mensalão, ou a qualquer outro assunto da alçada do Judiciário ou do Ministério Público, nos oito anos em que foi presidente da República.

3. “O procurador Antonio Fernando de Souza apresentou a denúncia do chamado Mensalão ao STF e depois disso foi reconduzido ao cargo. Eu indiquei oito ministros do Supremo e nenhum deles pode registrar qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja”, afirmou Lula.

4. A autonomia e independência do Judiciário e do Ministério Público sempre foram rigorosamente respeitadas nos seus dois mandatos. O comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o mesmo, agora que não ocupa nenhum cargo público.

Assessoria de imprensa do Instituto Lula

Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2012

segunda-feira, 28 de maio de 2012

COMPORTAMENTO INDECOROSO DE LULA PERANTE O STF


27 maio 2012
"Episódio anômalo"

Comportamento de Lula é indecoroso, avaliam ministros


“Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de impeachment por configurar infração político-administrativa, em que um chefe de poder tenta interferir em outro”. A frase é do decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, em reação à informação de que o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tem feito pressão sobre ministros do tribunal para que o processo do mensalão não seja julgado antes das eleições municipais de 2012. “É um episódio anômalo na história do STF”, disse o ministro.

As informações sobre as pressões de Lula foram publicadas em reportagem da revista Veja deste fim de semana. Os dois mais antigos ministros do Supremo — além de Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio — reagiram com indignação à reportagem. Ouvidos neste domingo (27/5) pela revista Consultor Jurídico, os dois ministros classificaram o episódio como “espantoso”, “inimaginável” e “inqualificável”.

De acordo com os ministros, se os fatos narrados na reportagem da semanal espelham a realidade, a tentativa de interferência é grave. Para o ministro Celso de Mello, “a conduta do ex-presidente da República, se confirmada, constituirá lamentável expressão de grave desconhecimento das instituições republicanas e de seu regular funcionamento no âmbito do Estado Democrático de Direito. O episódio revela um comportamento eticamente censurável, politicamente atrevido e juridicamente ilegítimo”.

Já o ministro Marco Aurélio afirmou que pressão sobre um ministro do Supremo é “algo impensável”. Marco afirmou que não sabia do episódio porque o ministro Gilmar Mendes, como afirmou a revista Veja, tinha relatado o encontro com Lula apenas ao presidente do STF, ministro Ayres Britto. Mas considerou o fato inconcebível. “Não concebo uma tentativa de cooptação de um ministro. Mesmo que não se tenha tratado do mérito do processo, mas apenas do adiamento, para não se realizar o julgamento no semestre das eleições. Ainda assim, é algo inimaginável. Quem tem de decidir o melhor momento para julgar o processo, e decidirá, é o próprio Supremo”.

De acordo com Veja, o ministro Gilmar Mendes foi convidado para um encontro com Lula no escritório de Nelson Jobim, advogado, ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Defesa do governo petista. Lula teria dito a Mendes que é inconveniente que o mensalão seja julgado antes das eleições e afirmado que teria o controle político da CPI do Cachoeira. Ou seja, poderia proteger Gilmar Mendes.

O encontro foi patrocinado por Jobim. Lula começou por oferecer "proteção" a Gilmar Mendes, no âmbito da CPI do Cachoeira, uma vez que ele teria a comissão sob seu comando. Gilmar reagiu negativamente e Jobim tentou consertar: "O que o presidente quis dizer é que o Protógenes pode querer convocá-lo". Ao que Gilmar teria retrucado que, nesse caso, quem precisa de proteção é ele, pelas suas ligações com o esquema de Cachoeira. Ao repetir que suas ligações com o senador Demóstenes nunca passaram dos limites institucionais, Lula teria perguntado sobre a viagem de Gilmar e Demóstenes a Berlim. “Vou a Berlim como você vai a São Bernardo do Campo. Minha filha mora lá. Vá fundo na CPI”. Mendes confirma o encontro com Demóstenes na Alemanha, mas garante que pagou as despesas da viagem de seu bolso. Sem favor de ninguém.

O ministro Celso de Mello lamentou a investida. “Tentar interferir dessa maneira em um julgamento do STF é inaceitável e indecoroso. Rompe todos os limites da ética. Seria assim para qualquer cidadão, mas mais grave quando se trata da figura de um presidente da República. Ele mostrou desconhecer a posição de absoluta independência dos ministros do STF no desempenho de suas funções”, disse o decano do Supremo.

Para Marco Aurélio, qualquer tipo de pressão ilegítima sobre o STF é intolerável: “Julgaremos na época em que o processo estiver aparelhado para tanto. A circunstância de termos um semestre de eleições não interfere no julgamento. Para mim, sempre disse, esse é um processo como qualquer outro”. Marco também disse acreditar que nenhum partido tenha influência sobre a pauta do Supremo. “Imaginemos o contrário. Se não se tratasse de membros do PT. Outro partido teria esse acesso, de buscar com sucesso o adiamento? A resposta é negativa”, afirmou.

De acordo com o ministro, as referências do ex-presidente sobre a tentativa de influenciar outros ministros por via indireta são quase ingênuas. “São suposições de um leigo achar que um integrante do Supremo Tribunal Federal esteja sujeito a esse tipo de sugestão”, disse. Na conversa relatada por Veja, Lula teria dito que iria pedir ao ministro aposentado Sepúlveda Pertence para falar com a ministra Cármen Lúcia, sua prima e a quem apadrinhou na indicação para o cargo. E também que o ministro Lewandowski só liberará seu voto neste semestre porque está sob enorme pressão.

Marco Aurélio não acredita em nenhuma das duas coisas: “A ministra Cármen Lúcia atua com independência e equidistância. Sempre atuou. E ela tem para isso a vitaliciedade da cadeira. A mesma coisa em relação ao ministro Ricardo Lewandowski. Quando ele liberar seu voto será porque, evidentemente, acabou o exame do processo. Nunca por pressão”.

O ministro Celso de Mello também disse que a resposta de Gilmar Mendes “foi corretíssima e mostra a firmeza com que os ministros do STF irão examinar a denúncia na Ação Penal que a Procuradoria-Geral da República formulou contra os réus”. Para o decano do STF, “é grave e inacreditável que um ex-presidente da República tenha incidido nesse comportamento”.

De acordo com o decano, o episódio é grave e inqualificável sob todos os aspectos: “Um gesto de desrespeito por todo o STF. Sem falar no caráter indecoroso é um comportamento que jamais poderia ser adotado por quem exerceu o mais alto cargo da República. Surpreendente essa tentativa espúria de interferir em assunto que não permite essa abordagem. Não se pode contemporizar com o desconhecimento do sistema constitucional do país nem com o desconhecimento dos limites éticos e jurídicos”.

Celso de Mello tem a convicção de que o julgamento do mensalão observará todos os parâmetros que a ordem jurídica impõe a qualquer órgão do Judiciário. “Por isso mesmo se mostra absolutamente inaceitável esse ensaio de intervenção sem qualquer legitimidade ética ou jurídica praticado pelo ex-presidente da República. De qualquer maneira, não mudará nada. Esse comportamento, por mais censurável, não afetará a posição de neutralidade, absolutamente independente com que os ministros do STF agem. Nenhum ministro permitirá que se comprometa a sua integridade pessoal e funcional no desempenho de suas funções nessa Ação Penal”, disse o ministro.

Ainda de acordo com o decano do Supremo, o processo do mensalão será julgado “por todos de maneira independente e isenta, tendo por base exclusivamente as provas dos autos”. O ministro reforçou que a abordagem do ex-presidente é inaceitável: “Confirmado esse diálogo entre Lula e Gilmar, o comportamento do ex-presidente mostrou-se moralmente censurável. Um gesto de atrevimento, mas que não irá afetar de forma alguma a isenção, a imparcialidade e a independência de cada um dos ministros do STF”.

Celso de Mello concluiu: "Um episódio negativo e espantoso em todos os aspectos. Mas que servirá para dar relevo à correção com que o STF aplica os princípios constitucionais contra qualquer réu, sem importar-se com a sua origem social e que o tribunal exerce sua jurisdição com absoluta isenção e plena independência".

O anfitrião do encontro entre Lula e Gilmar Mendes, Nelson Jobim, negou que o ex-presidente tenha feito pressão sobre o ministro do Supremo. De acordo com notícia publicada no Blog do Noblat na noite deste domingo, em entrevista ao jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, que será publicada nesta segunda-feira (28/5), Jobim repetiu o que disse desde que a semanal chegou às bancas: "nada do que foi relatado pela Veja aconteceu". O ex-ministro ainda disse ao jornal: "Estranho que o encontro tenha acontecido há um mês e só agora Gilmar venha se dizer indignado com o que ouviu de Lula. O encontro foi cordial. Lula queria agradecer a colaboração de Gilmar com o seu governo".

 
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 27 de maio de 2012

sexta-feira, 25 de maio de 2012

PRESOS PROVISÓRIOS E JUDICIÁRIO CAÓTICO

Coluna do LFG

Piauí: 72% de presos provisórios e o Judiciário caótico


O Piauí é o segundo estado menos encarcerador do Brasil (atrás apenas do Maranhão), apresentando uma taxa de 90,01 presos a cada 100 mil habitantes - constatações do Instituto de Pesquisa e de Cultura Luiz Flávio Gomes (IPC-LFG), baseadas nos números do DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional, de junho de 2011.

Nos estabelecimentos penais piauienses, 72% do total de 2.831 detentos são presos provisórios, ou seja, ainda não foram julgados definitivamente. Trata-se de um dos maiores índices nacionais de detentos que aguardam julgamento (a média nacional é de 43%).

Conforme o relato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Mutirão Carcerário realizado entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, apesar de a população carcerária do estado não ser tão expressiva e a maioria apresentar baixa ou média periculosidade, o número de presos provisórios sobrecarrega o sistema, causando superlotação nas celas.

Na Casa de Custódia, por exemplo, destinada exclusivamente para presos provisórios, a superlotação é tamanha que existem de 2 a 3 presos por vaga na unidade.

O Relatório do Mutirão apontou ainda que muitos detentos do estado estavam submetidos a prisões ilegais, razão pela qual foram concedidas 405 liberdades, 325 (ou 80%) das quais beneficiaram presos provisórios.

No Judiciário do Piauí, faltam varas especializadas no interior. Já nas varas criminais, não há nenhum controle sobre os processos, tampouco prioridade para os que envolvem acusados presos, resultando numa enorme quantidade de processos sem julgamento.

A deficiência estatal abastece a insalubridade carcerária piauiense.

Comentários do Professor Luiz Flávio Gomes:

A questão mais séria que está por detrás das constatações do CNJ diz respeito à legitimidade das decisões judiciais que mandam as pessoas para as nefastas e cruéis cadeias nacionais. Sabemos que a legitimidade dos juízes (da jurisdição) não reside no consenso da maioria. O juiz não é político. Não deve tomar suas decisões conforme a vontade da maioria (embora às vezes haja coincidência). A legitimidade das decisões judiciais reside no respeito aos direitos humanos, ou seja, na tutela dos direitos e garantias fundamentais (Ferrajoli). No cumprimento desse mister muitas vezes a decisão legítima do juiz se torna contramajoritária.

A pergunta relevante (como bem sublinha Iñaki Rivera) é a seguinte: será que os juízes criminais (especialmente os brasileiros), que mandam centenas e centenas de pessoas diariamente para os imundos e desumanos cárceres brasileiros, sabem para onde estão mandando essas pessoas?

Se não sabem estão descumprindo seus deveres legais e constitucionais, de conhecer e visitar os presídios. Se sabem, estão nada mais nada menos que fazendo o mesmo papel dos juízes nazistas do tempo de Hitler, mandando gente para locais onde não vigora o Estado de Direito, contribuindo dessa forma para a manutenção perpétua de um sistema que conflita diretamente com todo o ordenamento jurídico (legal, constitucional e internacional). São coniventes (para não dizer responsáveis) com a manutenção de um sistema proibido, ou seja, vedado pelo Estado de Direito.

Mesmo assim, continuam enfrentando (menosprezando, ignorando) as normas jurídicas vigentes, em lugar de exigir respeito aos direitos humanos (tanto das vítimas quanto dos presos, que são vítimas dos desmandos do Estado, que conta, nesse ponto, com amplo apoio popular). Até quando os juízes brasileiros em sua maioria (há exceções honrosas) continuarão com os olhos vendados, não querendo enxergar a situação degradante e humilhante tanto das vítimas dos crimes quanto dos presídios brasileiros?

*Colaborou Mariana Cury Bunduky é advogada e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.


Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Acompanhe meu Blog.
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Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2012


NOTA DO EDITOR: O Prof.Dr. Luiz Flávio Gomes, pessoa pela qual tenho grande respeito, parece que fala como se nunca tivesse sido, o que foi, Promotor de Justiça e Juiz de Direito, mas sim como se só vivesse nos bancos acadêmicos, no que lamento.


Não há dúvidas que o sistema penal está falido desde de Beccaria, integrando o mesmo o sistema prisional que realmente são depósitos de pessoas humanas, com algumas exceções como as APAC's em Minas Gerais que tem apresentado baixo índice de reincidência os seus ingressos, assim como agora, de forma inédita no Brasil, Minas Gerais vai inaugurar o primeiro Presidio em parceria público privado, no que pensamos que é a saída para a falta de investimentos públicos no sistema que não dá retorno político.


O Ministério Público poderia ajuizar ações civis públicas visando melhorar essas condições, enquanto isso, não há como deixar de encarcerar todo aquele que vem a ser condenado com trânsito em julgado a pena a ser cumprida em regime semiaberto ou fechado, assim como, ainda que de forma excepcional, os encarceramentos provisórios ou preventivos que se fizerem necessários.


O que o Judiciário pode fazer, em especial os juízes de varas criminais, é aquilatar a real necessidade do encarceramento provisório diante do caso concreto, atento ao disposto no art. 312 do CPP e ao princípio da proporcionalidade, o que não dá, com o devido respeito, é para acompanhar a manifestação do douto doutrinador que ganha ressonância teórica mas não prática.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

SENSO INCOMUM POR LENIO LUIZ STRECK

24 maio 2012
Senso Incomum

Conhecimento fast food, Homer Simpson e o Direito

Caricatura Lenio Streck [Spacca]



Dia desses, andando por entre as arborizadas alamedas da Unisinos, conversávamos Leonel Rocha, Vicente Barreto e eu sobre a crescente ascensão da fragmentação do saber, convertido cada vez mais em pedaços de conhecimento. E Vicente recitava, magnificamente, T. S. Eliot: “Onde está a sabedoria que se perdeu no saber; onde está o saber que se perdeu na informação?”. Com efeito. Tem razão. E o Direito parece ser o lócus privilegiado desse “mundo que não muda”, dessa cultura prét-à-porter à “disposição” como “secos, molhados e miudezas em geral” (os mais jovens não se lembram dos antigos armazéns). É neste ponto que o Direito é invadido pela liquidez da pós-modernidade (com todos os problemas que esse conceito acarreta). E um dos instrumentos que liquidificam o Direito é a internet. É inegável que a internet alterou as nossas vidas. Poucos, muito poucos, conseguem viver sem ela. Mas ela nos fornece apenas porções de sentido. Migalhas. Não mais do que isto.
Vivemos em um tempo em que, cada vez mais, somos movidos por “conceitos sem coisas”. Frases (enunciados) sem contexto. E tentativas de esmagar o mundo e colocá-lo “dentro dos conceitos”... O Google é um bom exemplo desta novilíngua, desse “mundo-que-parece-querer-(sobre)viver-sem-contextos”. Se você colocar no Google “Cataratas do Iguaçu”, ele vai ter dar “n” informações do tipo: “opero cataratas em clínicas de olhos em Foz do Iguaçu”; se você quiser saber sobre “testemunhas”, vai aparecer, como resultado, testemunhas de Jeová, testemunhas da nova ressurreição etc... Provavelmente nada do que você queria. Claro que deve haver modos de aprimorar a pesquisa. Mas não é disso que se trata. Quero apenas dizer que nossa vida — e a cotidianidade do Direito — acabam sendo uma sucessão de conceitos sem coisas, onde os contextos importam cada vez menos. O Direito, especialmente, se torna acrônico e atópico.

Wittgenstein sabia disso. Por isso, rompeu com o que escrevera no Tratactus. Abandonou a isomorfia (articulação interna do mundo e a linguagem — relação entre nomes e objetos nomeados). Agora, será o contexto de uso que dará sentido ao enunciado. Nos anos 1980, muito aprendi com a filosofia da linguagem ordinária. E, com isso, nas brechas da institucionalidade, fazíamos teoria crítica. Se, de um lado, Fr. Müller nos mostrava que texto e norma eram (e são) coisas diferentes, nós, linguisticamente, usávamos o contexto de uso. Brincávamos com o exemplo de uma lei que proibia o uso de topless na praia... Na praia de Ipanema, o enunciado tinha um sentido; já na praia do Pinho, onde se praticava o nudismo, o sentido era absolutamente inverso. Com isso, jogávamos os sentidos para a faticidade. Nem quero falar aqui do que representou aquilo que podemos denominar de giro ontológico-linguístico, a partir de Heidegger (filosofia hermenêutica) e Gadamer (hermenêutica filosófica). Essa foi a minha fase posterior, pós-analítica. Mas isso fica para outra ocasião.

Sigo. Dia destes, fui testar o Google, para saber o quanto ele (não) “recepcionou” os giros linguísticos... (sarcasmo!). Procurei saber se a famosa “ponderação” — tão propalada e repetida ad nauseam nos quatro quantos do país — era princípio ou regra (já vi questão de concurso dizendo que era princípio). Coloquei entre aspas “princípio da ponderação” e “regra da ponderação”. Resultado: 37.700 incidências dando a ponderação como princípio e 1.390 como regra. Se o aluno (considerando, de barato, que os professores fiquem fora dessa querela) for preguiçoso e, em vez de ler a fonte (Alexy), for ao Google, vai pagar o maior mico. Ponderação não é princípio. Ponderação é um modo de resolver colisão de princípios. Como tudo em Alexy é aplicado por subsunção, o “produto” final da resolução dessa colisão é uma regra adstrita (regra de direito fundamental), que será aplicada para resolver o caso concreto (e os próximos similares).

Viram como é perigoso o Google? Viram como é perigoso trabalhar com conceitos “sem coisas”? Viram como apostar na maioria nem sempre é que dá resultado? Qualquer néscio pode alimentar o Google. Qualquer imbecil pode colocar coisas na Internet. Dia desses, li uma frase em um banheiro de Buenos Aires que traduz muito bem essa questão das maiorias: coman mierda; mil millones de moscas no pueden estar equivocadas. Captaram? Por isso, não gosto de maiorias. Gosto da Constituição. Gosto da Constituição porque ela é um remédio contra maiorias.[1] E eu sou anterior à Constituição. Fui recepcionado por ela. Sou absolutamente constitucional. Com efeito ex tunc! Sem modulação de efeitos! Não cabe ADIN contra mim.

Informação não é saber. Conceitos sem coisas servem para esconder as “coisas”. Elas “nadificam”. O Google “nadifica” o ser das coisas. “Nadificar”... Do nada, nada fica. A informação “nadifica” e o saber “nadifica” esse nada! Com isso, ele pode ex-surgir. Manifestar-se como fenômeno. Phaenomenon. Por isso, T.S. Eliot estava certo. Parcela considerável dos livros de Direito cada vez mais está preocupada em oferecer informações. Apenas informações. Restos de sentido. E contentam-se com isso. Mas não se atrevem a ofertar o saber. Não arriscam a reflexão. Constrói-se, assim, um mundo de mentira. E ficções. Os que escrevem fingem que ensinam e os que compram fingem que aprendem. Resultado: isso que está aí. Hoje já estão vendendo informação em coletâneas plastificadas, que somente são úteis para quem as quiser ler durante o banho. Ou seja, não bastassem os compêndios que pretendem, já no título, simplificar e facilitar a compreensão (sic) do Direito, agora há “socorros” jurídicos plastificados. Há para todos os (des)gostos. Permito-me descrever apenas parte do conteúdo de um deles (sobre Hermenêutica), no qual nos é dito que a filosofia reinante no liberalismo, apresentado como “vigorante no século XVII” (sic), era o “absolutismo de Schleiermacher”... (sic). Mais: o utente é alertado para o fato de que “o STF retira a eficácia da norma (controle difuso) e remete ao Senado para que este retire a validade da lei”... (sic). Uau! E, digo eu: trata-se, efetivamente, de uma importante “dica” acerca da diferença entre vigência, validade e eficácia, contanto que o “consumidor” não a siga, para que não responda de forma equivocada eventual questão em concurso público...! De todo modo, há uma esperança: na parte em que o resumo trata das antinomias no Código Civil de 2002, os autores assinalam que, se alguma norma civil confrontar com a Constituição, “por certo prevalecerá o texto constitucional”. Mas por que a alocução “por certo”? Deixemos assim. Poderia ser pior...!

Esse imaginário do conhecimento fast food avança dia a dia. Wall Mart. Já li coisas em alguns livros usados na graduação que parecem ter sido escritos pelo Homer Simpson. Há um processo de “periguetização” em marcha. Parece que há uma disputa para ver quem vende mais facilidades aos incautos alunos — na maioria, pretendentes a uma carreira do Estado. Seria interessante fazermos um ranking para saber quem escreve de forma mais simplificada e mais néscia. Quem diria coisas mais óbvias? Tenho alguns indicativos, como “coisa alheia no furto é aquela que não pertence à pessoa”; “agressão atual é aquela que está acontecendo”; “os crimes comuns são os descritos no Direito Penal comum; especiais, os descritos no Direito Penal especial”; “crimes instantâneos são os que se completam num só momento”; “chave falsa é um instrumento para abrir fechaduras”; “causa superveniente é aquela que ocorre após”; “a preguiça e o desleixo excluem o dolo do crime de prevaricação”, e assim por diante.

E, cada vez mais, o Direito vem imitando a linguagem da TV. Dias desses, vi um programa de esportes na TV. Tratava de um time de futebol do interior. O repórter, como qualquer do seu meio, parece não saber apresentar a notícia sem fazer “metáfora”, alguma “gracinha” ou usar linguagem em duplo sentido. Muito engraçado. Não aguento. Atiro-me ao chão. Farfalho. Eles são pândegos. Galhofeiros (estou sendo sarcástico, é claro). Então o repórter queria dizer que o time X disputaria o campeonato a galope. E o que ele mostrou? O técnico do time montado... em um cavalo. E um galope. Uau. Que metáfora... Mas, pergunto: se é metáfora, por que, para mostrá-la, é necessário ser isomórfico, isto é, “colar” palavras e coisas? Explicando melhor: uma metáfora serve para explicar coisas que as pessoas poderiam não entender... Pensem na Bíblia, rica em metáforas, metonímias... Agora, se para “metaforizar” é preciso “mostrar” a “própria” metáfora, ou seja, “demonstrá-la”, já não se está mais em face de uma metáfora. Imaginem o repórter contando a Bíblia: “então Jesus contou a parábola do filho pródigo...” E a imagem mostra um filho, andrajoso, voltando para os braços do pai... Imagem é tudo. Por isso, aos poucos, os professores parecem que já não sabem dar aulas sem o “pauerpoint”... É um sintoma disso. Tem que mostrar letrinha, figurinhas... E leem para os alunos o que está na pantalla. Na aula de Direito Constitucional, quando falam em poder constituinte, tem que mostrar a foto do parlamento. Claro. Os alunos pode(ria)m pensar que poder constituinte pode(ria) estar ligado a um estádio de futebol... Afinal, Romário não é deputado?

Incrivelmente, a TV criou um “método” pelo qual o telespectador é tomado por débil mental (qualquer semelhança com o ensino jurídico e os concursos públicos e suas infames “pegadinhas” não é mera coincidência). Por isso, como diz Galeano, pobres, verdadeiramente pobres, são os que não têm liberdade senão para escolher entre um e outro canal de TV. E eu acrescento: pobres dos juristas, especialmente os estudantes, que não têm liberdade senão a de escolher entre um manual e outro... Nesse imaginário, as pessoas não pensam. Tem-se que “pensar por elas”. Por isso, a “ideia” deve vir “pronta”. Para falar da enchente, o repórter tem que ficar com água pelo pescoço. O trigo está subindo de preço... Onde está o repórter? No meio de um trigal, é claro! (Trigo igual a trigal... isomorfia... colando o “relé”, como se diz na minha terra!). No Direito, o aluno não tem que saber a história do Estado Moderno, a descontinuidade entre a Forma Estatal Medieval e o Absolutismo... Não. Basta ele saber um drops, que cabe em uma mensagem de twitter. Por isso, ao invés de ler Schleiermacher, o aluno lê a publicação plastificada e aprende... nada (e erra até o século em que o Friedrich S. viveu). Por que ler a Teoria Pura do Direito se é possível ler o resumo dela em sete linhas que um determinado manual faz? Por que estudar a fundo o que seja um princípio se o mais fácil é repetir o mantra “princípios são valores”... E, depois, mais fácil ainda é sair repetindo “princípios” como o da felicidade, da afetividade, da eventual ausência do plenário, da rotatividade... Claro: em um país em que “judicializaram o amor”, o que mais é preciso fazer?

Imagem é tudo. Um conjunto de informações encobre a necessidade do saber... Pergunto: ainda há saída? O pior é que nem podemos dizer que alguns autores de plastificações, compêndios simplificadores e membros de bancas de concursos-que-gostam-de-fazer-pegadinhas deveriam voltar a estudar. Pode ser crime (lembremos o caso do júri Lindemberg em SP; minha dúvida é se caberia exceção da verdade...). PS: foi uma ironia!

Quando lemos alguns livros que querem trazer informações para os estudantes, vemos coisas incríveis, como que a repetir os positivismos do século XIX. Alguns “ensinam” o método de Savigny, sem qualquer contexto. E falam sobre Savigny como se fossem íntimos. Sobre a Escola Histórica falam como se esta fosse um conceito sem coisa... Chegam a reificar o conceito. Até mesmo na Suprema Corte ainda é possível ler frases que bem poderiam estar na boca dos exegetas franceses ou dos pandectistas alemães. Como se palavras e coisas fossem coisas “coladas”. E como se a lei “carregasse” o Direito (mas não esqueçamos do lado B disso tudo...: Angelo I e Angelo II, dos quais tratei em um texto anterior desta coluna, no É possível fazer direito sem interpretar?).

Ora, o que nos coloca no mundo é a metáfora. Entre o significante e o significado se faz uma barra (que pode ser chamada de metáfora). Lembremos, aqui, de Saussure e Lacan — para dizer o mínimo, sem sofisticar a questão. Se eu digo que tenho uma bomba, você não precisa se atirar no chão. Bomba não é “bomba” (“em si”). Trago comigo apenas uma notícia bombástica, como, por exemplo, que um determinado livro de informação de baixa densidade gnosiológica já vendeu mais de 300.000 exemplares... Não é uma “bomba”? Dá para perceber? As palavras não “carregam” a essência das coisas. No Nilo não está a água do rio Nilo. (Fosse na TV, o repórter, ao dizer essa frase, estaria mostrando... o rio Nilo; fosse na Globo, lá estaria Zeca Camargo em um barco, para mostrar a água do Nilo).

Não reflita; não pense; alguém “pensa por você”. Não estude. Não leia nada que tenha mais de 140 caracteres. Não leia parágrafos longos. Seja relativista. Diga que “cada um pode ter a sua opinião sobre qualquer coisa”. Sustente que “gosto não se discute”. E que nada é verdadeiro (inclusive a sua frase!). Você pode “provar” que Michel Teló é tão bom quanto Chico Buarque... E, fundamentalmente, afaste-se de livros complicados. Descomplique a vida, o pá! Não queira saber o que Dworkin fala sobre os princípios... Isso pode ser explicado em cinco linhas... Precisa para o quê e para quê, se depois que você se tornar uma autoridade, você é que “fará as leis”? Se você é juiz, despache como quiser; o idiota do advogado que encontre o modo de opor embargos; depois, despache dizendo “nada há a esclarecer”... Ele que entre com um agravo, que, obviamente, será transformado em “retido” (e, às vezes, nem isso!)... Falta um centavo no preparo? Livre-se do recurso! Negue-o! E todos cumprirão a meta do CNJ. Efetividades quantitativas. Eis o mote. Eis a pós-modernidade. Eis a imagem da Justiça. E imagem é tudo.

Retorno. Desde os sofistas que sabemos que palavras e coisas não estão “coladas”. Na palavra “rosa” não está o perfume da flor. A palavra estupro não “carrega” a essência de “estuprez”. Antígona entendeu bem isso. Seu direito não cabia na lei de Creonte! Infelizmente, o Direito (ensino e prática cotidiana), assim como a Televisão, ingressam perigosamente nessa “isomorfização”. A TV Globo tentou ensinar filosofia no Fantástico. E a dublê de repórter-filósofa, para ensinar o Mito da Caverna, teve que entrar... onde? Em uma caverna, é claro. É demais. Imagem é tudo. Depois ela subiu em um caminhão em movimento, para ensinar... o quê? O movimento da tese heraclitiana. Fico pensando como a filósofa mostraria a Navalha de Ockhan... Ela, com uma navalha, fazendo a barba de alguém? Que tal? E como seria a “imagem” (sic) do Cogito? Um ator interpretando Descartes, tomando cerveja em Ulm, na Alemanha? Ou ainda: de que modo seria uma reportagem sobre o bunga-bunga do Berlusconi? Vou estocar comida. E palavras. Podem vir a faltar, no futuro.

Estamos condenados a interpretar. Quando a TV insiste em “colar” palavra e coisas (imagens e palavras das quais a imagem fala), está negando a inexorabilidade da interpretação. E o Direito não é diferente. Não há uma imanência entre palavras e coisas. Sempre estamos procurando fazer pontes para saltar por sobre essa cesura. Nessa intensa procura, há algo que é inacessível e isto parece incontornável (aqui parafraseio Heidegger). Ou algo que é incontornável e que, por isto, inacessível. Conteudística ou procedimentalmente, é essa incerteza que, consciente ou inconscientemente, move-nos em direção a essa longa travessia. E essa travessia somente é possível na e pela linguagem. Afinal, como bem disse Heidegger, Die Sprache ist das Haus des Seins; in das Haus wohnt der Mann” (a linguagem é a casa do ser; nessa casa mora o homem). Não há um objeto do outro lado do abismo gnosiológico que nos “separa” das “coisas”. E tampouco há um sujeito — assujeitante — capaz de fazê-lo.

Por isso — e permito-me sofisticar um pouco a coluna, até para sairmos desse imaginário pequeno gnosiológico que domina as práticas cotidianas e o ensino jurídico —, Stephan Georg é definitivo, ao bradar: “kein Ding sei, wo das Wort gebricht”. Que nenhuma coisa seja onde fracassa a palavra, ele diz. Onde falta a palavra, nenhuma coisa! A coisa é o que tem a necessidade da palavra para ser o que é. E é Hilde Domin que encerra o butim das palavras: “Wort und Ding legen eng aufeinander; die gleiche Körperwärme bei Ding und Wort”. Palavra e coisa jaziam juntas; tinham a mesma temperatura a coisa e a palavra...! Mas, acrescento eu, depois se separaram. Daí o trabalho que temos para des-velar esse mistério que existe desde a aurora da civilização. Talvez fazendo uma caminhada antimetafísica: diferenciando (e não cindindo ou dualizando) texto e norma, palavras e coisas, fato e Direito...
Talvez tenhamos recebido o castigo de Sísifo; rolamos a pedra até o limite do logos apofântico e imediatamente fomos jogados de volta à nossa condição de possibilidade: o logos hermenêutico. Eis o castigo ou a glória: a de estarmos condenados a interpretar! Se um texto legal conseguisse abarcar todas as hipóteses de aplicação, seria uma lei perfeita. No fundo, é como se conseguíssemos fazer um mapa que se configurasse perfeitamente com o globo terrestre. Só que já não seria mais um mapa...! E isso seria apenas informação. Não seria um saber. Seria a “própria coisa”. E se o mundo não precisasse de interpretações, seríamos deuses... E isso não teria graça nenhuma.

Encerro, porque já passei de 140 caracteres... Já na biblioteca, atravessadas duas alamedas, marcamos, Vicente, Leonel e eu, novo encontro para discutir as condições de possibilidade para romper com essa denúncia de T.S. Eliot. É um trabalho árduo. Mas não nos assusta. Nasci no meio do mato. Literalmente. Na Várzea do Agudo, lugarejo no interior do interior, onde o mato carece de fecho, como em Grandes Sertões. Parido de parteira. Como a linguagem surge na falta (Lacan), expedito, fui me adiantando... E estocando palavras. E já saí agarrado nelas, catando letrinhas. Desde cedinho. Sim, o mundo está cheio delas: as palavras. Com elas não me assusto. Se antes catava palavras, hoje elas correm atrás de mim, parecido com o que diz o meu poeta preferido Manoel de Barros. Gostava de brincar com elas, as palavras. Meus pais apostavam que, por ficar palavreando o tempo todo, daria-me bem em lides forenses. Sim, palavra é pá-que-lavra, como brinco nas diversas edições do meu Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Do mesmo modo que Constituição é algo que “constitui-a-ação”. Eu “constituo-a-ação”... Gosto de dizer isto. Por isso acredito tanto nela. E fico palavreando com o mundo. Minha profissão, na verdade, sempre foi a mesma de meus pais, que nunca estudaram. Sua ferramenta era a enxada. E a pá. Com ela lavravam a terra. Com o que me sustentaram. A minha ferramenta é também a pá. Sim, a pá-que-lavra. Palavra. Lavra sulcos para plantar sementes nas imaginações. Sementes de sentido. Pequenas colheitas já me bastam. Saciam-me. De saber. E não de informação! Por aqui se diz “churrasco e bom chimarrão”... McDonald’s, não!



[1] Não se automedique lendo (tomando) placebos... Persistindo os sintomas, leia a Constituição. Este medicamento não é recomendado para casos de estultice.


Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2012