"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



domingo, 29 de julho de 2012

JUIZ SEM ROSTO ?


Artigos

29 julho 2012
Proteção do juiz

Nova lei não cria a perigosa figura do juiz sem rosto


A Lei 12.694/12 foi sancionada no dia 24 de julho de 2012 e só entrará em vigor no mês de outubro do mesmo ano, trazendo regras que ocasionarão algum aprimoramento da independência dos juízes brasileiros, dentre elas a possibilidade de julgamentos colegiados no primeiro grau, medidas para segurança nos fóruns e uso de placas especiais em veículos utilizados por magistrados ou membros do Ministério Público.

As medidas são, em verdade, modestas, em vista das pretensões de desenvolvimento da 5ª economia do planeta. No entanto, já sofrem precipitadas críticas, que majoritariamente apontam violações a direitos fundamentais do acusado.

Cabe questionar: a nova lei protege magistrados em detrimento de jurisdicionados?

Seguramente, afirmo que não.

Inicialmente, registro que, ao contrário do que hodiernamente se dissemina no Brasil, a independência judicial é atributo estatal intimamente ligado à preservação de direitos fundamentais, expressamente consignada no artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos e artigo 14, 1, do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos.

Um excelente trabalho da professora Linda Camp Keith[2], da Collin County Community College, no Texas, analisa a extensão do impacto da independência judicial na proteção dos direitos humanos em todo o mundo, concluindo pelo seu indispensável papel em tempos de ameaças externas ou domesticas e em períodos emergenciais.

O sempre brilhante desembargador federal Vladimir Passos de Freitas, no artigo intitulado “O Poder Judiciário brasileiro no regime militar[3]”, aborda, com cirúrgica precisão, como a manipulação da Justiça contribuiu para a operacionalização da ditadura, enfatizando o aumento do número de ministros do Supremo Tribunal Federal, a expansão da competência da Justiça Militar Federal, a cassação de juízes, a exclusão de alguns atos da apreciação judicial e o banimento das pessoas “nocivas à segurança nacional”.

É válido acrescentar que, durante o 7º Congresso das Nações Unidas para prevenção ao crime e tratamento de delinquentes, realizado há mais de vinte e cinco anos, foram estabelecidos 20 princípios básicos para a independência do Judiciário, dentre eles a obrigatoriedade de previsão legal de segurançae remuneração adequada (11o princípio).

Um estudo da empresa de auditorias KPMG indicou que o Brasil perde, anualmente, cerca de R$ 160 bilhões com fraudes. Apenas a título de comparação, os gastos com a Copa do Mundo de 2014 serão de pouco mais de R$ 27 bilhões. Por aqui operam organizações criminosas sofisticadas, com estruturas em moldes empresariais e disposição financeira para criar ramificações na administração pública.

Talvez por esta razão se desenvolvam tão rapidamente no Brasil políticas voltadas à redução das prerrogativas da magistratura. Basta um pequeno esforço para lembrarmos dos elogios que determinado Senador — cassado por envolvimento em organização criminosa voltada à exploração de jogos de azar — arrancava da sociedade ao se posicionar contra a vitaliciedade dos magistrados (PEC 89/03, perda do cargo por processo administrativo) e a favor da redução das férias dos juízes. Ilustrativo citar algumas de suas populares manifestações, facilmente encontradas na internet:

“Se o juiz alega que necessita de férias de mais de 30 dias porque vara a noite analisando processos, o gari, o médico e o advogado também deveriam ter 60 dias de férias”.[4]
“A vitaliciedade não é eliminada pela PEC”, mas “assume função mais condizente com um Estado no qual os predicamentos de determinadas autoridades não podem ser confundidos com privilégios.”[5]

“Foi o presidente da Comissão, o senador (...), quem bateu o pé. Se os juízes não aceitassem incluir o recesso forense no período de dois meses a que têm direito, até os 60 dias estariam em risco[6].”

“Os senhores têm que lutar contra o crime, tenha paciência!"[7]

Definitivamente, já é chegado o momento de a população conhecer os ardilosos objetivos que permeiam os incessantes ataques à magistratura.

Voltando à novel legislação, os principais questionamentos se referem à possibilidade de o órgão colegiado de primeiro grau se reunir de forma sigilosa (art. 1o, §4o) e de publicar suas decisões sem referência a voto divergente de qualquer dos membros (art. 1o, §6o).

Tais inovações criam no Brasil a figura do “Juiz sem rosto”? Com a máxima vênia aos mais desatentos, demonstrarei que não.

A finalidade precípua da identificação do magistrado que processará e julgará o feito é oportunizar que as partes questionem, nos autos, sua imparcialidade, apontando possível suspeição ou impedimento do julgador. A razão é clara: toda pessoa tem o direito de ser julgada por um tribunal independente e imparcial (art. X da Declaração Universal dos Direitos Humanos) e tal prerrogativa é inerente ao devido processo legal.

Em alguns países, em resposta à expansão massacrante da criminalidade, foram criados tribunais especiais compostos por juízes anônimos, não identificados ou identificáveis, estratégia que ficou conhecida como uso de “juízes sem rosto”. O procedimento suscitou inúmeras reflexões, por notória violação aos princípios do Juiz natural (nos países em que não havia distribuição por sorteio) e do devido processo legal, pela impossibilidade de suscitar a parcialidade do julgador.

Em acertada decisão no caso Castillo Petruzzi, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que a condenação de quatro chilenos à prisão perpétua, por um tribunal peruano “sem rosto”, violava a garantia do devido processo legal.

Não é esta, contudo, a orientação da Lei 12.694/2012. A nova lei preserva a figura do juiz natural. A distribuição do processo (ou do procedimento) deverá ser feita regularmente, por sorteio. O juiz para o qual o feito foi distribuído será devidamente identificado, como ocorreria em qualquer outro processo, oportunizando que as partes suscitem sua suspeição ou impedimento.

Se o magistrado decidir pela formação de colegiado, deverá consignar, em decisão fundamentada, as razões que o levaram a considerar que sua integridade física está em risco, sendo obrigado a dar conhecimento da decisão à sua Corregedoria. O colegiado será formado pelo juiz do processo e por outros dois juízes, escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal, em exercício no primeiro grau de jurisdição, igualmente identificados, o que novamente possibilitará que seja questionada eventual parcialidade.

As decisões do colegiado deverão ser devidamente fundamentadas e assinadas por todos os seus integrantes. Contudo, mesmo que a decisão não seja unânime, não poderá ser publicada qualquer referência ao voto divergente. Deste modo, não será possível aferir qual dos integrantes do colegiado não concordou com os demais, o que evita que a pessoa eventualmente insatisfeita com a decisão se volte contra este ou aquele magistrado.

Igual procedimento já é adotado no Brasil desde 2008, com a supressão, pela Lei 11.689/2008, da obrigatoriedade de o escrivão declarar o número de votos afirmativos e negativos, após a votação de cada quesito nos processos sujeitos a julgamento pelo Tribunal do Júri[8]. Assim, não é possível saber se uma decisão do Conselho de Sentença foi tomada por unanimidade ou por maioria, o que preserva a segurança e independência dos jurados.
Como dito alhures, não teremos por aqui a perigosa figura do juiz sem rosto, mas um permissivo processual que garantirá que nossos magistrados continuem a atuar com a coragem indispensável à sublime função de julgar.

É claro que ainda é cedo para tecer comentários mais profundos sobre o novo texto. Considero, contudo, que um diferente caminho está sendo trilhado em direção à verdadeira concreção dos direitos fundamentais, distanciando o ordenamento brasileiro do pseudo garantismo que vinha favorecendo, ingênua ou intencionalmente, o crime organizado.


[1] Juiz de Direito. Foi Advogado e Agente de Polícia Federal. Autor dos livros “Questões cíveis enfrentadas pelo STF e pelo STJ em 2007” (ISBN: 978-85-7716-414-1) e “Questões Criminais enfrentadas pelo STF e pelo STJ em 2007” (ISBN: 978-85-7716-415-8). hugotorquato@hotmail.com
[2] Keith, Linda Camp. “Judicial Independence and human rights protection around the world”. Texas: Judicature, 2002.
[3] FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário brasileiro no regime militar. São Paulo: Consultor Jurídico, 2009. Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-dez-20/segunda-leitura-poder-judiciario-brasileiro-regime-militar.
[4] http://www.idadecerta.com.br/blog/?tag=ferias
[5] http://ww1.anamatra.org.br/003/00301009.asp?ttCD_CHAVE=110388
[6] http://www.conjur.com.br/2009-dez-01/juizes-mesmos-direitos-promotores-procuradores
[7] http://www.mp.pe.gov.br/index.pl/clipagem08122010_comissao
[8] Redação anterior: Art. 487 - Após a votação de cada quesito, o presidente, verificados os votos e as cédulas não utilizadas, mandará que o escrivão escreva o resultado em termo especial e que sejam declarados o número de votos afirmativos e o de negativos.

Hugo Barbosa Torquato Ferreira é juiz de Direito no Acre. Foi advogado e agente de Polícia Federal.

Revista Consultor Jurídico, 29 de julho de 2012

sábado, 28 de julho de 2012

PENAL E PROCESSO PENAL: UMA VISÃO !


Artigos

28 julho 2012
CPP ultrapassado

Direito Penal deve dar alternativas em vez de respostas


O célebre escritor francês Victor Hugo, em sua obra “Os Miseráveis”, conta-nos inesquecível e emocionante passagem de seu livro:

“Jean Valjean, tendo servido durante 19 anos nas galés (cinco por roubar um pão para sua irmã e seus sete sobrinhos passando fome, e mais 14 por inúmeras tentativas de fuga) acaba de ser libertado. Valjean é marginalizado por todos que encontra por ser um ex-presidiário, sendo expulso de todas as estalagens. Ele iria dormir na rua, mas é recebido na casa do benevolente Bispo Myriel (conhecido como senhor Benvindo), o Bispo de Digne. Mas em vez de se mostrar grato, rouba-lhe os talheres de prata durante a noite e foge. Logo é preso e levado pelos policiais à presença de Benvindo. O Bispo salva-o alegando que a prata foi um presente e nessa altura dá-lhe dois castiçais de prata também, repreendendo-o por ter saído com tanta pressa que esqueceu essas peças mais valiosas. Após esta demonstração de bondade, o bispo o ‘lembra’ da promessa (que Valjean não tem nenhuma lembrança de ter feito) de usar a prata para tornar-se um homem honesto”.

Rejeitado pela sociedade por ser um ex-presidiário, Bispo Myriel muda a vida do personagem Jean Valjean. Ele assume uma nova identidade para seguir uma vida honesta, tornando-se proprietário de uma fábrica e prefeito. Ele adota e cria uma filha, salva uma pessoa da morte, e morre imaculado com uma idade avançada.

A vida e a solução de suas tormentosas aflições, a desordem e o embate entre indivíduos na sociedade, devem receber solução mais refletida e profilática, do que o encarceramento do ser humano nos porões de suas sombrias masmorras.

Nosso ainda vigente e ultrapassado Código de Processo Penal de 1941, em seus artigos 386 e 387, bem resumem a que se presta a intervenção judiciária na discussão da infração penal: ou o juiz condena, ou absolve o agente.

Noutras palavras, a lei penal brasileira veda terminantemente outra solução para um processo penal. É vedado ao juiz promover a concórdia, resgatar a dignidade, afagar traumas ou acalentar o marginalizado.

O juiz do processo penal anda em trilhos que o escravizam, que o levam a lugar nenhum. Não deve, pela nossa lei penal, ousar o magistrado a pacificar o conflito com o óbvio e o evidente. Por mais perceptível e sentida que seja a solução da lide, somente lhe é dado aquelas duas malditas alternativas.

A solução pacífica do litígio, a mediação e a conciliação, demais técnicas de composição amigável, são expressões que ressoam como uma blasfêmia à legislação penal, uma heresia ao Direito Penal ainda posto em vigência.

Não! Definitivamente, não! Não deve o magistrado jamais se apiedar, compreender ou se interessar pelas nuances do crime e sua história ou mesmo seu drama mais do que o necessário para a formação de seu “juízo de convencimento”. Afinal, o CPP quer que seu convencimento seja apenas o bastante e suficiente para mandar o agente para o xadrez ou absolvê-lo.

O crime é um fato social que deve ser recortado da vida de seu agente, para se extrair apenas dele uma paisagem contemplativa, aonde nada poderá ser feito pelo outro pedaço de vida que ficou para trás. Deve ser desinteressante ao julgador saber das amarguras e percalços enfrentados pelo acusado antes do cometimento do crime.

A palavra da vítima, se não for para a formação da culpa, também será desimportante para o processo penal. Seus anseios não interessam ao processo penal de hoje. Quer por que se quer, ao arrepio das leis da física, que o Estado seja o verdadeiro lesado pela infração, o chamado “sujeito passivo direto”. O ofendido, mero coadjuvante, deve ser concebido como indiretamente atingido pelo delito.

Interessante notar que quando verdadeiramente atingido o erário, a fazenda pública, a administração pública, o direito penal, aí condescendente, recebe plasticidade e envergadura máximas. O parcelamento e quitação do tributo impedem a deflagração do processo penal, o rombo na previdência social pública pode ser escusado pelo refinanciamento ao seu sonegador. Está certo, são técnicas de encerramento de demandas que mais satisfazem o Estado Democrático, do que a prisão do ser humano.

E assim por diante, como acontece nestes delitos do colarinho branco, deve ser o processo penal para toda a sociedade em geral. A evolução do sistema punitivo estatal deve evoluir, para todos, sem distinção, para contemplar meios e recursos que eficazmente ponham fim às causas e consequências da infração penal. A punição exemplar depois de solucionada a falta cometida talvez seja um plus descartável.

O avanço destruidor do “crack” na sociedade e, principalmente, na célula familiar, pode ser citado, talvez, como o maior exemplo de quanto o juiz brasileiro é refém de um sistema processual penal que, definitivamente, não funciona bem. A sentença final, inflexível e indiferente ao sentimento das partes, espera do juiz outra coisa, mais simples, menos heroica.

Não se quer, aqui, abolir a pena privativa de liberdade.

Mas não se pode ter em mente a prisão como primeira e imediata resolução para o crime. Não se pode inocular o mesmo antídoto para doenças diversas. Assim como a aspirina não cura o canceroso, a quimioterapia não é indicada para a dor de dente.

O Direito Penal não pode, em cruel rol taxativo, estabelecer qual a melhor resposta para o crime praticado. Pode e deve, sim, estabelecer várias alternativas, rotas de auxílio, atalhos para aplacar as consequências da infração e metas a serem alcançadas. Jamais ousar a impor ao magistrado que a primeira e a única opção, a mais reluzente aos seus olhos, deva ser o encarceramento do ser humano.

O Ministério Público e a Defensoria Pública seriam os fiscais do acerto da profilaxia judicial eleita no processo penal. O irresignado poderia se insurgir quanto à solução adotada pelo juiz em cada caso concreto. A opção pela prisão do agente deverá ser a ultima ratio.

A prova dos nove do que diz aqui é muito simples. O que são as prisões hoje no Brasil? Escolas do crime, às vezes com mestrado e doutorado. O condenado entra como um principiante ladrão-de-galinhas e sai como sócio remido de alguma facção ou organização criminosa, com diversas empreitadas já previamente estabelecidas para após sua liberdade. Se não aceitá-las, talvez morra por ser tido como infiel desertor, a mando de seus colegas de cela.

A medicina psiquiátrica, a psicologia, a assistência social, a pedagogia, entre outras tantas ciências complexas e salvíficas, despontam em nosso país, com excelentes e renomados profissionais. Temos que abrir as portas dos fóruns a essa gente dedicada e qualificada, que muitas coisas nos têm a dizer e ensinar.

Assim como o inadequado uso de um antibiótico pode aniquilar seus efeitos para sempre. A prisão, como resposta estatal para o crime, pode, também, para sempre destruir um ser humano, por algo que muito bem poderia ser tratado e curado de outra forma, mas simples e eficaz.

Vamos sair às ruas para colocar todos os vendedores de CD’s piratas e usuários de “crack” na cadeia? Jogar aquele “flanelinha” suspeito na grade?

Isso vai, sinceramente, resolver alguma coisa?

O legislador deve confiar no Poder Judiciário, confiar na criatividade e experiência dos juízes e tribunais. Autorizar que esses agentes promovam a paz social, por todas as formas possíveis, abrindo um leque infinito de opções para tanto. O rol de penas restritivas de direitos inibe a criatividade dos juízes, não se presta para a infinidade de casos que se apresentam no dia-a-dia, sem falar que são meramente substitutivas.

Enfim, esse é hoje o maior desafio que o Direito Penal deve enfrentar, se quiser estar afinado com a questão da dignidade da pessoa humana. Transformar a sentença penal em instrumento efetivo e concreto de pacificação social, longe de paredões e cadafalsos.

Carlos Eduardo Rios do Amaral Defensor Público do Estado do Espírito Santo

Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2012


quarta-feira, 25 de julho de 2012

STF ESTÁ ACIMA DE PRESSÕES, DIZEM MINISTROS


STF está acima de pressões, dizem ministros

25/07/12 - 09:36

POR Frederico Vasconcelos
Reportagem de Fausto Macedo, em “O Estado de S. Paulo” nesta quarta-feira (25/7), revela que três ministros do Supremo Tribunal Federal reagiram às declarações da ministra Eliana Calmon, segundo as quais o STF seria julgado pela opinião pública no julgamento do mensalão:

“Quem é ela para dizer que seremos julgados? O Supremo não é passível de sugestões, muito menos de pressões”, disse o ministro Marco Aurélio. “A toda hora estamos sendo julgados. Não é só nesse caso”, afirmou o colega Gilmar Mendes. “O Supremo tem que estar acima dessas paixões passageiras”, disse o também ministro Luiz Fux.


FONTE: http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2012/07/25/stf-esta-acima-de-pressoes-dizem-ministros/

STF SERÁ JULGADO PELA OPINIÃO PÚBLICA, DIZ MIN. ELIANA CALMON


A corregedora Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, afirmou ontem, 23, que o julgamento da ação penal do mensalão, que será iniciado no próximo mês, colocará em xeque também a confiança da sociedade brasileira no Supremo Tribunal Federal (STF).
"Será um bom momento para se ter a ideia do que representa o STF dentro de uma expectativa da sociedade. Acho que há por parte da nação uma expectativa muito grande e o Supremo terá também o seu grande julgamento com o mensalão, como ele se porta diante dos autos. É neste momento que o Supremo passará a ser julgado pela opinião pública", avaliou.

Para a ministra, que proferiu em São Paulo palestra sobre a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça, todo e qualquer poder no regime democrático também se nutre da confiabilidade daqueles a quem ele serve. O resultado prático, entende Calmon, é que mesmo o Supremo, que normalmente não se deixa influenciar pela opinião popular, tem sentido a repercussão gerada pelo caso.

"Ele [o STF] sempre se manteve meio afastado, mas nós já começamos a verificar que efetivamente já não é com aquela frieza do passado. Hoje eles têm sim uma preocupação. O país mudou e a população está participando", avalia. "Não porque a população esteja influenciada pela imprensa. A opinião pública também está sendo formada pelas redes sociais. Ninguém está fazendo a cabeça da população, ela é que se comunica entre si. Isso tem causado a sensibilidade do STF", acredita.

A possibilidade de desmembramento do processo para que os acusados sem foro privilegiado sejam julgados pela primeira instância, questão de ordem que será levantada pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, defensor do ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, e que o STF terá de decidir tão logo inicie o julgamento, é motivo de preocupação da ministra.

"Como juíza criminal, creio que quando se faz essa divisão, se quebra a continuidade da prova. O ideal é que sejam todos julgados pelo mesmo corpo de juízes. Não tenho dúvida de que continuidade do julgamento em bloco, de todas as pessoas que estão ligadas, é o mais benéfico".

Três réus do mensalão dispõem de foro privilegiado por exercerem mandato parlamentar. O STF já negou o pedido de desmembramento duas vezes, seguindo o entendimento da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República, na qual o caso é visto como decorrente da atuação de uma quadrilha e a ação de um réu não poderia ser compreendida por si só.

A ministra também opinou sobre o direito de o Ministério Público fazer por conta própria investigações criminais, questão cujo julgamento está suspenso no STF por conta de um pedido de vista do ministro Luiz Fux. "Sou plenamente a favor do poder investigatório do Ministério Público. Ele tem o poder de, ao examinar as provas, verificar onde há a fragilidade e complementá-la. Não se vai quebrar a perna do MP", cravou.

Os ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski votaram pelo esvaziamento de tais poderes. O presidente do STF, ministro Ayres Britto, já adiantou seu voto em favor da manutenção dos poderes do MP.

Em sua palestra, Eliana Calmon falou das ações do CNJ como o programa Pai Presente, que busca estimular o reconhecimento de paternidade de pessoas sem esse registro - e contra o qual foram impetrados dois mandados de segurança, sem sucesso. Prestes a deixar o atual cargo, disse: "O cargo de corregedora foi o que eu mais ambicionei em minha vida como magistrada".
Autor: Diretas Já na OAB

terça-feira, 24 de julho de 2012

JUDICIÁRIO, ÓRGÃO DO EXECUTIVO ?


Notícias

23 julho 2012
Choque de interesses

Judiciário não pode ser tratado como órgão do Executivo


A presidente Dilma Roussef recebeu, nesta segunda-feira (23/7), o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto. Não se divulgou o teor da conversa, mas não é difícil saber o que o presidente do STF tinha para dizer, no momento em que o governo insiste no congelamento dos salários da Justiça. O Judiciário tem sido tratado, historicamente, como um órgão do Poder Executivo. Ou seja a autonomia financeira e administrativa dos poderes é uma ficção.

Em vez de encaminhar diretamente ao Congresso sua proposta orçamentária, o presidente do STF deve enviá-la ao Palácio do Planalto para ser consolidada na proposta global. Já houve casos de corte puro e simples já nessa fase, e de recomendação ao Congresso para os cortes. No Parlamento, onde o governo é maioria e a ordem da Presidência costuma ser obedecida. A proposta é votada — e, depois de aprovada, o Planalto pode novamente vetar. O Judiciário é tratado como uma criança que pode ficar sem a mesada se não se comportar direito.

Ayres Britto é compreensível e não culpa os atuais governantes. Assegura que esse relacionamento foi calcificado ao longo de séculos e virou cultura. Nesse processo, o Orçamento da União confundiu-se, equivocadamente, com o orçamento do Executivo. Na reunião com presidentes de Tribunais de Justiça, Britto citou o verso de Carlos Drummond de Andrade para ilustrar uma situação em que “cai a Corte, mas não caem os cortesãos”.

O governo federal tem lá seus motivos para controlar a vastidão de uma folha de pagamento infinita — principalmente quando se fala do Executivo e do Legislativo, as duas faces do Poder cuja elasticidade das remunerações permite contorcionismos que o Judiciário não alcança (ao menos não legitimamente). Mas a magistratura e os servidores da Justiça têm também bons motivos para exigir reconhecimento que não se vê.

A Justiça brasileira mudou mais nos últimos 20 anos que durante toda a sua história, atesta a cientista social Maria Tereza Sadek. E mudou mesmo. Principalmente depois da célebre CPI do Judiciário, das operações Anaconda, Furacão e Themis, “da Polícia Federal”, e da criação do Conselho Nacional da Justiça. Paralelamente a esse processo, viu-se outro fenômeno. A Constituição de 1988, seguida de novas leis e códigos, jogou no colo da magistratura questões nunca antes judicializadas. A taxa de um processo para cada habitante (considerando-se duas partes por processo) mostra que a população reconhece legitimidade ao sistema.

Logo, pode dizer o presidente do STF, a questão é substantiva. O Judiciário nunca trabalhou tanto nem viveu tantos riscos, nunca foi tão fiscalizado e, ao mesmo tempo, tão castigado. A responsabilidade aumentou quando se abriram as comportas das demandas represadas. Enquanto isso, as vantagens conhecidas na iniciativa privada como fringe benefits (benefícios suplementares) foram suprimidas. A ponto de hoje a magistratura sonhar com os ganhos que têm os integrantes do Ministério Público.

O processo de “desprofissionalização” do Judiciário, expressão cunhada por Ayres Britto, é uma realidade. Sem predicados que atraiam os bacharéis e servidores mais qualificados, o serviço judiciário não fará frente ao que dele se espera. Evidente. Quatro anos sem reajustes, os juízes; sete anos na geladeira, os servidores — em contas projetadas para 2013, a tesoura do Planalto preocupa a advocacia. “A pior coisa para o jurisdicionado é o seu processo estar nas mãos de um juiz que está penando para fechar o mês”, define o advogado Arnaldo Malheiros Filho.

Sem contar, é claro, que o maior responsável pela carga de trabalho desmesurada e desproporcional da Justiça é o próprio Poder Executivo (seja em nível municipal, estadual ou federal). Os atuais governantes não são criadores dessa aberração, claro. São apenas cúmplices. Sobre a contribuição do Judiciário à tão decantada “governabilidade”, há algo a se dizer. No capítulo da responsabilidade fiscal, o STF ofereceu ao governante todo o ferramental para equilibrar as contas públicas. O mesmo tribunal não deixou passar a menor desobediência ao teto salarial do funcionalismo, em seu próprio desfavor. A lei de greve do funcionalismo, que Legislativo e Executivo não tiveram coragem até hoje de regulamentar, teve suas regras de contenção fixadas pelo Supremo.

Como ocorre com as audiências no gabinete da presidente da República, é sempre difícil saber o teor da conversa. Mas nos próximos dias se saberá se Ayres Britto, ao final de seu mandato, poderá dizer que a presidente Dilma quebrou um paradigma ou se fará eco às palavras do seu antecessor, Cezar Peluso. Em entrevista a este site, ao comentar o desrespeito à Constituição praticado pelo Planalto, o ministro afirmou que o Poder Executivo no Brasil não é republicano — “é imperial”. Ou seja: faz o que quer.

Márcio Chaer é diretor da revista Consultor Jurídico.


Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2012


NOTA DO EDITOR: Essa cultura do "beija mão" é que tem obstado a consolidação da independência funcional e autonomia financeira do Judiciário perante os demais poderes, tendo-o feito servir outrora a interesses ditadoriais dos governos e o tornou o filho pobre desta república formada pelas funções executiva, legislativa e judicial desde Aristóteles.

O legislador constitucional em 1988, como a voz do povo, formalmente consolidou no texto da Lei Maior essas garantias para melhor equilibrio do sistema de freios e contrapesos, mas o Supremo Tribunal Federal, embora saibamos que seja também um Órgão político por ser o representante máximo de um Poder nesta República, não tem assumido uma postura condigente com a Constituição Federal quando se trata do seu próprio orçamento, permanecendo com o "pires na mão" perante o todo poderoso Executivo que estrapola as suas funções neste regime presidencialista.

Se o Poder Judiciário é de fato e de direito a última fronteira de um Estado Democrático e Social de Direito, não pode ficar subserviente a outros poderes em face da questão financeira, sob pena de ter um atuar comprometido em não desagradar quem lhe agrada financeiramente, comprometendo a própria República Federativa do Brasil ao não fazer valer com força o sistema de freios e contrapesos na sua relação institucional com os demais poderes.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

PRESIDENTE DO STF DEFENDE VALORIZAÇÃO DA MAGISTRATURA

Em encontro com juízes, presidente do STF defende valorização da magistratura

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ayres Britto, esteve na manhã desta quarta-feira (18) na sede da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) reunido com quase 50 juízes de diferentes Estados brasileiros, muitos deles presidentes de associações de magistrados. Durante a conversa, que durou quase duas horas, o presidente da Corte destacou suas preocupações com a necessidade de valorização da magistratura, a segurança dos juízes e os riscos de desestimulo à carreira diante do que classificou de “desprofissionalização e desencanto remuneratório”.

O ministro Ayres Britto afirmou que durante seus sete meses na Presidência do STF três “políticas públicas” receberão atenção redobrada. A primeira é a discussão com o Executivo e o Legislativo sobre o 3º Pacto Republicano, que visa racionalizar e prestigiar o sistema nacional de Justiça. Ele explicou que o objetivo é estruturar “uma Justiça mais célere, mais módica financeiramente para as partes e ainda mais comprometida com valores prioritários da Constituição”. Entre esses valores, ele destacou o combate à corrupção, a garantia de tramitação mais célere das ações de ressarcimento ao erário, a aplicação da Lei da Ficha Limpa e da Lei de Acesso à Informação. “Hoje temos de prestigiar a prestação de contas, a visibilidade”, afirmou.

A segunda frente de trabalho é a garantia da segurança pessoal dos magistrados. “A nossa postulação é no sentido de que os vigilantes dos magistrados usem armas”, informou, ponderando a necessidade de que isso seja “rigorosamente” disciplinado. “Nos preocupamos hoje, prioritariamente, com a segurança pessoal dos magistrados, que correm riscos sérios  porque, por definição, proferem decisões que desagradam um dos lados da demanda, quando não os dois lados da demanda”, alertou.  Ele afirmou que “é preciso que os juízes se sintam mais protegidos”. “Não há quem se compare ao magistrado em termos de devoção, de responsabilidade, de cobrança social, de risco de vida”, emendou.
A terceira “política pública”, amplamente discutida pelos juízes nesta manhã, é a luta pela atualização do subsídio dos magistrados e da remuneração dos servidores. “A quadra histórica não é boa do ponto de vista econômico”, analisou o ministro Ayres Britto. Mas ele frisou que o Poder Judiciário está se “desprofissionalizando” e que outras carreiras, mesmo no âmbito jurídico, têm hoje um maior poder de atração que a magistratura.

“Há uma desvantagem para a magistratura e isso é perigoso para a qualidade do desempenho das funções estatais, para o teor de justiça material que se exige de um país civilizado, democrático”, observou. Para o presidente do Supremo, “até os laços da coesão nacional se esgarçam” quando a magistratura experimenta o que chamou de “um desprestigio” remuneratório.

Ele acrescentou que cabe à magistratura “se comportar perante a sociedade como uma âncora de confiabilidade ética, cívica, democrática, técnica”, demonstrando, assim, que os juízes têm de ser tratados com dignidade, proporcionalidade e respeito. “A magistratura nunca pode deixar de ser a mais segura âncora de confiabilidade do povo brasileiro, e isso passa pelo acobertamento dos juízes quanto a vexames financeiros. É preciso despendurar os magistrados do cheque especial, do cartão de crédito”, disse.

Essa foi a primeira vez, desde a criação da AMB, há 63 anos, que um presidente do STF visita a entidade, sediada em Brasília-DF. O ministro Ayres Britto foi recebido pelo presidente da entidade, Nelson Calandra, por juízes da diretoria da AMB e também pelo ex-presidente da associação e hoje juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Mozart Valadares.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

DETECTOR DE METAIS NOS FÓRUNS





Segurança

Juízes e servidores deverão passar por detectores de metais para acesso aos prédios do Judiciário de AP

Desde ontem, 18, todas as pessoas que ultrapassarem o hall de entrada dos prédios do Judiciário do AP estão sujeitas à submissão aos portais de detectores de metais.

A obrigatoriedade de passar pelo detector de metais estava prevista na Instrução Normativa 055/2011-TJAP, porém com exceção a magistrados e servidores.
Em julgamento de Procedimento de Controle Administrativo no CNJ (0005182-11.2011.2.00.0000) ficou determinado que a instrução fosse alterada para retirar a exceção. Assim, foi expedida a Instrução 063/2012-TJAP.
A decisão do CNJ vai ao encontro de resolução do próprio Conselho (resolução 104) que dispõe sobre medidas administrativas para a segurança e a criação de Fundo Nacional de Segurança.
  • Processo : 0005182-11.2011.2.00.0000
___________
DESPACHO



No evento INF24, o Tribunal de Justiça requerido informa a celebração de um acordo entre o Tribunal e a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado do Amapá, não subsistindo a contenda anteriormente existente.
Ocorre que o presente feito já foi julgado na 147ª sessão do CNJ, tendo sido proferida a seguinte decisão pelo Plenário deste Conselho:
Pelo exposto, voto pela improcedência do pedido e, de ofício, pela determinação de que o Tribunal requerido altere Instrução Normativa n° 55 de 03/09/2011, retirando a exceção prevista no art. 1°, § 1°, do referido ato, para que todos sejam submetidos aos detectores de metais indistintamente.
Verifica-se que o acordo celebrado entre as partes se afasta do que foi decidido no âmbito do CNJ. O acordo dispõe sobre matéria indisponível, porque envolve interesse público, envolve a segurança dos usuários dos serviços prestados pelo Poder Judiciário Estadual.
Destaco o entendimento plenário sobre a matéria assim ementado:
EMENTA: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPÁ. DETECTOR DE METAIS. ISONOMIA. EXCEÇÃO PARA MAGISTRADOS E SERVIDORES.
1. A imparcialidade da atividade jurisdicional depende, também, de uma estrutura de segurança para usuários de seus serviços e para todos aqueles que se dedicam à concretização da prestação jurisdicional.
2. A utilização de detectores de metais pretende proteger a integridade física de todos aqueles que freqüentam os Tribunais e Fóruns – membros da magistratura, jurisdicionados, advogados etc. e é parte do plano de segurança criado pelo CNJ com a edição da Resolução 104.
3. Os advogados devem passar pelos detectores de metais e, também, todos os que pretendem ingressar nos prédios em que eles forem instalados. A exclusão de Desembargadores, Juízes, Membros do Ministério Público, Serventuários da Justiça e Autoridades convidadas pelos magistrados da necessidade de atravessar os detectores de metais não só compromete o objetivo dos equipamentos de segurança como implica em uma seleção discriminatória dos possíveis causadores de perigo, com uma distinção não razoável entre os freqüentadores das instalações dos Poder Judiciário.
Pelo exposto, intime-se o Tribunal requerido a demonstrar o cumprimento da decisão plenária do CNJ no prazo de 30 (trinta) dias.
Brasília, 19 de junho de 2012.
JORGE HÉLIO CHAVES DE OLIVEIRA
Conselheiro

segunda-feira, 16 de julho de 2012

CAIXA-PRETA DA OAB


15/07/2012 - 03h00

A caixa-preta do exame da OAB

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DE SÃO PAULO

Em dezembro de 2010, quando se descobriu que uma lambança ocorrida na distribuição das provas do Enem atrapalhara a vida de cerca de 10 mil dos 3,3 milhões de jovens que haviam prestado a prova, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, prontamente anunciou que pediria a anulação do exame.

Seria mais razoável oferecer uma nova prova aos prejudicados (o que foi feito), mas a Ordem defendeu uma posição extrema.

A veneranda OAB fez fama como papagaio de pirata de crises. Há um problema, e lá está ela metendo seu bico. Não importa que o assunto nada tenha a ver com o exercício da profissão de advogado. Nem mesmo que proponha uma nova e absurda prova para 3,3 milhões de jovens.

A OAB tornou-se uma instituição milionária e suas contas estão longe da vista do poder público. O doutor Ophir chegou a dizer que "o Congresso Nacional tornou-se um pântano". Um de seus antecessores, Roberto Busatto, disse que "o comportamento indecoroso de alguns agentes públicos expôs ao desgaste as instituições do Estado".

No seu próprio quintal, ela não é tão vigorosa, muito menos transparente. Há anos pipocam denúncias de fraudes no exame que os bacharéis são obrigados a prestar na Ordem para poderem trabalhar como advogados.

Desde 2007, sabia-se que uma integrante da banca de Brasília vendera por R$ 4.000 as perguntas de uma prova. Posteriormente ela recebeu o título de "melhor examinadora".

Em Goiás, 41 candidatos compraram provas por até R$ 15 mil, e o Tribunal de Ética da Ordem decidiu que eles nada devem. Jamais a OAB mobilizou-se para punir exemplar e publicamente esse tipo de delinquência.

Agora a Polícia Federal anunciou que existiram duas infiltrações fraudulentas nos seus exames de 2009 e 2010. Numa ponta, 152 bacharéis compraram provas e, com isso, 62 deles habilitaram-se para cargos na PF, na Receita e na Abin. Felizmente, graças à polícia, foram afastados de suas funções.

Na outra ponta o problema é maior: 1.076 advogados "colaram" durante os exames. A PF descobriu isso de uma maneira simples. Rodou as respostas dos candidatos num programa de computador desenvolvido na Academia Nacional de Polícia, e a máquina descobriu onde se colou.

Simples: se num local 30% dos candidatos acertaram uma questão que teve um índice nacional de acerto de 5%, houve "cola". (Steve Levitt explica a racionalidade estatística do sistema num capítulo do seu magnífico livro "Freakonomics"). Esse tipo de auditoria tornou-se o terror da rede escolar pública americana. Na semana passada, pegaram uma rede de "cola" num dos melhores colégios de Nova York.

Se a OAB quer continuar a dar lições aos outros, pouco lhe custaria criar uma auditoria semelhante à que a Polícia Federal usou. Não conseguirá pegar todos os examinadores que vendem provas, mas identificará os locais onde a "cola" é ampla, geral e irrestrita.


Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por "As Ilusões Armadas". Escreve às quartas-feiras e domingos na versão impressa de "Poder".




NOTA DO EDITOR: Em sendo tudo verdade lamentamos profundamente esses fatos, mas não nos esqueçamos que o problema está no homem e não nas instituições. Que se apure as responsabilidades, doa a quem doer, para o bem de todos. O corporativismo positivo é salutar e natural a sua ocorrência em qualquer meio profissional ou amador, mas o negativo deve ser combatido com todas as forças porque ele macula a instituição e atinge a todos de bem que a integram.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

SENADOR ONTEM, PROCURADOR DE JUSTIÇA HOJE. ISSO É FATO !


Notícias

12 julho 2012
Senador cassado

Demóstenes reassume cargo de procurador de Justiça


Um dia depois de ter o mandato de senador cassado pelo Senado, Demóstenes Torres reassumiu nesta quinta-feira (12/7) o cargo de procurador de Justiça do Ministério Público de Goiás. Ele estava licenciado desde 1999, quando se candidatou pela primeira vez ao Senado. As informações são do portal UOL.

Demóstenes pôde voltar ao Ministério Público porque é membro do órgão desde maio de 1987, antes da promulgação da Constituição Federal atual. Sendo assim, ele podia se licenciar do cargo para se candidatar. Pela regra atual, ocupantes de cargos públicos devem se exonerar para participar de eleições.

Com isso, Demóstenes volta a receber salário de procurador, que em Goiás é de R$ 22 mil, mais benefícios. O ex-senador não é alvo de procedimento administrativo para apurar sua conduta no MP. Entretanto, a Corregedoria-Geral do MP goiano cogita instaurar procedimento disciplinar para apurar eventual falta funcional.

O mandato de senador de Demóstenes foi cassado por conta de suas relações com o empresário Carlinhos Cachoeira. A acusação é de que ele usou do cargo para beneficiar os interesses do amigo, lobista do jogo no Congresso.


Revista Consultor Jurídico, 12 de julho de 2012


NOTA DO EDITOR: O Procurador-Geral de Justiça Benedito Torres do Estado de Goiás, é irmão do ex-senador Demóstenes Torres.

CRIME ORGANIZADO E DEMOCRACIA NA VISÃO DE FERRAJOLI


Colunas

12 julho 2012
Coluna do LFG

Criminalidade organizada e democracia, por Ferrajoli


* Título de doutor honoris causa em Tucumã. O professor Luigi Ferrajoli, no dia 27 de junho de 2012, ao receber o título de Doctor Honoris Causa, da Universidad Nacional de Tucuman (Argentina), cuidou em sua lectio doctoralis do tema “criminalidade organizada e democracia”, que sintetizaremos em seguida, agregando algumas observações e anotações nossas.

Perguntas fundamentais (mapa da exposição). Começou formulando algumas perguntas fundamentais: 1ª) Como é a criminalidade organizada?; 2ª) Como vem funcionando o sistema penal para promover o seu controle?; e 3ª) Qual seria uma resposta racional contra a criminalidade organizada?

Organizações poderosas. Em relação à primeira indagação começou afirmando que o crime organizado é poderoso e, ademais, chega a atentar contra as raízes do Estado e da Democracia, ou seja, da possibilidade de uma salutar convivência social [esse, hoje, é o caso do México, por exemplo]. Ele afeta o funcionamento normal das nossas sociedades [a América Central assim como alguns territórios brasileiros vivem diariamente esse drama], em razão, sobretudo, das suas ligações com as autoridades públicas bem como com a criminalidade ordinária.

Três grupos. Delineou três grupos de crimes organizados: 1º) o vinculado com os poderes criminais privados (organizações criminosas privadas) [do tipo PCC, por exemplo], 2º) o decorrente dos poderes econômicos (criminalidade organizada das empresas — [empresas construtoras no Brasil, por exemplo], dos bancos etc.) e 3º) criminalidade organizada estatal (dos poderes públicos, dos políticos, dos juízes, policiais, fiscais etc.).

Características do crime organizado. O crime organizado tem hoje um peso financeiro e econômico sem precedentes, visto que possui caráter global (muitas vezes) e conta, ademais, com um poder destrutivo impressionante [destruição do ser humano, da natureza, das condições necessárias para a vivência democrática etc.]. Estamos neste momento experimentando a mundialização da economia e do mercado, sem a correspondente globalização da Justiça assim como dos direitos e garantias fundamentais. A fortaleza do crime organizado (terrorismo interno ou internacional, máfias, narcotraficantes, exploração ilícita dos jogos etc.) ao se deparar com a fraqueza do sistema jurídico de controle, sobretudo internacional, conduz a um cenário de regressão social onde vigora a “lei do mais forte” (a lei selvagem).

Primeiro grupo (exploração da miséria). Uma característica relevante do primeiro grupo de crime organizado (organizações criminosas privadas) consiste na exploração da miséria, ou seja, uso dos pequenos delinquentes [que, constituindo apenas “corpos” — braços, pernas e anatomia —, sem qualquer patrimônio cultural ou econômico ou social, são exploráveis, torturáveis, prisionáveis e extermináveis]. O crime organizado privado, especialmente no que diz respeito ao mercado das drogas ou das migrações, explora a mão de obra barata do miserável, do necessitado, otimizando seus lucros e benefícios [os que contam com maior espaço de liberdade em razão dos seus poderes exploram os que são mais vulneráveis — jovens desempregados, ex-presidiários etc. —, que ostentam menos espaço de liberdade — Ruggiero 2005].

Segundo grupo. O segundo grupo de crime organizado (decorrente dos poderes econômicos nacionais ou transnacionais) atua contra o meio ambiente, no mundo financeiro etc. Os grupos internacionais são claramente favorecidos pelo “vazio de direito público” no plano global, onde então esses poderes se sentem “desregulamentados” [sobretudo sob o império do neoliberalismo], havendo inversão da equação Estado/mercado, ou seja, o mercado fala mais forte que o próprio Estado, as empresas competem com este último, daí decorrendo a exploração da miséria em dimensão globalizada, da saúde pública etc. Sublinhe-se que esse vazio de direito público, no caso do Brasil, é mais preocupante ainda, visto que até hoje não temos, na lei, o conceito de crime organizado (consoante reconheceu o STF no HC 96.007-SP).

Terceiro grupo. O crime organizado dos poderes públicos desviados é o mais infame de todos, porque envolvem crimes contra a humanidade, torturas, desaparecimentos forçados, sequestros, guerra e, sobretudo, corrupção. A mais séria ameaça contra a democracia é a emanada desses grupos organizados, que sabem fazer amplo uso da mimetização dos capitais ilícitos, ou seja, sabem, tanto quanto os poderosos econômicos, mesclar dinheiro lícito com dinheiro ilícito, dando aparência de legalidade para todo o capital. A corrupção contraria todos os fundamentos da democracia (transparência, legalidade, moralidade etc.). Afeta de modo grave a esfera pública assim como os princípios democráticos. O bem jurídico que está jogo, quando se trata de crime organizado que envolve o poder público, é a própria democracia, ou seja, o Estado de Direito. São os fundamentos dos bens públicos que entram em crise, nesse caso. A capacidade intimidativa e corruptiva do crime organizado afeta, ademais, a própria função pública de proteção e de garantia. Ela proscreve a garantia das garantias, que é a função protetiva jurisdicional.

Segunda premissa. No que concerne à segunda indagação (relacionada com a capacidade do sistema penal para controlar o crime organizado) o balanço, diz Ferrajoli, é negativo. Algum tipo de mudança na estrutura do direito era previsível para fazer frente às organizações criminosas. E tais mudanças aconteceram em muitas legislações. Mas vieram com características irracionais e classistas (discriminatórias). Incrementaram a seletividade do sistema penal, ou seja, a perseguibilidade prioritária dos pobres, garantindo-se a impunidade dos poderes fortes.

Dupla involução. Uma dupla involução cabe ser mencionada: (a) a legislação e o funcionamento do sistema penal garantiram a impunidade da corrupção dos poderosos, seja despenalizando alguns crimes, seja permitindo a prescrição; (b) dirigiram suas forças contra os mais débeis (pobres), aumentando penas, endurecendo os regimes da execução, criando crimes infundados relacionados com a migração clandestina, com o que forjou “a pessoa penalmente ilegal”; trata-se de uma legislação demagógica, típica do populismo penal, fundada no medo, com alta dose de ineficácia, o que coloca em xeque a função dissuasória da pena.

A impunidade dos poderosos é criminógena. De outro lado, a legislação penal repressiva transmite uma mensagem ideológica nefasta [vinculando, muitas vezes, o delinquente apenas com imagem estereotipada difundida pela criminologia midiática]. O conceito de segurança divulgado amplamente na atualidade não significa segurança dos direitos sociais. Segurança é igual segurança pública, cujas medidas se voltam contra “bodes expiatórios”, escondendo-se grandes tensões sociais não resolvidas. Confunde-se política penal com política social [menosprezando-se a Justiça social]. Neste cenário de priorização da segurança policial ou penal duas seguranças se perdem: (a) segurança dos direitos sociais; (b) segurança da liberdade frente ao poder estatal.

Terceira premissa. Diante do fracasso retumbante do sistema penal atual para fazer frente às organizações criminosas, qual seria uma resposta racional?

1) Direito penal mínimo: o Direito Penal não pode ser usado para punir bagatelas, ou seja, só contam com merecimento penal as agressões graves contra bens jurídicos relevantes. A máquina judiciária não deve cuidar de coisas pequenas;

2) Direito internacional: no âmbito da esfera pública mundial impõe-se criar um direito penal transnacional à altura da criminalidade organizada também mundial. O Tribunal Penal Internacional está apenas começando suas funções jurisdicionais. Ainda continua muito “saboteado” [pelos Estados Unidos, por exemplo]. Impõe-se ampliar sua competência para poder julgar outros crimes: terrorismo, tráfico de armas, tráfico transnacional de drogas, golpes de Estado etc. São crimes que as Justiças locais não têm capacidade de julgar. Impõe-se, de outro lado, observar a máxima independência dos órgãos jurisdicionais e persecutórios. Juízes e membros do Ministério Público deveriam desenvolver uma espécie de “politização” voltada para aplicar a lei contra todos [não somente contra os pobres];

3) Direito penal reduzido: é preciso acabar com a inflação de leis penais, abolir as contravenções penais, contemplar expressamente na lei o princípio da ofensividade (lesividade), prever a exigência de representação para os crimes patrimoniais [ao menos no que diz respeito aos crimes cometidos sem violência], incrementar a previsão e o uso das penas alternativas e introduzir a “reserva de código” (todos os crimes previstos num único código), dificultando-se a sua alteração. Diante de um legislador desordenado, nada melhor que a reserva de código.

As duas sugestões (provocações?) finais oferecidas pelo professor Luigi Ferrajoli, em sua magnífica lectio doctoralis, foram:

(a) legalização das drogas: a lógica proibicionista estimula o mercado assim como o crime organizado, até porque o Estado não tem a mínima condição de fazer cumprir a legislação que ele mesmo aprova. A legalização controlada pode ser uma boa saída (tal como a que está sendo ventilada, agora, para a maconha no Uruguai);
(b) fim do comércio e tráfico de armas: as armas são feitas para matar. A violência, sobretudo com a utilização de armas de fogo, nos conduz à sociedade natural (selvagem). Se o Estado conta com o monopólio do uso da força, ninguém mais está permitido utilizá-la [salvo em casos excepcionais para a defesa da vida, por exemplo]. É preciso vencer a atual crise da razão jurídica sem ilusões, mas também sem pessimismos. Somos todos responsáveis pela construção de um mundo melhor.

* Colaborou Alice Bianchini, diretora do Instituto LivroeNet e do Portal www.atualidadesdodireito.com.br, coordenadora do Curso de Especialização em Ciências penais da Anhanguera-Uniderp/LFG e presidente do Instituto Panamericano de Política Criminal (Ipan).

Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Acompanhe meu Blog.

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Revista Consultor Jurídico, 12 de julho de 2012

quarta-feira, 11 de julho de 2012

DE VOLTA À RELAÇÃO ENTRE DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA



Por Juarez Tavares (foto)


Sempre houve uma preocupação doutrinária no direito penal de buscar uma racionalização para seus institutos. Muitas foram as propostas dessa racionalização. Podemos recordar algumas: o esquema positivista baseado na causalidade e na ação instrumental, a adoção do método como forma de criação do objeto no neokantismo da Escola de Baden, a pretensã...o ontológica do finalismo, com suas categorias lógico-objetivas, a sedimentação organizacional do funcionalismo e seus critérios de utilidade, a postura estratégica do sociologismo weberiano, as contribuições da filosofia analítica em torno das aparências da linguagem e dos atos de fala e a substância de uma teoria comunicativa como forma de exercício de um critério de verdade com base na pretensão de validade e no consenso. Embora cada uma dessas concepções possa padecer de defeitos, contradições ou controvérsias, têm todas elas uma grande qualidade: elevar a doutrina penal a um determinado nível científico, capaz de servir de apoio à compreensão de todos os cidadãos e, principalmente, da jurisprudência. Lamentavelmente, porém, o que vemos, hoje, no direito brasileiro (também no direito de outros países, mas fundamentalmente no brasileiro) é um retrocesso incomensurável: em vez de a doutrina influenciar a jurisprudência para dar às decisões judiciais um mínimo de racionalidade, faz-se da jurisprudência o compêndio da doutrina. Quando a jurisprudência se torna a única fonte de elaboração do direito, pode-se dizer que o direito está destruído. Nem se trata de um empirismo, conforme poderia resultar de uma concepção de Alf Ross, mas, sim, de um casuísmo. O que vale é o que consta dos informativos. Parece uma consideração pessimista, mas é a realidade: retrocedemos à fase da exegese, ou melhor, da exegese simplificada.

A legislação penal pode ser deficiente, em alguns aspectos, mas não induz à construção de um direito saído exclusivamente dos tribunais. Nem estou jogando pedra na jurisprudência, a qual, em certos casos, tem contribuído para democratizar a própria lei, como se dá com decisões do STF em matéria de crimes hediondos ou no tráfico de drogas. Essa forma de democratização é própria da jurisprudência e constitui sua função. O que ressalto é a submissão da doutrina à jurisprudência, que passou a constituir a única fonte de uma discussão racional do direito. Quando isso acontece, o direito corre o risco de se transformar numa simples técnica, sem conteúdo de validade universal, um amontoado de casuísmos. Veja-se, por exemplo, a confusão mental que a jurisprudência criou na consumação do crime de sonegação fiscal ou na aplicação do princípio da insignificância. A valer as considerações da jurisprudência, ter-se-á, pela primeira vez na história universal, a consumação de um crime dependendo da ação de outrem e não como desdobramento da própria conduta do agente, ou a violação do bem jurídico se subordinando a um critério de reprovação social da própria conduta. A decisão acerca da violação de bem jurídico deve estar orientada por outros critérios, principalmente, em face da intensidade da lesão aos valores de referência da conduta. Quando a violação do bem jurídico não pode mais servir para traçar com nitidez as zonas do lícito e do ilícito, tampouco poderá orientar a atividade de cada um. Aí reside a questão da insignificância, que é matéria do injusto penal, subordinada à decisão em torno do desvalor do resultado e do desvalor do ato. Pode até ser que a orientação da jurisprudência tenha perseguido uma fórmula para conter a expansão do direito penal, mas é uma fórmula errada. E os manuais de direito penal vêm repetindo essas ideias, só isso e nada mais, como sinal de progresso. A essa formulação doutrinária, com base nos informativos, chamo de ruptura de racionalidade. Não é à toa que os cientistas sociais e os psicólogos riem das construções jurídicas, que nada têm mais de científicas, são meras expressões da decisão do caso. O direito se transformou numa técnica igual à colocação de tijolos numa casa, e a doutrina se encarrega de apenas dizer como a argamassa está constituída.


Fonte: Facebook