"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

MINISTRO CEZAR PELUSO

Ministro Antonio Cezar Peluso

Ovídio Rocha Barros Sandoval

No próximo dia 3 de setembro, ao completar 70 anos de vida, deixará a toga o Juiz mais antigo em atividade ininterrupta em todo o território da Nação brasileira – 44 anos e seis meses – o notável Homem e Juiz fantástico ministro Antonio Cezar Peluso.

O marco inicial de sua carreira na Magistratura Paulista aconteceu no ano de 1967. Marcou sua passagem de excelso Juiz, na 7ª. Vara da Família e Sucessões da comarca da Capital de São Paulo, onde se notabilizou por sentenças brilhantes, humanas, justas, estando o testemunho desta verdade retratado no primoroso livro "Código da Vida" escrito por Saulo Ramos. Como Juiz do 2º. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo continuou a sua trajetória e, ali, muito contribuiu, especialmente, para o avanço do Direito Processual Civil1. Por todos os seus méritos, chegou ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça de São Pauto no ano de 1986, onde continuou a empregar o seu talento de Juiz vocacionado e de sua imensa cultura jurídica e humanística. Seus votos se inscrevem nos anais daquela Corte como lições imorredouras na arte de julgar. Nunca deixou de ser um homem bom, tendo a sabedoria de entender que "na imagem de Deus, a Justiça e a Bondade estão inseparáveis" e a sua educação de berço a todos encanta2.

Somos amigos de coração há mais de trinta anos e tive a honra e a alegria de acompanhar a sua brilhante carreira na Magistratura.

Sempre me empolgou a sua vocação pura para a Magistratura, vocação esta que integra a sua personalidade multiforme e vem acompanhada do seu testemunho de Homem notável e Juiz fantástico a servir de exemplo para todas as gerações de magistrados3. De nada vale o Juiz que exerce o seu cargo, se antes de ser Magistrado não seja um verdadeiro Homem e exemplo para seus jurisdicionados.

O jovem Juiz de 1967, depois de 35 anos na Magistratura paulista, por ele engrandecida com a sua inteligência, cultura humanística e jurídica, encontrava-se maduro e pronto para chegar ao cargo de ministro do nosso Supremo Tribunal Federal, o que veio a acontecer no ano de 2003. Quando de sua nomeação, por mim vivida com imensa alegria e confiança, vibrei pela certeza de que em nosso Tribunal Supremo chegava um dos Juízes mais vocacionados que ali tiveram assento em sua história. Recordei-me, prontamente, dos saudosos ministros Costa Manso, Laudo de Camargo, Pedro Chaves, e de seu antecessor Sydney Sanchez, paulistas como ele, entre outros, que fizeram da Magistratura o porto seguro de suas vocações de Juízes notáveis e inesquecíveis.

Aliás, o saudoso e eminente ministro Rodrigues de Alckmin, que também percorreu com inegável brilho, todos os degraus da carreira na Magistratura paulista, com rara felicidade ensinava: "Sem vocação não há magistrado". "Sem verdadeiro amor à Justiça não há juiz. Não é bastante o conhecimento das regras do direito positivo, que estas são na imagem carnelutiana, simples moedas cunhadas com o ouro da Justiça, tanto mais valiosas quanto mais puro o metal. Se o juiz não tem amor pela função que exerce; se não sente que, ao decidir a causa, está realizando pragmaticamente e em modestíssimas proporções embora, um ato daquela grande Justiça que deve estabelecer o equilíbrio social, poderá ser um correto funcionário público, um técnico, um cientista. Falta-lhe, porém, alguma coisa, para ser juiz. Falta-lhe a vocação do justo" 4. Em sugestiva passagem, diz Piero Calamandrei: "O juiz que se habitua a fazer justiça é como o sacerdote que se habitua a dizer missa" e completa: "Feliz o pároco de província, que até o último dia sente, ao dirigir-se ao altar com vacilante passo senil, aquela perturbação, que, jovem padre sentiu quando da sua primeira missa. Feliz o magistrado, que até ao dia que precede o limite de idade, sente, ao julgar, aquela consternação, que o fez tremer, cinquenta anos atrás, quando juiz de terceira teve de dar a sua primeira sentença" 5.

O ministro Peluso, em sua carreira de Juiz Substituto a ministro da Suprema Corte, sempre teve a "vocação do justo", aliada à simplicidade do Magistrado seguro e sem medo de exercer a jurisdição e dizer o Direito. Em seus votos no Supremo Tribunal Federal, o ministro Cezar Peluso por meio do seu exemplo, de suas virtudes, de sua coragem cívica e profissional, se impôs diante da sociedade e contribuiu para a evolução do Direito e inspirou, em suas decisões, os legisladores para que boas leis fossem promulgadas.

Como escrevi em outro artigo publicado em sua homenagem, a coragem cívica sempre foi
atributo de sua missão de Magistrado. Jamais teve medo em decidir, estando certo de que, como observa o notável Eduardo Couture: "El dia en que los jueces tienem miedo, ningún ciudadano puede dormir tranquilo" 6. Ruy Barbosa, de seu turno, na "Oração aos Moços", com absoluta razão, ensinou: “A ninguém importa mais do que à Magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer cobardia". De igual forma, nunca se deixou seduzir pelo "politicamente correto", tão em voga na época atual. O notável e saudoso ministro Franciulli Netto lembra que o professor Paulo Ferreira Cunha, conceituado catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, em feliz síntese, diz que o "politicamente correto que pretende elevar-se a pensamento único, é uma nova ideologia totalitária. E mais perigosa e sutil, porque não se afirma e nem se pretende como tal. Não tem sede, nem partido, nem líder. É difusa, e todos sempre de algum modo vergam numa plenamente colonização cultural, impondo silêncio do que passa por inconveniente, criando tiques e reflexos condicionados que nos levarão a todos a dizer o mesmo..."7. Ao "dizer o mesmo”, na consagração do "politicamente correto", estaremos nos encaminhando para a anomia8. Muito menos se deixou levar pelo "clamor público" ou "clamor das ruas", pressão tão perigosa que há dois mil anos absolveu o facínora Barrabás e condenou o inocente Nosso Senhor Jesus Cristo à morte de Cruz e que no ano de 1933 levou Hitler ao Poder, para causar tanto mal e destruição à Humanidade.

O ministro Cezar Peluso, em sua vida de Homem e Juiz, sempre teve presentes as seguintes palavras de Rui Barbosa: "uns plantam a semente da couve para o prato do amanhã, outros a semente do carvalho para o abrigo do futuro. Aqueles cavam para si mesmos. Estes lavram para a felicidade dos seus descendentes, para o benefício do gênero humano".

Poucos são aqueles, como o ministro Cezar Peluso, que conseguem exprimir o anseio expresso por Piero Calamandrei: "o juiz é o direito tornado homem" e "na vida prática, só desse homem posso esperar a proteção prometida pela lei sob uma forma abstrata"9.

Ao exercer a sua autoridade como Juiz sempre teve presente a lição imorredoura do saudoso e notável Desembargador Marcos Nogueira Garcez: "Independência não se confunde com a arrogância dos pretensiosos ou com a ostentação vaidosa dos imaturos. Mas que a exerce com a simplicidade dos fortes e com a profunda convicção de que, em todas as situações que nos apresentarem, haveremos de decidir exclusivamente de acordo com a nossa consciência reta e bem formulada, com olhos postos no mandamento do livro da Sabedoria: "Amai a Justiça vós que sois os Juízes da terra” (Sab, 1,1)".

Ao anunciar em seu discurso de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal, que sempre se portaria em defesa do Poder Judiciário e da Magistratura, nada mais fez do que demonstrar o seu acendrado amor pela Justiça e que foi confundido pelo senhor ministro Joaquim Barbosa, como "corporativismo"... Valha-me Deus! A injustiça, ainda mais proclamada por integrante da Suprema Corte, corrói a alma 10. O meu saudoso e querido amigo ministro Domingos Franciulli Netto costumava dizer: "ser Juiz é o estado d’alma do homem vocacionado", enquanto outro saudoso e querido Amigo Desembargador Alves Braga dizia: "ser magistrado é estado de espírito”. Quem exerce a nobre missão de ser magistrado há de meditar sobre essa candente realidade. Somente os vocacionados estão aptos ao exercício de ser magistrado em todos os momentos de sua vida e conseguem entender em plenitude a advertência feita por Guizot: "Quando a política penetra no recinto dos tribunais, a Justiça se retira por alguma porta." E pode-se acrescentar que a incontinência vocabular, quando agressiva, revela um tumulto íntimo de insegurança que espanca a serenidade necessária ao magistrado e o afasta por inteiro da sindérese, isto é, da capacidade espiritual, inata, imediata para apreender os primeiros princípios da Ética.

Como também escrevi no outro artigo em sua homenagem, o ministro Cezar Peluso na Presidência do Supremo Tribunal Federal, em época tão difícil, quando o órgão administrativo Conselho Nacional de Justiça se arvora em “legislador” e “censor da Magistratura”, rompendo com os limites de atuação a ele outorgados pela Constituição, portou-se sobranceiro em defesa do Poder Judiciário e da Magistratura à semelhança da advertência feita pelo notável e inesquecível ministro Presidente Ribeiro da Costa, quando sombras negras pairavam sobre o Supremo Tribunal Federal, logo após a eclosão do Movimento Militar de 1964: “nosso poder de independência há de manter-se impermeável às injustiças do momento, e acima dos seus objetivos, quaisquer que se apresentem suas possibilidades de desafio às nossas resistências morais” e a Justiça “quaisquer que sejam as circunstâncias políticas, não toma partido não é a favor ou contra, não aplaude nem censura”. Quem defende o Poder Judiciário e a Magistratura independentes, especialmente na Presidência do Supremo Tribunal Federal, defende o Estado Democrático de Direito.

Com todas essas primaciais virtudes do verdadeiro Magistrado, o ministro Cezar Peluso não poderia deixar de ser o que sempre foi. um Homem notável e Juiz fantástico, tendo consciência que o Magistrado ”é uma partícula de substância humana que vive e se move dentro do direito; e se esta partícula de substância humana tem dignidade e elevação espiritual, o direito terá dignidade e elevação espiritual" 12.

Enfim, o ministro Cezar Peluso escreveu uma linda história de Homem e Juiz, sedimentada em vasta formação humanística e de sólida cultura jurídica e uma trajetória brilhante em 44 anos e seis meses de integral amor à Magistratura, galgando todos os degraus da carreira até chegar ao Supremo Tribunal Federal, sendo homem de educação de berço, cordial, gentil, atencioso e simples. Em sua vida pessoal, de seu turno, conseguiu formar uma linda família ao lado de sua querida Lúcia e uma legião de amigos sinceros e leais, além de milhares de admiradores, eis porque o eminente ministro Carlos Velloso disse ser muito difícil encontrar alguém que o substitua no Supremo Tribunal Federal. Em todos os cargos que exerceu, como Juiz e Professor, deixou a marca de sua inteligência privilegiada e o brilho de sua cultura humanística e jurídica.

É uma pena, meu querido Amigo, que a partir do dia 3 de setembro, o Supremo Tribunal Federal ficará privado da sua inestimável e insubstituível presença, capaz de ministrar imorredouras lições do verdadeiro Homem e Juiz e ofertar o seu exemplo a todas as gerações de Magistrados.

Que o nosso Cristo do Amor o proteja e à sua querida família, nessa nova fase de sua linda vida, são os votos deste seu velho Amigo que tanto o admira e quer bem.
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1 Em voto primoroso, posso citar como exemplo, aquele em que, como mestre, faz a distinção entre pressupostos processuais e condições da ação.
2 É impressionante a sua formação jurídica amealhada a partir da década de 1970: (a) – Curso de Doutorado na Faculdade de Direito da USP, concluído em 1974; (b) – Mestrado em Direito Civil na Faculdade de Direito da USP, concluído em 1975; (c) – Mestrado em Direito Civil na Faculdade Paulista de Direito na Universidade Católica de São Paulo, concluído em 1975; (d) – Mestrado em Direito Processual Civil na Faculdade Paulista de Direito na Universidade Católica de São Paulo, concluído em 1975. Além disso, foi professor regente de Direito Processual Civil, na Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, de agosto de 1975 até agosto de 2003; Professor Instrutor de Direito Civil, por designação da Vice-Reitoria, na Faculdade Paulista de Direito da PUC-SP, no período de agosto de 1974 a julho de 1975, além de haver exercido diversas funções de realce dentro e fora da Magistratura.
3 Aprendi e proclamei com a preocupação de vivenciá-la a seguinte verdade: o que vale é a pessoa; cargo é atributo. Mais do que nunca essa verdade se impõe, de modo particular, ao magistrado que está, a todo instante, no cumprimento de sua missão, recordando que o homem é uma pessoa. Aliás, a grande lição do Cristianismo é o exemplo do respeito de Cristo pela integridade da pessoa humana. Só o homem é importante no Evangelho que, em sua mensagem de Salvação, abarca todos os homens, cuja soma é o mundo.
4 Discurso do Desembargador JOSÉ GERALDO RODRIGUES DE ALCKMIN em sua posse no Tribunal de Justiça de São Paulo em setembro de 1964.
5 Ob. cit., pg. 133.
6 Ob. cit., pg. 76.
7 A Prestação Jurisdicional. Ed. Millennium, Campinas, ed. 2004, pgs. 25/26.
8 RALF DAHRENDORF observa que com a modernidade, os perigos para a liberdade são diferentes. Para o ilustre professor de Ciências Sociais da Universidade de Constança, “todas as palavras cativantes do ideário modernista – democratização, individualização, comunitarismo e assim por diante – passaram a descrever uma atitude que ajuda a enfraquecer e, em última análise, a corroer as instituições sociais. Elas tendem para a liberdade sem sentido, uma liberdade de escolha sem escolhas que façam sentido. Elas servem para aumentar os distúrbios, a dúvida e as incertezas de todos”. E acrescenta: “os falsos arautos da liberdade estão cheios de boas intenções, mas preparam o caminho que poderá nos levar, se não para o inferno, ao menos para o mais próximo dele na Terra, que é a anomia” (“A Lei e a Ordem”, Publicação do Instituto Tancredo Neves e Fundação Friedrich Naumann, Bonn, ed. 1987, pg. 146).
9 “Eles, os Juízes visto por Nós, os Advogados”, pg. 40.
10 Neste ano estou completando 50 anos de dedicação integral ao Direito e à Justiça, presenciei várias composições do Supremo Tribunal Federal e nunca tive notícia de qualquer tratamento descortês ou agressivo por parte de seus ministros. Presenciei discussões acaloradas entre seus Juízes onde o respeito e a educação sempre estiveram presentes. Assisti em uma sessão, o gesto encantador do fantástico ministro Victor Nunes Leal, que começava a elaborar as Súmulas de Jurisprudência Predominante do Supremo, citar um precedente e perguntar “é isso mesmo ministro Hahnemann Guimarães?”, que era considerado a melhor memória sobre a jurisprudência do Supremo. Assisti, ainda, discussões acaloradas em que participava o saudoso e eminente ministro Evandro Lins e Silva com os demais integrantes da Corte, vindo o também o saudoso e eminente ministro Prado Kelly a dizer, com a simplicidade dos justos: “na área penal, não posso deixar de acompanhar o voto do ministro Lins e Silva, que nos oferece lições seguras para bem decidir”. Bons tempos aqueles.
11 Apud “O Supremo Tribunal Federal”, Ed. Civilização Brasileira, ed. 1976, pg. 26.
12 EDUARDO COUTURE Introducción al Estudio del Proceso CiviL, Ed. Arayú, Buenos Aires, 2ª. ed., 1953.
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*Ovídio Rocha Barros Sandoval é advogado do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão Sociedade de Advogados









Nota do Editor: Parabenizamos a brilhante trajetória do Ministro Peluso na Magistratura de Carreira, todavia como deixa a judicatura no próximo dia 03/09/2012 em razão do limite de idade, apenas tomamos a liberdade de consignar que caso profira voto de condenação no denominado processo do mensalão e não faça a individualização da pena por falta de tempo hábil, poderá ocorrer a alegação de nulidade por falta de observância a esse princípio constitucional penal.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

CONVITE PARA LANÇAMENTO DE LIVRO



Lançamento de importante obra do Professor Wagner Marteleto Filho que foi objeto de sua dissertação de mestrado. Promotor de Justiça em Uberlândia/MG. Mestre em Direito Público pela UFU. Pós-Graduado em Ciências Penais pela UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina/REDE LFG). Professor de Direito Processual Penal da Faculdade Politécnica de Uberlândia/MG.

A obra trata da evolução contra a autoincriminação e de sua situação no direito contemporâneo, enfocado seu conteúdo e as restrições que a ela podem ser impostas. O autor examina o núcleo da garantia, consistente no direito ao silêncio, e seus reflexos nos interrogatórios formais, perante Autoridades Policiais, Judiciais e CPIs. Aborda a problemática da cooperação passiva (intervenções corporais para a coleta de material genético, para fins de exame de DNA), da cooperação ativa (Bafômetro, Reconstituição de Crimes, etc) e da cooperação inconsciente (Interceptações telefônicas e ambientais, agentes infiltrados), com análise do direito comparado e de julgados de Tribunais nacionais e internacionais.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A HORA E A VEZ DA MAGISTRATURA BRASILEIRA



Hora de reconhecer o papel do juiz de carreira na vida do cidadão

*Nelson Missias de Morais

segunda-feira, 20/8/2012


Neste momento de incertezas econômicas e de crises morais em que vivemos, prospera uma tendência à desqualificação generalizada das instituições. É preciso distinguir o joio do trigo. A magistratura brasileira não está imune, fazendo-se necessário o reconhecimento do seu papel e do valor de suas atividades na vida do cidadão e nas sociedades democráticas.
Os juízes são profissionais rigorosamente testados em concursos públicos e vivenciam inúmeras experiências em cada comarca, onde vivem e atuam, acumulando capital profissional e humano que poucas categorias alcançam.

Cada comarca, cada processo é uma história de vida que o juiz nunca esquece, fazendo dessa vivência a plataforma de sua formação continuada. Por isso, esse profissional precisa ser valorizado como um agente de Estado e reconhecido por sua importância social, na distribuição de Justiça.

Quando um trabalhador recorre à Justiça, não importa o tamanho do poder econômico de quem com ele litiga : o fraco e o forte se equivalem. Isso não tem preço. Quando uma pessoa nociva precisa ser presa, ou ainda, quando alguém é preso injustamente e é libertado por decisão judicial: isso também não tem preço.

Igualmente acontece no momento em que o cidadão necessita de medicamentos caros, ou de uma cirurgia urgente. Nada disso tem preço, porque a decisão de um juiz tem o valor de justiça social e de vida. Essa é a missão, o papel e o valor do magistrado, que durante 30 ou 40 anos de sua vida dedica-se a essas causas, sem poder ter outras atividades ou outros ganhos.

Atualmente, a Constituição proíbe o acréscimo de qualquer gratificação, abono, adicional, verba de representação ou outra espécie remuneratória ao subsídio pago pelo exercício da função. Esta é a razão pela qual pontuamos a adoção de medidas em defesa da estabilidade na classe e investimento no juiz de carreira.

Não se trata apenas de uma questão classista ou corporativa. Estamos focando o exercício de uma prestação jurisdicional cada vez mais ágil, mas sempre de qualidade. O contrário é o agravamento do que se prenuncia hoje, um quadro de desestímulo, frustração e até evasão de profissionais que só a experiência e o tempo de serviço podem formar. Ninguém deseja ser julgado por um profissional desestimulado. A magistratura é uma profissão de fé.

Tão importante quanto a necessária recomposição inflacionária dos subsídios da classe, é fundamental resgatar o Adicional por Tempo de Serviço (ATS), como um valor da experiência, do conhecimento e da expertise.

O ATS é o instrumento, hoje, mais eficiente de resgate da dignidade e de estímulo ao juiz brasileiro: ele precisa ser reconhecido pelo seu esforço em todo o tempo de carreira. Esse adicional é mais do que o ganho monetário; na verdade, ele resgata o valor, o reconhecimento, a dedicação exclusiva e, principalmente, premia quem faz de sua vida uma causa: a missão de julgar e distribuir justiça pelos rincões do país, de comarca em comarca.

Igualmente importante é o fato de que a recomposição monetária dos subsídios traz consigo a garantia da irredutibilidade dos vencimentos do magistrado. Afinal, esse é um predicamento do magistrado, amparado pela Constituição da República e não visa o corporativismo, ou algo que o valha, mas o direito do cidadão de ter, em suas causas, juízes estimulados, independentes e focados no seu trabalho.

O Adicional por Tempo de Serviço é também de grande procedência, pois recompensa os Magistrados, que já têm vida longa no Judiciário, e também serve como um grande estímulo aos jovens, pois sabem que terão esse reconhecimento se permanecerem na carreira. È uma conquista da dedicação exclusiva.

Tramita no Senado federal uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 02/2011), restabelecendo o adicional como componente da remuneração das carreiras da Magistratura e do Ministério Público. Ele prevê um adicional de 5% concedido a cada cinco anos de efetivo exercício, até o limite de 35%, benefício que foi extinto em 2003.

Ao lado da criação de um sistema regular de reposição inflacionária dos vencimentos, esse é o grande debate que se faz em nome do estímulo à carreira, a uma prestação jurisdicional ágil, moderna e de qualidade, como merece o cidadão.
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* Nelson Missias de Morais é desembargador do TJ/MG e ex-presidente da Amagis/MG


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

STF DECLARA NULIDADE DO PROCESSO CONTRA UM DOS RÉUS DO MENSALÃO


Notícias STF
Quarta-feira, 15 de agosto de 2012
AP 470: STF declara nulidade de processo contra o réu Carlos Alberto Quaglia

O Supremo Tribunal Federel (STF) declarou, por unanimidade, a nulidade do processo movido pelo procurador-geral da República contra Carlos Alberto Quaglia, réu na Ação Penal (AP) 470, a partir da fase da defesa prévia. Com a decisão, o processo será remetido para a primeira instância, onde a instrução criminal deverá ser realizada novamente. O tribunal entendeu que ficou caracterizada a ocorrência de cerceamento à defesa do acusado, uma vez que o advogado constituído pelo réu não foi devidamente intimado e deixou de participar de atos realizados ao longo da instrução – como a oitiva de testemunhas e a formulação das alegações finais.

A questão foi definida em preliminar da AP 470, na qual o plenário acompanhou o voto do revisor da ação, ministro Ricardo Lewandowski. Segundo o ministro, ficou evidenciado que o direito constitucional do réu de ser defendido pelo advogado que escolheu, lhe foi negado, porque o Supremo Tribunal Federal intimou advogados que já não lhe representavam mais, a despeito da existência de registros suficientes para caracterizar a constituição de um novo defensor.

Troca de defensores

A Defensoria Pública da União (DPU) – responsável pela representação de Carlos Alberto Quaglia junto ao STF – alegou que o denunciado compareceu a interrogatório, realizado em janeiro de 2008, acompanhado de Haroldo Rodrigues, e comunicou que este seria seu novo advogado, fazendo a informação constar em ata e juntando a procuração ao processo no dia seguinte. Com isso, sustentou a defensoria, estaria revogada a nomeação dos antigos defensores de Quaglia, constituídos anos antes, em julho de 2006. O voto do ministro-revisor da ação penal sustentou que a juntada da nomeação de um novo advogado implica a revogação tácita da nomeação anterior, ocorrendo ainda a revogação expressa da procuração dos antigos advogados constituídos, devidamente registrada nos autos.

Segundo Lewandowski, caracterizou-se uma falha processual, uma vez que por quase três anos, de janeiro de 2008 a dezembro de 2010, o advogado intimado foi incorreto. Foram necessários esses anos para que os advogados anteriormente constituídos renunciassem, porque eram intimados e não eram mais responsáveis pela causa. Com isso, foi nomeada responsável pela causa a Defensoria Pública. A nomeação da defensoria só deveria ocorrer se o réu não tivesse advogado nomeado, afirmou o ministro-revisor.

Cerceamento de defesa

Um dos prejuízos da falha na intimação do advogado constituído por Quaglia para sua defesa teria sido, na alegação da defensoria, a impossibilidade de este ter apresentado as alegações finais do réu ao fim da instrução judicial. As alegações finais constituem parte essencial da defesa técnica do advogado, sustentou Lewandowski em seu voto, resgatando a jurisprudência da Corte para mostrar que, num primeiro momento, se entendia que as alegações finais eram meras peças de retórica, e apontando uma evolução na qual a Suprema Corte começou a entendê-la como peça essencial da defesa. As alegações finais, afirmou o ministro, devem ser assinadas pelo advogado constituído voluntariamente pela parte.

Além da alegação da defensoria de que o advogado constituído pelo réu não pôde acompanhar os depoimentos das testemunhas convocadas pela acusação, o ministro-revisor sublinhou que o réu foi privado do direito que fazer ouvidas as testemunhas por ele arroladas. A defesa manteve-se em silêncio sobre a oitiva de testemunhas porque o despacho sobre o tema foi feito no nome dos advogados que não mais representavam o réu. “O prejuízo para a defesa ganha maior relevância porque as acusações de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha têm sustentáculo exclusivamente em depoimentos testemunhais, de forma que o acompanhamento pelo advogado era medida que se fazia imperiosa”, sustentou o ministro Lewandowski, observando que o prejuízo para a defesa é patente.

Concluiu o revisor que ocorreu uma nulidade absoluta de caráter insanável, que provocou evidente prejuízo ao réu. Sem poder escolher seu defensor, teve atingidos seu direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa.
A posição foi acompanhada por unanimidade pelos demais ministros. O ministro Celso de Mello reforçou, ao final do julgamento da preliminar, que a declaração de nulidade não contamina formalmente os demais atos praticados no processo, restringindo-se àqueles praticados em relação ao réu Carlos Alberto Quaglia.

O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, inicialmente pronunciou-se pela rejeição da preliminar, porém, ele reajustou seu voto durante o julgamento e acompanhou o entendimento do revisor para decretar a nulidade processual quanto a Quaglia. 

Outras questões preliminares analisadas pela Corte na sessão de hoje foram rejeitadas (ver matéria).


terça-feira, 14 de agosto de 2012

JUÍZES INDIGNADOS COM FALTA DE REVISÃO DE SUBSÍDIOS


Juízes federais manifestam “indignação” com falta de revisão de seus vencimentos

Luiz Orlando Carneiro, Brasília

 
A Associação dos Juízes Federais do Brasil divulgou manifesto, nesta terça-feira, no qual ressaltam “a insatisfação e a indignação dos magistrados federais brasileiros com o tratamento remuneratório que vêm recebendo, chamando a atenção dos Poderes da União para que, dentro do sistema constitucional, tomem as atitudes necessárias para resolver essa preocupante situação”. Os juízes federais afirmam que vêm sofrendo, desde 2005, “grave processo de desvalorização que precisa ser revertido”.
“Essencial ao Estado Democrático e fiel ao seu compromisso de respeito à Constituição e às leis do país, a magistratura federal defende a moralidade na remuneração do serviço público, para a qual foi fundamental a instituição de teto remuneratório. No entanto, o regime de subsídio em parcela única, limitado ao teto da remuneração do serviço público representado pelo subsídio de ministro do Supremo Tribunal Federal, ao qual a magistratura federal está submetida, vem sendo violado por diversas formas” — sustentam os juízes federais.

Sem revisão

Ainda de acordo com a manifestação, desde sua adoção, em 2005, esse subsídio foi revisto uma única vez, acumulando perdas inflacionárias da ordem de 28,86% (IPCA), embora a revisão anual seja prevista constitucionalmente (artigo 37, inciso 10).

A Ajufe acrescenta que “a Lei da Transparência, por sua vez, trouxe a público as distorções remuneratórias no serviço público, verificando-se muitos casos em que verbas remuneratórias diversas são pagas além do teto remuneratório, deixando de observar-se a norma constitucional que exige que o valor da remuneração no serviço público deva ser fixado segundo a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira (Constituição, artigo 39,parágrafo 1º)”.

Autonomia

O manifesto reclama que a autonomia financeira e orçamentária do Poder Judiciário, por sua vez, foi “indevidamente afetada” no ano passado, quando “o Poder Executivo não incluiu, na proposta orçamentária, as previsões de aumento de despesas decorrentes da revisão do subsídio que haviam sido apresentadas pelo Supremo Tribunal Federal”.

Para a Ajufe, “esse cenário de desvalorização remuneratória da magistratura federal é aviltante, dada a natureza, o grau de responsabilidade, a complexidade, as exigências e as privações do cargo de juiz federal”, sendo “imperioso e urgente, portanto, que o STF, no seu papel de guardião da Constituição, trabalhe junto aos demais poderes da República para fazer cessar esse quadro, restabelecendo a magistratura federal ao posto de destaque que a Carta Política lhe reservou”.  


FONTE: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2012/08/14/juizes-federais-manifestam-indignacao-com-falta-de-revisao-de-seus-vencimentos/


NOTA DO EDITOR: O problema não se restringe à justiça federal, mas a todo o Poder Judiciário Nacional. A garantia constitucional da irredutibilidade de subsídios é literalmente ignorada com aval do STF que não se impõe como Poder da República que conquistou com a Constituição Federal de 1988 a sua autonomia financeira, que com certeza está intimamente interligada à independência funcional. Entendemos, com respeito às opiniões em contrário, que estamos passando por grave crise de identidade.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

DIA DO ADVOGADO - 11 DE AGOSTO


Nesta data se comemora esse profissional e sua importante função essencial à justiça num Estado Democrático e Social de Direito, no que parabenizamos todos os que exercem com dignidade tão nobre atividade profissional.

Que a Advocacia pública e privada, o Ministério Público e o Poder Judiciário sejam cada vez mais fortes e prestigiados para tranquilizarmos o sono dos justos e atormentarmos os dos injustos que atentam contra a dignidade de seus ocupantes e da nobre função que exercem em prol do direito de cada um.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

STF E O MENSALÃO NUMA VISÃO



O mensalão e o STF 

 
Vladimir Polízio Júnior* 
 
 
Não tenho dúvida de que o julgamento do “maior caso de corrupção da história nacional”, assim denominado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apelidado “mensalão” pelo ex-deputado Roberto Jefferson, deixará como maior legado a desmistificação do Supremo Tribunal Federal. E não só pelas divergências naturais entre posicionamentos em órgãos colegiados, tampouco pelo destempero de alguns no trato com seus pares.

O problema é maior, e a ânsia do ministro José Antônio Dias Toffoli de participar da votação no julgamento dos 38 réus é apenas a ponta do iceberg. Nosso STF é composto por 11 pessoas, indicadas pelo presidente da República e aprovadas pelo Senado. Nunca foi formado verdadeiramente por juristas mas, sim, por quem tinha acesso aos grupos que estavam no poder quando surgia a vaga. Na verdade, assim estabelece nossa Constituição, no seu artigo 101: “O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Isso significa que não precisam ser sequer formados em direito, pois o “notável saber jurídico” pode ter sido adquirido sem auxílio de professores. Assim, o único critério objetivo é a idade, pois os demais variam conforme a amizade com o chefe do Executivo. No Brasil, nem sempre os melhores estão onde deveriam estar. Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector, por exemplo, não ocuparam assento na Academia Brasileira de Letras (ABL), mas Ivo Pitanguy, José Sarney e Paulo Coelho, sim.

Noutras palavras, não são os ministros do STF, pelo só fato dessa condição, paladinos da justiça. Pelo contrário, pois estão lá justamente porque assumiram, ao longo da vida, determinado comportamento político. Tofolli bem exterioriza essa situação. Foi advogado da Central Única dos Trabalhadores (CUT), assessor da liderança do PT na Câmara dos Deputados, e trabalhou na assessoria jurídica do então ministro José Dirceu; sua companheira atuou na defesa de mensaleiros, como noticiou a revista Veja do passado dia 1 de agosto: “no próprio processo do mensalão, defendeu os ex-deputados (...) acusados de receber dinheiro sujo do esquema”. Essas situações caracterizariam impedimento ou suspeição de qualquer juiz. Mas o ministro, ao que parece, não entende assim. Precisamos de mais juristas e de menos política no justiça.

Vladimir Polízio Júnior é defensor público. -  (vladimirpolizio@gmail.com)


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

DEFESA NO MENSALÃO CONTESTA AUSÊNCIA DE MINISTRA


7 agosto 2012
AP 470

Advogados contestam ausência de ministra em sessão


Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta terça-feira (7/8), que a ausência temporária de algum ministro não será motivo para que se interrompam as sessões de julgamento da Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão, desde que haja quórum regimental em plenário.

A decisão foi tomada em questão de ordem colocada pelo advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que defende Kátia Rabello e Vinícius Samarane, ex-executivos do Banco Rural. Isso porque a ministra Cármen Lúcia disse antes do intervalo que iria se ausentar da corte, durante a segunda parte das sustentações orais dos advogados de defesa, por conta de compromissos no Tribunal Superior Eleitoral, do qual é presidente.

José Carlos Dias não gostou da ideia de falar ao plenário sem um de seus integrantes presentes e ligou para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Junior. O presidente da OAB ligou, então, para o presidente do STF, ministro Ayres Britto, que respondeu que o tribunal daria seguimento ao caso porque havia quórum regimental.

Além disso, argumentou Britto, a ministra Cármen Lúcia adiantou que já havia requisitado as gravações das sustentações para ouvi-las na quarta-feira pela manhã, antes da sessão. Britto colocou a questão de ordem do advogado em votação e os dez ministros presentes em plenário a rejeitaram.

No intervalo, muitos advogados comentavam que a ausência é um desrespeito à defesa e que violava as prerrogativas dos advogados dos 30 réus que ainda não haviam sustentado. Alguns fizeram referência às saídas do ministro Joaquim Barbosa do plenário, durante as sustentações. Outros argumentaram que a situação dele é diferente por causa de sua condição física, já que sofre de dores crônicas nos quadris, mas que o ministro continua a assistir às sustentações da sala de lanche dos ministros.

"Foram colocadas duas questões diante da corte: de um lado, a prerrogativa da defesa, que diz respeito ao devido processo legal e tem nobreza constitucional; de outro, o Regimento Interno do STF, que permite a continuidade da sessão com apenas seis ministros. Entre a nobreza do direito de defesa e o regimento interno da corte, embora respeite a decisão, não considero a que foi tomada a mais correta", afirmou o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de José Roberto Salgado, ex-executivo do Banco Rural.

"Há uma extraordinária preocupação com o cronograma do julgamento. Eu preferiria que a preocupação fosse com a Constituição Federal", disse o advogado Marcelo Leonardo, que defende o publicitário Marcos Valério, ao final da sessão desta terça.

Depois que foi acionado, o presidente da OAB veio ao Supremo, mas chegou atrasado. Da tribuna, já havia falado, além de José Carlos Dias, o advogado Luís Maximiliano Telesca Mota, em nome da seccional do Distrito Federal da Ordem. Além de secretário-geral adjunto da OAB-DF, Mota defende Anita Leocádia, uma das rés da ação. O advogado disse que a OAB-DF endossava as palavras de José Carlos Dias e que considerava a ausência da ministra uma “violação às prerrogativas da advocacia”.

José Carlos Dias disse que o pedido de suspensão da sessão era feito até em “homenagem à ministra”, ao seu voto. “Não se trata de mera sustentação facultativa. A sustentação é um ato de defesa sério, importante. Não queremos adiar ou protelar o julgamento. Se preciso, proporemos sessões pela manhã, à noite, mas entendemos que a sessão não pode prosseguir sem a presença de um dos ministros”. Em vão.

Os ministros rejeitaram o pedido. A ministra Rosa Weber disse que se inteirou sobre o recebimento da denúncia, por exemplo, assistindo às sustentações de 2007 por meio das gravações que solicitou à TV Justiça. Exatamente o que sua colega disse que faria. Dias Toffoli lembrou que, para votar, basta que o ministro se declare apto, conhecedor do processo. E que houve casos em que o julgamento começou antes de determinado ministro ter tomado posse e seu voto não foi questionado.

O ministro Ricardo Lewandowski também votou contra a questão de ordem, mas lembrou que o tribunal “invocou recursos tecnológicos que negou aos advogados”, se referindo ao fato de que a ministra Cármen Lúcia irá assistir por meio de gravações às duas sustentações desta tarde.

No fim da discussão, com a decisão unânime, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias pediu que ficasse consignado em ata o seu protesto por conta da decisão. Nos corredores, os advogados comentavam que, neste julgamento, é preciso ficar atento para que seus direitos sejam fielmente respeitados.

Posição da OAB

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, manifestou solidariedade aos advogados dos réus do mensalão. Para Ophir, embora o presidente do STF tenha submetido democraticamente a questão de ordem aos demais ministros, o direito de defesa não foi prestigiado. “Se se ausentar, o advogado tem a sustentação oral cassada. Já os ministros podem se utilizar dos recursos audiovisuais para rever o que foi discutido. Esse tratamento desproporcional precisa ser modificado, pois o advogado não é um adereço à Justiça, mas sim indispensável a ela”, criticou.
 
Ao conceder entrevista após o exame da questão de ordem, Ophir disse que a ampla defesa não pode ser desprestigiada quando se está em debate a liberdade de pessoas. “Não ouvir os advogados e seus pleitos é diminuir os princípios do acesso à Justiça e o da ampla defesa”, disse.

Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2012

terça-feira, 7 de agosto de 2012

IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DO STF POR ARNALDO JABOR


A importância histórica do STF

07 de agosto de 2012 | 3h 10
Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
 
 
Eu vi os dois primeiros dias do julgamento do mensalão. E, 'data venia', vi que há no Tribunal alguma coisa nascendo nas frestas dos rituais solenes: os indícios de um fato histórico: o STF está mais ligado ao mundo real, mais atento à opinião pública (por que não?)


Mas, dava para ver um tenso alvoroço no plenário como na pré-estreia de um filme inédito. Tudo parecia ainda um atemorizante sacrilégio, como se todos estivessem cometendo um pecado - o delito de ousar cumprir a lei julgando poderosos. Será que ousarão contrariar séculos de impunidade, séculos de distância entre a Justiça e a sociedade?

Vi o frisson nervoso nos juízes que, depois de sete anos de lentidão, têm de correr para cumprir os prazos impostos pelas chicanas e pelos retardos que a gangue de mensaleiros conseguiu criar. Suprema ironia: no país da justiça lenta, os ministros do Supremo são obrigados a correr, andar logo, mandar brasa, falar rápido, pois o Peluso tem de votar e sai em setembro. E só há julgamento porque o ministro Ayres de Britto se empenhou pessoalmente em viabilizar prazos e datas. Se não, não haveria nada.

O STF parecia um palco armado: os advogados dos réus numa tribuna, a imprensa, convidados VIPs. Os advogados se movem em sincronia como discretos bailarinos de ternos, com expressões céticas ou quase cínicas, um tédio proposital nas caras, ostentando a tranquilidade profissional de pistoleiros bem pagos antes de sacar a arma no duelo.

Ali estavam os protagonistas: Joaquim Barbosa transido de dores, ardendo na pressa de emplacar esta revolução no STF, defrontando-se com a programada lentidão de seu inimigo principal, Lewandowski, o homem que levou seis meses para ler um processo escancarado havia sete anos, e que no início do julgamento deu-se ao capricho de ler o seu voto por uma hora e meia, conseguindo cumprir a estratégia de Thomaz Bastos e atrasar mais um dia no processo. E conseguiu irritar Joaquim Barbosa, que o chamou de "desleal". Lewandowski retrucou, revelando a intenção que lhe vai na alma: "pelo que vejo, este julgamento vai ser turbulento". Quando foi cantar o Gilmar Mendes, Lula disse que Lewandowski estava sob muita pressão e que o Joaquim Barbosa era um "complexado" - por quê? Porque é preto e está de coluna doendo? Ninguém, claro, assume o sutil racismo brasileiro, mas ninguém esquece que ele é preto; nem ele. A verdade é que Lula o nomeou achando que seria uma "ação afirmativa" para seu governo e que Barbosa lhe seria grato. Lula achava que podia influir no outro poder com esse gesto. Dançou também no seu 'alopramento'.

No voto de Lewandowski vimos seu desejo de deixar patente na TV que é resistente a pressões de nossa 'rasteira' opinião pública. Quis também exibir cultura jurídica cravejada de citações, criando um mecanismo de defesa preventivo que transmuta sua fama de lento em 'independência' minuciosa. O julgamento vai oscilar entre a pressa e a lentidão. Pelos freios e embreagens, a defesa dos réus se fará por meio de chicanas retardadoras, por atrasos programados, por bloqueios e 'questões de ordem' com cascas de banana.

Aí, começou a leitura da acusação do procurador-geral da República, que ouvi com um arrepio de orgulho, como se estivesse na Inglaterra diante de um sistema judiciário impecável. Seu relatório serviu como uma viagem no tempo, rememorando toda a chanchada deprimente que foi o escândalo do mensalão, sete anos atrás. Tudo reapareceu: cada malinha de dinheiro vivo do Banco Rural, cada cheque administrativo, cada mentira e negação. Será dificílimo contestar o relatório e o voto de Roberto Gurgel, pois ele exibiu o óbvio, a autoevidência dos delitos. Daí, o show de chicanas a que assistiremos.

Foi espantoso constatar também que os "malfeitos" dos mensaleiros foram incrivelmente "aloprados", trabalho de ridículos amadores, deixando pistas gritantes, dando bandeiras em todas as direções. Como puderam errar tanto, ser tão primários?

Pensei e vi o óbvio - lembrei-me dos velhos comunistas que eu conheci tão bem na minha revolução juvenil.

O povão era nossa boa consciência, o povão era nosso salvo-conduto para a alma pacificada, sem culpas - o povão era nossa salvação.

Nós éramos mais "puros", mais poéticos, mais heroicos. Ai, que saudades do comunismo e, como dizia Beckett: "Que saudades das velhas perguntas e das velhas respostas..." A 'verdade' era o simplismo; complexidade era (e ainda é, para eles) coisa de 'direita'.

Mas, como era bom se sentir superior a um mundo povoado de "burgueses, caretas e babacas", como eu classificava a humanidade. Daí, a explicação: para que se importar com os babacas? Podemos deixar pistas à vontade porque, como disse o Lula, "sempre foi assim". Passaram a "desapropriar" a grana da "direita" - ou seja, inventaram o roubo com boa consciência, para 'salvar' o povão com a grana do povão. Claro que isso foi apenas o "rationale" para justificar a 'mão grande', um estandarte ideológico para legitimar a invasão da 'porcada magra no batatal'. Claro que pegaram altos trocos, porque ninguém é de ferro. Só não contavam com as 'cobras criadas' do Congresso, como o Jefferson, que viram aqueles comunas folgados descumprindo promessas, tratando-os com descaso de heróis contra 'burgueses alienados e covardes'. Deu nas denúncias operísticas do Jefferson, um dos recentes salvadores da pátria. Por trás do mensalão há desprezo pela inteligência da sociedade.

Mas, muito mais grave do que a tradicional mãozinha nas cumbucas, mais grave que punhados de dólares na cueca ou na bolsinha, muito mais grave é a justificativa de que tudo não passou de 'crime eleitoral', quando se tratou de mais de R$ 100 milhões num roubo "revolucionário". Os mensaleiros se absolvem e justificam porque teriam uma missão acima da democracia "burguesa".

Portanto, o STF não está julgando apenas umas roubalheiras, mas a tentativa de desmoralizar a democracia para o benefício de um partido único. O PT quis usar o governo que "tomaram" para mudar o Estado brasileiro. O STF está julgando a preservação da República que lentamente se aperfeiçoa e este julgamento já é uma etapa de nossa evolução democrática.


FONTE: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-importancia-historica-do-stf-,912447,0.htm

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

MINISTRO MOREIRA ALVES EM ENTREVISTA

História do Supremo

"Julgamentos do STF eram mais técnicos na minha época"

O ministro José Carlos Moreira Alves não gosta de gravar entrevistas. Não que tenha o costume de se arrepender do que diz, ou que confie na habilidade de taquigrafar do interlocutor. Por algum motivo, não se sente à vontade diante de um gravador. Câmeras também não fazem seu gênero. Ele não esconde de ninguém sua antipatia pelas transmissões ao vivo das sessões do Supremo.

Quaisquer que sejam suas razões, o efeito prático o favorece: sem o aparelho, é redobrada a atenção de quem o entrevista às poucas, mas certeiras, palavras do ministro mais longevo que o Supremo Tribunal Federal já teve desde a existência da aposentadoria compulsória. De acordo com sua própria conta, foram 27 anos e dez meses na corte. Durante mais de dez, foi o decano.

Experiente, Moreira Alves fala para que suas palavras não precisem ser editadas. No bloquinho é difícil perceber, mas na hora de passar a limpo fica evidente. Todos os pontos e vírgulas estão onde deveriam estar. Mesmo assim, nunca parece satisfeito com o resultado de suas declarações. “Depois o senhor conserta a gramática”, diz, com mais rigor que insegurança, ao final de cada resposta. Mesmo sem querer ensinar, não perde o ar professoral.

Sua experiência não vem do contato constante com a imprensa. É um homem conhecido por sua aversão a falar em público fora da corte. Para conceder esta entrevista, perguntou os assuntos que seriam tratados, como seria publicado, qual é o tipo de leitor da ConJur etc. De posse dessas informações, perguntou se havia algum jeito de “adiantarmos a pauta”. Tinha, claro. As perguntas foram enviadas por e-mail e, antes do início da conversa, o ministro as leu mais uma vez.

Trata-se de um homem resistente. Foram necessários alguns encontros até que fosse possível abordá-lo e, timidamente, consultá-lo sobre uma entrevista. O primeiro deles foi em abril deste ano, quando o ministro foi convidado pelo departamento de Direito Civil da PUC de São Paulo para falar sobre o Código Civil de 2002, em comemoração aos dez anos do texto. Moreira Alves integrou, entre 1969 e 1975, a comissão que elaborou o anteprojeto de lei, só aprovado pelo Congresso 25 anos depois. Ficou responsável pela parte geral do código, que trata das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos.

O segundo encontro ocorreu em junho, em um jantar organizado pelo advogado Ricardo Sayeg, candidato à Presidência da OAB paulista. Lá estavam José Manoel de Arruda Alvim e Thereza de Arruda Alvim, casal de professores de renome da PUC-SP e amigos de Moreira Alves que intermediaram, desde abril, seus contatos com a redação da ConJur.

Era a oportunidade de conhecer Moreira Alves sem a costumeira tietagem à volta. Uma conversa, em que o ministro se mostrou bem humorado e disposto. Mas nada de caneta. Contou de sua coleção de livros (“uns 20 mil, sem exagerar”) e de sua avidez por leitura. Tentou comentar atualidades, mas àquela altura o mensalão já era a única atualidade do país.
Achou “difícil dizer” se é o maior escândalo político pelo qual o país já passou, mas “com certeza” não é o processo de mais repercussão que o Supremo já teve em mãos. “Uma ação penal ajuizada contra um ex-presidente da República é algo sem precedentes na história mundial”, disse, sobre a ação movida pelo Ministério Público Federal contra Fernando Collor de Mello, já depois do impeachment pelo Senado. Moreira Alves participou do julgamento como revisor e votou pela absolvição.

Votou pela absolvição, e foi acompanhado por outros quatro ministros. Venceu outros três. O resultado do julgamento levou fotos dos cinco vencedores a um mural na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. Ficaram classificados como “inimigos da pátria”, lembra Moreira Alves, com bom humor.

Quando falou sobre Collor, foi incisivo como raras vezes seria na entrevista, que só aconteceria uma semana depois. Entre as falas mais recorrentes estão “ah, não sei”, “acho difícil dizer” e “é melhor que eu não responda”. É um homem resistente.

E conservador. Não que seja necessário apontar o dedo e fazer qualquer juízo de valor sobre suas posições pessoais. Como decano por muitos anos, ele mesmo explica, tinha o costume de intervir nos votos de seus colegas e “lembrar a jurisprudência” do Supremo. A memória o tornou um conservador.
Mas há quem discorde. O ministro Gilmar Mendes, que foi companheiro de STF e aluno de Moreira Alves, é um deles. Em seu livro Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil, Gilmar atenta para uma grande contradição.

“Cumpre observar que não deixa de ser perturbador para muitos o fato de que o desenvolvimento e significativas conquistas relacionados com a jurisdição constitucional no Brasil estejam indelevelmente associados a um nome que a imprensa cotidiana costuma classificar como prócer maior das ideias conservadoras do Supremo Tribunal Federal. Talvez seja mais uma dessas esquisitices brasileiras, que, paradoxalmente, permita que significativos avanços e progressos advenham de inspiração pretensamente conservadora”, diz a conclusão do livro.

Já o hábito de intervir o deu a pecha de feroz. Diz-se até que o ministro Xavier de Albuquerque, colega de STF, não aguentou as discussões com o decano e deixou a corte. Reclamou ter desenvolvido uma úlcera. Moreira Alves ri: “Hoje em dia ele está muito mais bem conservado e saudável que eu”.

Apesar de “falar texto pronto”, Moreira Alves não é um homem de poucas palavras. Quem lembra de suas participações nos julgamentos do STF sabe disso. É que, aos 79 anos, duvida da importância dos detalhes de cada história que conta. Não é raro ouvir frases como “isso não interessa mais a ninguém”.

Quando está prestes a lembrar de uma história, para de falar e adota um olhar distante, como se consultasse os confins da memória. Reflete e dá a ordem: “Vou contar e depois o senhor dá um jeito de anotar”. E aí volta o olhar compenetrado e cortante de sempre. 

É em um desses momentos que ele diz não fazer ideia da quantidade de votos que proferiu em seu longo mandato no STF. Faz desdém de números. Percebe a insistência na pergunta e revela: o Supremo recentemente enviou volumes com todos os seus votos. “Eram mais de 300 cadernos”, diz, sem fazer questão da precisão. 

Mas é certo que ainda por muitos anos ele será o doutrinador que mais deixou digitais na interpretação em vigor da Constituição Federal. Não é pouco. As regras que se aplicam no país — “para o bem ou para o mal”, como diz ele — devem mais a ele do que a algumas centenas de legisladores, sem exagerar. 

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor já disse que toda corte suprema tem uma função também política. O senhor acha que essa função política mudou da época em que o senhor era ministro para hoje?
Moreira Alves — A função é política desde o momento em que se tem o Direito Constitucional. Por conta disso, são tomadas decisões judiciais de teor político, que não é obviamente a política partidária. Essa função política o Supremo sempre teve. Houve uma mudança do enfoque, que tem a ver com sua composição.

ConJur — Hoje o Supremo tem muito mais visibilidade entre os cidadãos comuns do que há 20 ou 30 anos. Como o senhor avalia esse fenômeno?
Moreira Alves — Isso decorre principalmente do televisionamento das sessões e da maior divulgação da atuação da corte pela mídia.

ConJur — A dinâmica das sessões do Supremo mudou?
Moreira Alves — Sim. A começar por decorrência da própria televisão. Os julgamentos se prolongaram pela extensão dos votos. Na minha época, eram menores. Hoje falam para aparecer mais na televisão.

ConJur — Essa divulgação também mostrou que acontecem discussões na corte, muitas vezes discussões bastante acaloradas.
Moreira Alves — Sempre houve discussão. Fui contra o televisionamento justamente para não dar a impressão de que a corte é uma arena de discussões, até acaloradas, dando o ensejo, aos que não têm trato com a Justiça, que elas são contrárias à postura da magistratura.

ConJur — Mas as discussões sempre foram assim animadas? O senhor, por exemplo, tinha o perfil de intervir nas falas e nos votos dos outros ministros.
Moreira Alves — Na minha época posso dizer que as discussões eram mais técnicas, ainda que acirradas. Como decano por muitos anos, eu intervinha para lembrar a jurisprudência da corte.

ConJur — O senhor acha que o papel principal de uma corte suprema deve ser essencialmente constitucional?
Moreira Alves — O papel principal de uma corte suprema é defender a Constituição, sendo que o que é infraconstitucional deve ser defendido pelo Superior Tribunal de Justiça. Isso me parece correto, porque hoje, sem essa divisão, não haveria condições de julgar. Quando saí do Supremo, a cada ministro eram distribuídos 10 mil processos por ano. No STJ, o volume de trabalho é impressionante, apesar de serem 33 ministros.

ConJur — E o senhor lembra de alguma discussão importante, da qual o senhor tenha tido participação essencial?
Moreira Alves — Discussões houve muitas. Uma delas, por conta do FGTS, fez com que terminasse a discussão que abrangia centenas de milhares de recursos extraordinários. Era um debate do que seria direito adquirido e do que não seria no caso de alguns benefícios. As discussões em ações diretas de inconstitucionalidades foram importantes também. Houve debate sobre o problema das constituições estaduais que tinham artigos que eram cópias da Constituição Federal, mas que a interpretação do Tribunal de Justiça era diferente da interpretação que o Supremo Tribunal Federal dava ao texto federal. Eu fui relator desse caso, e se decidiu que essa interpretação poderia ser atacada no Supremo por meio de Recurso Extraordinário, o que então não era permitido, mas passou a ser.

ConJur — Em quase 30 anos, então, sua contribuição ao Supremo foi imensa, com certeza.
Moreira Alves — Ah, depois de tantos anos foram várias as minhas contribuições. O ministro Gilmar Mendes chegou a escrever um livro sobre as minhas contribuições em julgamentos de ações diretas de inconstitucionalidade. Esse livro tem mais de mil páginas. Pelo índice é possível ver a quantidade de acórdãos selecionados – e ali não estão todos.

ConJur — O senhor tem ideia de quantos acórdãos proferiu?
Moreira Alves — Recentemente chegaram em casa os volumes com as cópias de todos os meus acórdãos. Eram mais de 300.

ConJur — Tem interesse em publicá-los?
Moreira Alves — Os votos de maior interesse já foram publicados nas revistas trimestrais de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

ConJur — Para questões jurisprudenciais, o fato de a corte ter um ministro com quase 30 anos de casa é bom?
Moreira Alves — Sim. Como já salientei, eu intervinha muito nos votos dos colegas para lembrar a jurisprudência, e evitar mudanças de orientações consolidadas sem justa razão. Eu mesmo mudei alguns posicionamentos, de 20 ou 30 anos de idade, mas sempre quando havia motivo para isso.

ConJur — O senhor contou que teve três alunos no Supremo.
Moreira Alves — Foram quatro: o Celso de Mello na USP, o Carlos Alberto Menezes Direito no Rio e o Gilmar Mendes e o Joaquim Barbosa em Brasília.

ConJur — Conviveu com eles na corte?
Moreira Alves — Sim, com dois deles, o Celso e o Gilmar. O Carlos Direito assumiu depois e o Joaquim ocupou a minha vaga.

ConJur — E como é discutir com alunos?
Moreira Alves — Assim como discutir com qualquer ministro.

ConJur — O processo de escolha dos ministros dos governos civis é mais político do que durante os governos militares?
Moreira Alves — Difícil dizer a diferença entre civis e militares quando se trata de nomeação para o Supremo. Prefiro não fazer comparações.

ConJur — O senhor falou que o julgamento mais polêmico do qual participou foi o do presidente Fernando Collor.
Moreira Alves — Não foi o mais polêmico, mas o mais representativo. Uma ação penal ajuizada pelo Ministério Público contra um ex-presidente nunca havia acontecido na história do país. Ele já tinha sofrido o impeachment pelo Senado, presidido pelo ministro Sidnei Sanches. Depois, o Supremo julgou a ação penal ajuizada pelo Ministério Público. Eu era o revisor e votei pela absolvição por entender que a procuradoria não conseguiu comprovar nos autos os fatos que alegava.

ConJur — Enquanto estava no Supremo, o senhor julgou sob duas constituições.
Moreira Alves — Três. O Brasil já teve várias constituições. Primeiro a de 1824, que foi a do Império. Depois a de 1891, que foi a primeira da República.  Veio então a de 1934, a primeira da Era Vargas, e depois a de 1937, também de Vargas. Em 1946 teve outra e depois da Revolução de 64 os militares fizeram outra, em 1967. Mas logo veio uma reforma, em 1969, que foi a Emenda Constitucional 1, outorgada pela Junta Militar. E ficamos quase 20 anos com essa, até que veio a de 1988, que é a atual.

ConJur — Mudou muito?
Moreira Alves — O trabalho de um tribunal como o Supremo é analisar a constitucionalidade das leis.

ConJur — É verdade que o senhor já ocupou a chefia dos três poderes?
Moreira Alves — Sim, pelas voltas que o destino dá. Fui presidente do Supremo, presidente da Constituinte nas suas duas primeiras sessões e presidente da República por três dias e meio, na época do presidente Sarney. Mas não outorguei nada nem viajei para lugar nenhum.

ConJur — O que o senhor acha dessas medidas para diminuir as possiblidades de recurso?
Moreira Alves — Acho que é uma questão de necessidade. Quando saí do tribunal recebíamos 10 mil processos por ano cada um. Era um número absurdo.

ConJur — Existe uma seção no site do Supremo que conta a história da corte. Ali diz que nos anos 1910 o STF passou por uma crise porque recebia cerca de mil processos por ano.
Moreira Alves — Foi a chamada crise dos recursos extraordinários, de dimensões muitíssimo menores que a do meu tempo de ministro.

ConJur — Voltaria pra julgar o mensalão, se pudesse?
Moreira Alves — Aposentados não podem voltar à atividade. E juiz não escolhe o caso que vai julgar.

ConJur — O senhor chegou a aplicar, no Supremo, o Código Civil de 2002, cujo anteprojeto o senhor ajudou a elaborar?
Moreira Alves — O código foi aprovado em 2002, eu aposentei em 2003. Peguei só o tempo em que a lei estava aprovada, mas estava esperando para entrar em vigor.

ConJur — E se chegasse um questionamento de artigo que o senhor escreveu?
Moreira Alves — Eu teria, se julgasse procedente, de ter a humildade de dizer: “Errei”.

ConJur — Com pouco mais de 30 anos, o senhor já era catedrático da Faculdade de Direito da USP e já integrava a comissão da reforma do Código Civil. Pode contar um pouco da sua trajetória?
Moreira Alves — Eu me formei bacharel na Faculdade Nacional de Direito, da antiga Universidade do Brasil [atual Universidade Federal do Rio de Janeiro], no Rio de Janeiro, em 1955. Fiz nessa faculdade tese de doutoramento em Direito Privado, e a defendi em abril de 1961. No mesmo ano, pouco depois, obtive a livre docência em Direito Romano, que mais tarde se estendeu ao Direito Civil. Isso ocorreu no fim do primeiro semestre de 1961, e em setembro do mesmo ano fiz concurso para catedrático de Direito Romano na Faculdade de Direito do USP, em São Paulo, no Largo de São Francisco. Fui classificado em segundo lugar. Mais tarde, em 68, fui primeiro colocado no concurso para catedrático de Direito Civil, também na USP. Em 1972, fui nomeado procurador-Geral da República, e exerci até junho de 1975, quando fui empossado ministro do Supremo Tribunal Federal, cargo que desempenhei por 27 anos e 10 meses. 

ConJur — Foi o ministro que ficou mais tempo na corte?
Moreira Alves — Na realidade, houve outro , antigamente, que ficou 30 anos. Mas isso era antes da aposentadoria compulsória. Ele ingressou com 60 anos e morreu com 90.

ConJur — A carreira de professor foi interrompida depois que o senhor foi empossado ministro?
Moreira Alves — Não parei de dar aula enquanto era ministro. Quando fui empossado, a USP me colocou à disposição da Universidade de Brasília, onde lecionei Teoria Geral de Direito Privado de 1974 até 2003, quando me aposentei por São Paulo. Minha atuação, portanto, antes do ingresso no Supremo foi como advogado e professor, sendo que o magistério exerci até os 70 anos, até me aposentar
.

ConJur — Na época em que o senhor era procurador-Geral da República, o Ministério era defesa e acusação, certo?
Moreira Alves — Sim. Antigamente o MP fazia a acusação e a defesa. Eu não só era o chefe do Ministério Público Federal, como também fazia a defesa da União. Fazia também o que hoje é papel do advogado-Geral da União.

ConJur — Como foi o convite para integrar a comissão de elaboração do Código Civil?
Moreira Alves — O convite foi feito em 1969, no ano seguinte ao que me empossei na USP. E decorreu da seguinte forma: naquela época, o professor recém-empossado era quem dava a aula magna, e eu era o mais recente da Faculdade de Direito da USP. Minha aula foi sobre as lições do Código Civil português, que havia sido promulgado dois anos antes, em 1966 – portanto, era um código bastante recente. O professor Miguel Reale, que fora designado supervisor dos trabalhos da elaboração do anteprojeto do Código Civil, esteve presente à aula e ao seu término me convidou para fazer parte da comissão de elaboradores, como responsável pela parte geral.

ConJur — Quem integrava a comissão?
Moreira Alves — A comissão era formada pelas seguintes pessoas: o professor Miguel Reale era o coordenador; eu fiquei com a parte geral, a primeira parte; a parte dos Direitos Reais ficou com o professor Ebert Chamoun, do Rio de Janeiro; Direitos das Obrigações ficou com o professor Agostinho Alvim, da PUC de São Paulo; o Direito de Empresas, que era a atividade negocial, ficou com o professor Silvio Marcondes; o Direito de Família ficou com o Clovis de Couto e Silva, do Rio Grande do Sul; e o Direito de Sucessões coube ao professor Torquato Castro, de Recife. 

ConJur — E qual foi o caminho que ele percorreu?
Moreira Alves — Em 1975, o anteprojeto foi apresentado ao Ministério da Justiça pelo professor Reale. Depois foi ao Congresso. Na Câmara, o Código teve uma primeira aprovação em 1984 e posteriormente foi ao Senado, onde foi aprovado com algumas alterações devido à nova Constituição. Voltou então à Câmara e foi aprovado em 2002.

ConJur — Longo caminho...
Moreira Alves — Foram 25 anos. Mas todo código civil tem elaboração demorada, exceto, muitas vezes, em regimes não democráticos, como houve com o Código Napoleônico, em que Napoleão o outorgou. Ou com o Código Civil italiano de 1942, do tempo de Mussolini. O Código Civil brasileiro de 1916, o anterior, foi enviado ao Congresso em 1900, durante a República. Demorou, portanto, cerca de 16 anos para ser aprovado.

ConJur — E quais eram as mudanças necessárias ao código de 16?
Moreira Alves — O Código Civil de 1916 era considerado um monumento legislativo, mas nem por isso não devia ser modificado nas partes em que estivesse sido ultrapassado pela evolução do Direito, mantendo-se assim o que não deveria ter modificação. Aí a razão pela qual o Código Civil de 2002 manteve boa parte do Código de 16, mas com várias novidades, inclusive a unificação do Direito Privado.

ConJur — Mas qual foi a principal transformação?
Moreira Alves — O Código de 16 era eminentemente individualista e havia necessidade de uma socialização do Direito Civil, o que se fez, principalmente, por meio da função social da propriedade, dos contratos e da posse, além de se dar ênfase aos conceitos indeterminados e ao princípio da boa-fé objetiva.

ConJur — E foi isso o que mais mudou?Moreira Alves — O que mais mudou foi justamente a função social da posse e dos contratos, bem como a boa-fé objetiva e a ampliação dos conceitos jurídicos indeterminados.


Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2012