"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

MITOS E VERDADES SOBRE A CRISE DO JUDICIÁRIO

Sob o título “Verdades que não são ditas”, o artigo a seguir é de autoria de Antonio Sbano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais.

A cada dia aumentam os ataques ao Poder Judiciário com acusações de “caixa preta”, falta de transparência e privilégios.


As boas práticas são sempre, e maldosamente, omitidas.

O Poder Judiciário vem, nos últimos anos, apresentando uma gama de transformações, mudando seu perfil de um Poder calado e voltado para dentro de si mesmo, imagem construída por uma cultura secular e que não mais condiz com a realidade de nossos dias.

verdade que a transformação da máquina judiciária a muitos incomoda na medida em que a população clama pela transparência nos demais Poderes.
Vamos, em partes, avaliar esses novos tempos do Judiciário.

Desde sempre, o Poder Judiciário foi fiscalizado em todos seus atos: a atuação dos magistrados são sempre escritas e registradas em autos e atas, a elas as partes e seus advogados têm acesso, existe a participação do Ministério Público e nosso sistema assegura duplo grau de jurisdição, ou seja, toda decisão judicial está abrigada por um recurso processual, cabendo a revisão do caso a um colegiado. Não existem diários secretos ou publicações ocultas!

Existiam falhas no campo administrativo. Hoje, com o Conselho Nacional de Justiça, novos rumos são traçados e políticas de aperfeiçoamento da administração judiciária se implementam a cada dia, otimizando o trabalho e reduzindo custos operacionais. O CNJ, integrado por magistrados, promotores, advogados e pessoas da sociedade indicadas pelas Casas Legislativas, vem, apesar de alguns erros, poucos e naturais em uma fase de consolidação do organismo, prestando relevantes serviços à Nação.

Dizem que a Justiça não merece crédito da população.

Vou me limitar à Justiça Estadual, certo que as demais caminham na mesma trilha.

Em 2010, segundo dados do CNJ (acesso público livre no site), a Justiça dos Estados, contando com cerca de 12.000 magistrados (1º e 2º Grau), registra os seguintes números: Receita de R$ 8 bilhões gerada pela Justiça Estadual; 19.604.102 casos novos; 49.401.291 casos pendentes; 20.184.180 processos baixados e  17.611.991 sentenças/decisões.

Em simples operação matemática se vê que a magistratura estadual brasileira, entre processos baixados e sentenciados, produziu um total de 37.796.171 de atos, ou seja, medida mensal de 3.150 feitos, ou, ainda, 262 processos/dia/juiz.

Acrescente-se que o magistrado não apenas sentencia: ele faz audiências, atende aos advogados, administra o cartório e tem a seu cargo diversas atividades administrativas para o regular funcionamento da unidade jurisdicional. Se trabalhasse apenas o horário de expediente…

Se o povo não acreditasse na Justiça, como se explica que em 2011 os casos novos atingissem à casa dos 23.000.000 de processos?

Um dos grandes entraves a uma Justiça mais rápida é a excessiva judicialização de casos que deveriam ser resolvidos pelas Agências Reguladoras, afetas ao Poder Executivo e que se demonstram ineficientes.

Outro óbice é a legislação ultrapassada e a permitir sucessivos recursos processuais, fazendo com que os processos se eternizem.

Ainda, temos a enfatizar o calote oficial dos precatórios: o Poder Público é condenado e não paga suas dívidas, inexistindo previsão legal de punição do governante que desrespeita o direito do cidadão, fazendo voz corrente: ganhou, mas não levou, quem sabe os netos ou bisnetos!

A atual cúpula governista tem ojeriza ao Poder Judiciário e nega, aos magistrados, todo e qualquer direito previsto na Constituição Federal. Motivos? Quiçá a história possa informar!

Ouvi, ontem (13/o2/2012),  pergunta de um jornalista ao Presidente da AMB, questionando o privilégio do magistrado em receber auxílio para mudança. Para o magistrado, o jornalista enfatiza PRIVILÉGIO, o que ele não diz, quiçá não saiba, que na CLT aos trabalhadores em geral se assegura o direito de adicional de transferência e pagamento das despesas efetuadas para a mudança. A pergunta foi meramente provocativa e destinada a causar clamor popular.

Atacam-se as férias de 60 dias. Entretanto, só se fala das férias na magistratura, e as do Ministério Público e da defensoria Pública e de outras carreiras jurídicas do Estado?

E no Parlamento, onde se registram 55 dias de recesso e os seus Membros ainda reservam dias da semana para visitar suas bases eleitorais?

Juízes trabalham em regime de plantão, sem remuneração extra. Mesmo não estando de plantão, podem ser instados a resolver casos urgentes. Estão, portanto, à disposição do serviço público, 365 dias por anos, descontadas as férias.

Pretende-se considerar iguais situações que são desiguais. Se para algumas categorias se admite tratamento diferenciado, por que só para a magistratura se afirma ser “privilégio”. Latente má fé!

Os mesmos que tentam chafurdar o Poder Judiciário na lama, não esclarecem ao povo que, verbis gratia, a Justiça concede inúmeros Habeas Corpus, Mandados de Segurança e Liminares para sanar violação aos direitos do cidadão, independente dia e hora.

Criticam-se pagamento de valores devidos ao longo de  décadas aos magistrados, chegam a falar em prescrição de forma leviana e ignorando o que seja tal instituto e as normas legais que a interrompe.  No âmbito da CLT, se a empresa não paga seus débitos trabalhistas, penhoram-se bens e quitam-se as dívidas. Quanto aos juízes, após anos de batalha judiciais, as sentenças só são cumpridas anos mais tarde e após árduas negociações e sempre atrelados à disposição de caixa. Evidente que a cada ano, aplicando-se juros e correção monetária, índices estabelecidos em lei, a dívida assume proporções enormes. Se o Poder Público honrasse seus compromissos a tempo, com certeza os valores seriam bem menores. Dirão, existem casos irregulares! Sim, podem existir, apure-se e punam-se os infratores, não é porque uma laranja está podre que toda carga está perdida!

O magistrado desconta previdência social sobre a totalidade de seus ganhos, mas a partir de 2004, somente receberá sua aposentadoria sobre o teto previdenciário e nada mais. E os valores pagos a mais, o governo se apropriará indevidamente?

A discriminação é gritante, o trabalhador vinculado ao INSS desconta, no máximo, sobre o teto previdenciário. Por que somente os magistrados são apenados com descontos sobre a totalidade de seus ganhos se, depois, só receberão sobre o teto previdenciário – e sequer são filiados ao INSS?
Acusam as Associações de Magistrados de corporativistas. Se uma Associação de classe ou um Sindicato não for corporativista o que justificará sua existência?

Muitas mudanças ainda precisam ser feitas.

No Executivo, a cada dia surgem novos escândalos, sempre mal esclarecidos; no Legislativo, verifica-se alguma melhora, mas não se tem oposição de fato.

No Judiciário, os julgamentos são abertos, as exigências para ingresso na magistratura, a de carreira, são grandes e além das provas de conhecimento existe a investigação social, rigorosa e a não admitir uma simples anotação na distribuição de processos. Ou seja, a ficha limpa funciona desde longa data e não apenas para quem tem anotação após julgamento de 2º Grau. Evidente que com controle rígido, poucos são os que se afastam do bom caminho – E TODA MAGISTRATURA CLAMA PELA EXCLUSÃO DOS FALTOSOS, APÓS O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A AMPLA DEFESA, direitos de todo cidadão.

Não se pode continuar com o critério estritamente político de escolha de Ministros para os Tribunais Superiores, chegando-se ao absurdo de um único Partido Político deter o controle absoluto de tais indicações, vale dizer, transformando-se uma corte técnica em órgão a decidir por vontade social, usurpando a função do Congresso. Veja-se o recente julgamento da Lei Maria da Penha: a lei em vigor diz que a ação penal e condicionada; uma decisão judicial, a transforma em pública incondicionada, quando tal mudança deveria se operar por processo legislativo.

Após a criação do CNJ, é de se repensar o chamado quinto constitucional. Todo cargo efetivo somente deve ser preenchido por concurso público, nunca por escolha política e sem critérios objetivos.

A estrutura de 1º e de 2º Grau merecem um padrão nacional, como forma de se dar ao cidadão serviços mais facilmente identificados e eficientes. Isto não implica em retirar dos Estados a sua autonomia e gestão, a exemplo de outros serviços públicos normatizados nacionalmente, mas executados pelos Estados.

Sem um Poder Judiciário forte e capaz de atuar sem pressões ou opressões dos demais Poderes, não se terá democracia, o cidadão estará sujeito aos caprichos e desejos dos governantes, sem ter a quem recorrer.

Um exemplo claro é a busca, diária, do cidadão para que o Judiciário lhe assegure remédios e internações essências à vida (direito constitucional), o que desagrada a elites governantes. Sem independência do juiz para se opor à resistência do governo, a quem o cidadão irá recorrer?

Concluindo, não se constrói uma democracia sólida sem Poderes organizados, livres, independentes, porém harmônicos e que possam, somando esforços, atender às necessidades sociais.

As garantias inscritas na Constituição Federal não se destinam à magistratura, mas ao povo de sorte que possam ter a seu serviço, um Órgão capaz de assegurar os direitos contidos naquela Carta e nas leis inferiores contra os abusos e desmandos dos demais Podres e, até, de Membros do próprio Poder Judiciário. Garantias existem em outros Países e são valorizadas e respeitadas, aqui, uns poucos sensacionalistas de plantão e sem compromisso com a causa pública, rotulam tais garantias de “privilégios”.

Seria ótimo que tais detratores buscassem estatísticas em outros Países para ver em quantos se têm produtividade maior, ou ao menos, igual a dos juízes brasileiros.


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