"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



sábado, 16 de junho de 2012

A ÚLTIMA AULA: O SENTIMENTO DE UM PROFESSOR


* Juarez Tavares
A ÚLTIMA AULA

 O tempo corre e a vida na Terra se transforma. Para nós, que aqui habitamos e não podemos nos deslocar com a velocidade da luz, os acontecimentos se sucedem inexoravelmente e o presente se transmuda, todos os dias, em passado.

Ontem, dia 15 de junho de 2012, ministrei na UERJ minha última aula de graduação, porque em agosto próximo deverei aposentar-me compulsoriamente. Já se foram m...ais de 35 anos de magistério superior, sempre na cadeira de direito penal.
Comecei minha carreira docente na Universidade Federal do Paraná, passei pela Universidade Católica do Paraná, pela Universidade Estadual de Londrina, pela PUC/RJ, pela Uni-Rio para, finalmente, terminar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Durante esse período, cada vez de modo atualizado, procurei transmitir aos meus alunos o conhecimento daquilo que a ciência penal produziu no Brasil e no mundo. Intensifiquei o estudo da dogmática penal, percorri com os estudantes todos os caminhos e meandros das teorias, dos critérios de racionalidade, de suas possibilidade e impossibilidades. Minha preocupação foi desenvolver nos estudantes uma visão crítica do direito, dentro daquela tradição tão bem representada pela Escola de Frankfurt.
Meu objetivo não era, primordialmente, buscar soluções, mas apresentar problemas, levar ao extremo uma dialética negativa, única forma de fazer com que as pessoas refletissem sobre as contradições de uma legislação repressiva em face de uma sociedade essencialmente desigual, desumana e profundamente comprometida com uma visão autoritária.
Busquei mostrar os antagonismos e as incoerências dessa sociedade e das políticas estatais que a representam no âmbito das normas incriminadoras. Sempre dediquei meu tempo a me opor às soluções mirabolantes e messiânicas, todas essas sedimentadas na crença de que por meio do direito penal se poderia alcançar a proteção infinita e a eterna felicidade. Essa crença vã jamais habitou meu pensamento; afastei-a de minhas aulas; monitorei cada frase de meus escritos para que não a encampassem; sugeri constantemente aos estudantes que dela se libertassem. Meu magistério foi voltado a outra crença, à crença na pessoa humana e em sua luta constante e eterna por sua liberdade. Não sei se consegui formar seguidores ou simpatizantes, mas cumpri meu dever de assinalar a todos que outro mundo é possível.


*Doutor e Mestre em Direito, Pós-doutor no Institut für Kriminalwissenschaften und Rechtsphilosophie da Universidade de Frankfurt am Main, Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Professor convidado das Universidades de Buenos Aires, Frankfurt e Sevilha (Pablo d'Olavide. Foi membro de várias comissões de reforma do código penal e da legislação penal brasileira. Tem incorporado em suas obras uma concepção bastante crítica do direito penal. A partir de suas finas observações às teorias tradicionais do delito, como a teoria causal-naturalista, a teoria finalista, a teoria social da ação e as teorias funcionais, assinala uma orientação próxima à Escola de Frankfurt, com base na teoria do agir comunicativo de Habermas, mas corrigida segundo postulações da filosofia analítica e das doutrinas deslegitimadoras do poder punitivo, como as do interacionismo simbólico e do neomarxismo. É membro do Ministério Público Federal desde 1982. É Subprocurador-geral da República desde 2007.


FONTE: Facebook


Nota do Editor: Professor Juarez Tavares, permita-me agradecer por toda a sua contribuição ao direito penal pátrio. Penso que a sua vida acadêmica não termina com as aulas práticas, mas sim com o término de seus importantes escritos que certamente tardará a acontecer, assim como Roxin que hoje aos seus 82 anos de idade continua a nos abrilhantar com seus conhecimentos, longe da prática acadêmica das universidades. Lembro-me no início da década de 80 quando disse ao meu professor de penal que estava gostando da matéria e ele me recomendou a sua brilhante obra "Teorias do Delito". Pequeno livro de capa verde, mas denso, muito denso de forma a me levar a várias tentativas para finalizar a obra com um pouco mais de 100 páginas, tendo sido a sua dissertação de mestrado em que conseguiu nota máxima na defesa perante a notável banca examinadora em 1978. Em seguida, em seu doutorado, com igual maior nota, perante respeitável banca examinadora composta, dentre outros, por Heleno Cláudio Fragoso e Miguel Reale Júnior, defendeu a tese Direito Penal da Negligência que posteriormente veio a se constituir em importante contribuição penal por meio de um livro. Parabéns e muito obrigado por sua contribuição para a ciência penal.

Um comentário:

  1. É uma pena para os novos alunos, que não terão o prazer de ser brindados por suas aulas tão deliciosamente enriquecedoras. Mas a legião de fãs sem dúvida continuará a crescer, por sua contribuição não só com a ciência penal, que é mais do que reconhecida, mas com o conhecimento científico de modo mais amplo, por meio do qual nos deu um presente valioso: sua compreensão sobre o homem e a sociedade, e as contraditórias relações de acolhimento e opressão que se dedicam mutuamente. Meu muito obrigada ao grande mestre, pessoa gentilíssima e de erudição assombrosa. Grande abraço. Carla Ramos.

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