"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." Rui Barbosa



sexta-feira, 26 de outubro de 2012

JOAQUIM BARBOSA, O JUIZ QUE DIZ O FATO


O juiz que diz o fato




Eu poderia muito bem revisar o meu voto, reformar, para que o Ministério Público aprenda a fazer a denúncia de maneira mais explícita”, disse Barbosa.
Excerto retirado do UOL Notícias: ”Após absolvições, Barbosa diz que Ministério Público tem que “aprender” a fazer denúncia“.


Joaquim Barbosa não é juiz. Escancarou hoje sua parcialidade. Não cumpriu seu papel. Seduziu-se pelo aplauso. Vendeu-se pelo glamour da acusação.

Depois de desrespeitosamente atritar com inúmeros membros do Supremo – Eros Grau, Gilmar Mendes, Ayres Brito, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – Barbosa ofendeu o Procurador-Geral da República Roberto Gurgel, afirmando ser necessário ensinar-lhe a denunciar.

Não é apenas grosseria. É ofensa. Tivesse o procurador-geral a baixa autoestima de Joaquim Barbosa, ter-lhe-ia imediatamente retorquido e perseguido juridicamente a proteção de sua honra.

Mas o Procurador-Geral sabe que a ofensa é o de menos. Juridicamente, Barbosa de forma infeliz deu mais um poderoso argumento para as defesas dos réus, comprometendo todo o julgamento. Ao manifestar-se da forma como tem-se manifestado, Barbosa defenestra a imparcialidade, requisito de todo o julgador. Ao buscar trazer à acusação elementos de condenação oferecendo-lhe remendo, não é julgador, mas acusador.

Barbosa votou pela condenação dos publicitários, posteriormente CONFESSANDO E RECONHECENDO que a acusação deixou de narrar elemento essencial do tipo penal da lavagem de dinheiro – o crime antecedente. Descumpriu a lei. Deveria ter reconhecido a insuficiência da acusação e votado pela inescapável absolvição. Já não pode negar: largou a toga e vestiu o manto acusador.

Narra mihi factum, dabo tibi jus. Este princípio reserva ao juiz conhecer e cuidar e dizer o direito, segundo os fatos a ele apresentados pelas partes. A pretensão pseudo-professoral de Barbosa é indevida invasão à função exclusiva do Procurador-Geral de dar-lhe os fatos nos quais basear seu julgamento.

Mais que julgador, Barbosa é relator do processo. Não pode defender versões de fatos como tem defendido. Brigas na corte (porque debates não são) sempre começam por sua intolerância. O relator não admite ser contrariado. Não admite que haja ponto de vista: fato é o que ele narra. Quem discorda não conhece “os fatos”.

A função primordial do juiz de “dizer o direito”, ou juris dictio, não vale para Barbosa. Barbosa, que simples juiz não é, tomou-se da prerrogativa de dizer “o fato”. É, portanto, parte.

Daí, qualquer divergência do revisor – cuja função, frise-se, é revisar e divergir – Barbosa toma como ofensa; toma como negação do que do relatório consta; toma, como gosta de dizer, como negação “dos fatos”. Essa baixa autoestima do ministro é estendida a qualquer divergência que lhe confrontem os demais julgadores. Agora, sua insegurança pessoal faz vítima o Ministério Público.

Toda essa balbúrdia há muito não era vista no tribunal. Há quase um ano Barbosa se ausenta das sessões no STF por “condições médicas”. Agora, seduzido pela fama, convenientemente retorna ao plenário “para por mensaleiros corruptos na cadeia”. Pouca diferença tem do operário convenientemente aposentado por invalidez pela falta do dedo mindinho, mas plenamente apto a fazer política sindical e governar um país. Pouca diferença há: usam das funções do Estado segundo a conveniência de seus interesses pessoais.

Mais de uma vez teve a atenção chamada pelo presidente do Tribunal. Não por seus posicionamentos, mas pela completa desproporção e descabimento de suas reações aos votos de seus colegas. A razão de ser de um órgão colegiado é alcançar decisões judiciais mais justas através da pluralidade de opiniões. Barbosa parece não compreender isto. Interrompe, força, tumultua. Quase ditatorialmente, busca impor à corte seus posicionamentos. Manipula a opinião pública sugerindo a suspeição de colegas. Navega habilmente no senso comum. Com o silogismo facilmente digerido pela população de que ‘mensaleiro é corrupto, corrupto tem que ir pra cadeia, logo mensaleiro tem de ir pra cadeia’,

 

Barbosa ganha adeptos através da condenação generalizada de todo e qualquer dos envolvidos. Pouco se preocupa em distinguir se realmente todos os 38 denunciados são ou não são realmente ‘mensaleiros’ e em qual medida. Seu silogismo maniqueísta serve-lhe para ganhar o aplauso do leigo: Barbosa virou hit de internet, assim como a Luiza que está no Canadá ou Nissim Ourfali e seu Bar Mitzva.

O mundo é cinza. Nada é só preto ou só branco. Ao que odeia mensalão e toda a forma de corrupção, reserve olhar crítico para também perceber os destemperos do meio do caminho. Não se deixe cegar pela busca sem critérios por uma justiça discutível. Lewandowski não votou diferentemente dos demais. Absolve uns poucos, condena uns muitos. Barbosa é a carta fora do baralho: condena a todos indistintamente, numa análise distanciada da lei. Isso não é justiça. É retrocesso.


Fonte: http://andreazevedo.co/o-juiz-que-diz-o-fato/



NOTA DO EDITOR: Concordamos em gênero, número e grau com o autor, diante de uma postura também antiética e de juiz inquisitor do relator que não se coaduna com um Estado Democrático de Direito e com o seu princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Vemos nessa ação ortodoxa, uma manifestação clara da corrente punitivista que se expressa por meio do nefasto movimento do direito penal máximo que vai de encontro à indicação pela criminologia crítica do direito penal mínimo como o melhor caminho a ser perseguido para o resgate do sistema penal e sua missão.

2 comentários:

  1. Diante de um fato, pensamos, sentimos. Indiferença. Reações diversas. Alguns concordam. Outros, não. A manifestação da reação pode adotar vestes diferentes conforme o clima, o ambiente de vida, os costumes, a índole, a educação formal ou não, preceitos religiosos, orientação política. Diante do artigo do Sr. André Azevedo, acolhido pelo editor, reagi, pensei, senti. Ficar quieto? Preferi, em homenagem ao responsável pelo blog, distinto e admirado colega, manifestar minha discordância, não do direito de crítica do autor, mas do modo como manifestou a crítica: desrespeitosa. Não estou, com isso, ofendendo a educação, nem o direito de expressão. Apenas, estou afirmando que
    não gostei do modo como o autor se manifestou, ao fazer comparações, no meu entendimento, injustas, indevidas.Seduzir-se pelo aplauso, vender-se...,atribuir-lhe autoestima baixa; negar-lhe imparcialidade,afirmar-lhe pretensão pseudo-professoral(?)...Barbosa está recebendo os aplausos de quantos acompanham os trabalhos do STF. Quanto a mim, aplaudo o bom trabalho da investigação pela Polícia e pelo Ministério Público, pela CPI,a denúncia do PGU, o bem elaborado relatório, a sugestão muito bem acolhida de "fatiamento" do processo, sem o quê nada se conseguiria, os votos favoráveis ou desfavoráveis ao réus. Admirei o pedido de desculpas, em público, diante da ofensa ao ministro revisor, prontamente aceito. Em suma, tenho posicionamento diverso. Na divergência respeitosa, a tranquilidade da democracia.

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    1. Obrigado meu nobre José Benfica por sua importante manifestação. Forte abraço,

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